O Brasil está se defrontando com o absurdo de sua estrutura institucional. Essa explosão galáctica da crise entre polícia, política, Judiciário, empresariado, Estado e capital revela o tumor do absurdo nacional.
Olho em volta e tenho de comentar o incompreensível, o indestrutível, o inexplicável, o inevitável, o incurável, o impossível. É desanimador. Deprimo, porque vivemos no Brasil uma dupla mensagem: tragédia nas notícias e gargalhadas nas revistas de celebridades. Dentro da paisagem tenebrosa, somos obrigados a ser felizes.
Hoje em dia, é proibido sofrer. Temos de "funcionar", temos de rir, de gozar, de ser belos, magros, chiques, tesudos, em suma, temos de ter "qualidade total", como os produtos.
Para isso, há o Prozac, o Viagra, os "uppers", os "downers", senão, nos encostam como mercadorias depreciadas.
No entanto, a depressão tem grande importância para a sabedoria; sem algum desencanto com a vida, sem um ceticismo crítico, ninguém chega a uma reflexão decente.
O bobo alegre não filosofa, pois, mesmo para louvar a alegria, é preciso incluir o gosto da tragédia.
No pós-guerra, tivemos o existencialismo, o suicídio da literatura com gênios como Beckett e Camus ou o teatro do absurdo, o homem entre o sim e o não, entre a vida e o nada.
A infelicidade de hoje é dissimulada na alegria obrigatória. "A depressão não é comercial", lamentou um costureiro gay à beira do suicídio, mas que tinha de sorrir sempre, para não perder a freguesia.
O bode pós-moderno vem da insatisfação de estar aquém de uma felicidade prometida pela propaganda e pelo mercado.
É impossível ser feliz como nos anúncios de margarina, é impossível ser sexy como nos comerciais de cerveja. Ninguém quer ser "sujeito", com limites, angústias; homens e mulheres querem ser mercadorias sedutoras, como BMWs, Ninjas Kawasaki... E aí toma choque, toma pílula, toma tarja preta.
Só nos resta essa felicidade vagabunda fetichizada em êxtases volúveis, famas de 15 minutos, "fast-fucks", raves sem rumo.
O mercado nos satisfaz com rapidez sinistra: a voracidade, o tesão, o amor. E pensamos: "E se não houvesse mais desejo? Eu posso escolher o filme ou música que quiser, mas, nessa aparente liberdade, "quem" me pergunta o que eu quero?
A interatividade é uma falsificação da liberdade, pois ignora meu direito de nada querer. Eu não quero nada. Não quero comprar nada, não quero saber nada, quero ficar deprimido em paz.
Estava neste ponto do artigo quando Ananda Rubinstein, cientista política, me enviou um texto chamado "Elogio da melancolia", de Eric G. Wilson, da Universidade de Wake Forest.
Veio a calhar. Com destreza acadêmica, ele aprofunda meus conceitos. Ele escreve:
"Estamos aniquilando a melancolia. Inventaram a ciência da felicidade. Livros de autoajuda, pílulas da alegria, tudo cria um ‘admirável mundo novo’ sem bodes, felicidade sem penas. Isso é perigoso, pois anula uma parte essencial da vida: a tristeza".
Ele continua:
"Não sou contra a alegria em geral, claro... Nem romantizo a depressão clínica, que exige tratamento. Mas sinto que somos inebriados pela moda americana de felicidade.
Podemos crer que estamos levando ótimas vidas simpáticas e livres, quando nos comportamos artificialmente como robôs, caindo no conto dos desgastados comportamentos ‘felizes’, nas convenções do contentamento.
Enganados, perdemos o espantoso mistério do cosmo, sua treva luminosa, sua terrível beleza. O sonho americano de felicidade pode ser um pesadelo.
O poeta John Keats morreu tuberculoso, em meio a brutais tragédias, mas nunca denunciou a vida. Transformou sua desgraça em uma fonte vital de beleza. As coisas são belas porque morrem - ele clamava. A rosa de porcelana não é tão bela como aquela que desmaia e fenece.
A melancolia, a consciência do tempo finito, é o lugar de onde se contempla a beleza. Há uma conexão entre tristeza, beleza e morte. Só o melancólico cria a arte e pode celebrar a experiência do transitório resplendor da vida.
A melancolia, longe de ser uma doença, é quase um convite milagroso para transcender o ‘status quo’ banal e imaginar inéditas possibilidades de existência. Sem a melancolia, a Terra congelaria num estado fixo, previsível como metal.
Desse modo, o mundo se torna desinteressante e morre. Todo mundo ficaria contente com o que lhe é dado (que, aliás, é o sonho do mercado - a satisfação completa do freguês).
Mas quando a gente permite que a melancolia floresça no coração, o universo, antes inanimado, ganha vida, subitamente. Regras finitas dissolvem-se diante de infinitas possibilidades. A felicidade torna-se pouco - passamos a querer algo mais: a alegria (‘joy’).
Mas, por que não aceitamos isso e continuamos a desejar o inferno da satisfação total, a felicidade plena?
A resposta é simples: por medo. A maioria se esconde atrás de sorrisos tensos porque tem medo de encarar a complexidade do mundo, seu mistério impreciso, suas terríveis belezas.
Para fugir dessa contemplação atemorizante, nos perdemos em distrações vãs e em um bom humor programado. Somos de uma natureza incompleta, somos de vagas potencialidades, e isso faz da vida uma luta constante em face do desconhecido. Usamos uma máscara falsa, sorridente, um disfarce para nos proteger do abismo.
Mas esse abismo é também nossa salvação. Ser contra a felicidade é abraçar o êxtase. A aceitação do incompleto é um chamado à vida. A fragmentação é liberdade".
É isso aí. A felicidade tem um pouco de tristeza.
O colunista está de férias até 27 de janeiro de 2010. Na sua ausência, republicamos artigos escolhidos pelo próprio autor.
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