Caixa de Pandora
O GLOBO - 01/12/09
Desde que a Polícia Federal começou suas operações de repressão à corrupção, com forte apelo midiático, um dos componentes mais importantes para torná-las populares foram os nomes com que as batizavam. Já houve de tudo: nomes mitológicos, como o da deusa Temis, quando se investigou corrupção no sistema judiciário; Operação Curupira, contra a extração e comercialização ilegal de madeira da Amazônia, em homenagem ao ser com os pés virados para trás para despistar quem o segue; Navalha na Carne, que investigou agentes públicos, inclusive da própria Polícia Federal; e Operação Azahar, nome árabe que simboliza a pureza da virgem, contra uma quadrilha internacional de pedofilia.
Agora temos a Operação Caixa de Pandora, que investiga o escândalo de corrupção no governo do Distrito Federal. A caixa que Pandora abriu quando seu amado dormia liberou todos os males que acometem a vida humana: doenças, inveja, decadência, guerra, morte. Apavorada, Pandora conseguiu fechar a caixa antes que o mal dos males pudesse se espalhar: o desencanto, a desesperança.
A julgar pela reação dos participantes do debate ocorrido ontem no auditório do GLOBO, nossa caixa de Pandora deixou escapar também a desesperança. O deputado federal Chico Alencar, professor de História, acha que a denominação da operação reflete a desesperança que ele constata nos cidadãos nas ruas.
Esse desencanto esteve refletido na reação dos presentes ao auditório do GLOBO, e nas perguntas enviadas pela internet. Mas houve também demonstrações de esperança na solução.
O senador Pedro Simon, único político presente ao debate, foi de um ceticismo chocante depois de uma vida pública de mais de 30 anos no Congresso: de lá, não sairá nada para conter a corrupção na política, garantiu ele. Simon, referindo-se ao mais recente caso de corrupção, fez um resumo curioso: "Há poucos dias, o governador José Roberto Arruda estava reeleito. Estava fazendo um governo muito bom, reconhecido pela população.
Hoje, está afastado da política com vídeos e fotos que não deixam dúvida sobre a existência de um mensalão em Brasília".
O senador do PMDB do Rio Grande do Sul disse que tanto o governo Lula quanto o de Fernando Henrique Cardoso aceitaram o jogo político do fisiologismo, e por isso esses escândalos todos aparecem.
Ele fez uma ressalva quanto ao governo do expresidente Itamar Franco, do qual foi líder no Congresso.
Para Simon, o governo Itamar mostrou durante dois anos e meio que é possível governar sem casos de corrupção, e até mesmo aprovar um Plano Real, que alterava todo o nosso sistema econômico, sem precisar comprar votos.
Claudio Abramo, diretor da ONG Transparência Brasil, também tem uma postura que considera realista diante do problema da corrupção: não conseguiremos mudar essa situação rapidamente, “não é para amanhã”, ressaltou.
Adepto de medidas objetivas para tentar conter a corrupção, ele desacredita de movimentos que tentem resolver a questão pelo lado damoral e dos bons costumes. Para ele, o que é preciso fazer é criar dificuldades para que a corrupção aconteça e denunciar as medidas utilizados pelas autoridades, em todos os níveis, para encobrir suas falcatruas.
Ele ressaltou que o acesso à informação pública, projeto levado à frente pela sua ONG que resultou em uma legislação federal, é um dos fatores mais importantes para a contenção desses atos ilegais.
Abramo não considera viável a aprovação do projeto de lei da ficha-limpa, uma iniciativa popular levada ao Congresso por 1,3 milhão de assinaturas. Ele lembrou que em quase todos os países do Ocidente existe a prática de que somente os processos em última instância é que podem impedir a candidatura de uma pessoa.
Rosangela Giembinsky, Coordenadora da ONG Voto Consciente, e Maria Aparecida Fenizola, vice-presidente do instituto de desenvolvimento de estudo político-sociais, estão, ao contrário, engajadas nessa campanha e consideram possível viabilizar a idéia, mesmo que ela seja combatida internamente no Congresso e, como garantiu o senador Pedro Simon, não saia da gaveta do Presidente da Câmara.
Rosangela Giembinsky citou diversos exemplos de processos pelo país que estão em curso e garantiu que o processo de informação do cidadão, que se dá hoje com muito mais rapidez graças aos avanços da tecnologia, fazem a diferença na hora de votar.
Já Maria Aparecida Fenizola, incluída no debate na qualidade de cidadã engajada por ter sido uma das líderes do recolhimento de assinaturas para o projeto de iniciativa popular contra os candidatos que têm fichasuja, mostrou-se entusiasmada com os avanços que detecta, e descartou ser uma ingênua aos 78 anos, depois de uma vida inteira dedicada à educação e ao aperfeiçoamento da cidadania.
Ela citou os muitos processos que inviabilizaram a continuidade na vida política de centenas de vereadores e prefeitos como um sintoma da vitalidade dos movimentos sociais engajados na luta por uma política menos corrupta e mais ligada ao bem-estar da população.
E foi muito aplaudida quando garantiu que se todo mundo achar que nada pode ser feito, aí é que nada mudará mesmo. E fez o senador Pedro Simon mandar um recado: "Depende mesmo de vocês a mudança na política, a pressão dos movimentos é imprescindível, por que do Congresso é que não virá a solução. De onde menos se espera, daí é que não sai nada mesmo", disse, decepcionado, o senador.
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