terça-feira, dezembro 01, 2009

FERNANDO DE BARROS E SILVA

Capital do puxadinho

FOLHA DE SÃO PAULO - 01/12/09



SÃO PAULO - A notícia de que o Palácio do Planalto acaba de ganhar um puxadinho no seu processo de reforma e restauração é cheia de implicações. Em primeiro lugar, há a questão arquitetônica: diante das normas de segurança atuais, a construção de Oscar Niemeyer revela-se defasada. Procura-se então adequar o palácio à nova realidade -ou a obra de arte à vida como ela é.
A solução encontrada -uma caixa de concreto "escondida" no fundo do prédio, um monstrengo que se pretende invisível- surge quase como uma metáfora histórica: quisemos ser modernos, as coisas não saíram como imaginávamos, mas demos um jeitinho e o resultado é esse, meia boca, até simpático quando se subtrai do campo de visão seus aspectos inapresentáveis.
O puxadinho do Planalto é o preço que o país da gambiarra cobra da nossa modernidade.
Niemeyer é o grande gênio da arquitetura brasileira. E Brasília representou o desejo de integrar socialmente o país, a materialização de uma utopia simbolicamente plantada no centro do território nacional. Na véspera de completar 50 anos, a capital sonhada foi engolida pelo Brasil.
As cidades-satélite no entorno de Brasília não deixam de ser um imenso puxadinho, um anexo segregado da vida moderna onde os neocoronéis do meio-oeste fazem a sua festa -de Joaquim Roriz a José Roberto Arruda.
Mas o próprio Plano Piloto vai acumulando seus puxadinhos. Já há tempos, a paisagem de Brasília é uma mistura de fachadas neoclássicas, prédios envidraçados, shoppings ostensivamente coloridos por propagandas, interiores rococós -uma salada visual que desafia a arquitetura "suspensa no ar" do projeto original.
Os críticos dizem que a obra de Niemeyer é mais artística e plástica do que prática e funcional -boa de ver, ruim de morar. Brasília tenta se afastar de seu destino. É cada vez menos moderna e mais pós-moderna. Sua utopia foi para o espaço, e hoje tem vigência apenas privada. Chama-se "qualidade de vida".

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