sábado, dezembro 19, 2009

MAÍLSON DA NÓBREGA

REVISTA VEJA
Maílson da Nóbrega

Temos instituições fortes

"A blindagem contra a irresponsabilidade prevalece
também na economia. As reformas dos anos 1980 e 1990,
que contribuíram para o êxito do Plano Real, criaram incentivos
à condução sensata da política econômica"

Aos olhos de muitos, a corrupção desvendada em Brasília é sinal de fragilidade institucional. Imagina-se que seus protagonistas ficarão impunes. E, como lembrou José Murilo de Carvalho, sem punição a corrupção compromete o "funcionamento do sistema democrático, na medida em que desmoraliza suas instituições".

Como, então, falar em instituições fortes? Depende do conceito de instituições. No Brasil, elas costumam ser entendidas em sentido estrito: as normas que regem o sistema político e a democracia. Teriam a ver com a coisa pública: as leis, o regime, o governo, o Congresso, as instâncias do Judiciário, os partidos políticos.

As instituições derivam da interação social e por isso podem ser construídas. Evoluem ao longo do tempo, de forma gradual. É o que tem ocorrido no Brasil, em meio à grande expansão do eleitorado. Mesmo no sentido estrito, nossa jovem democracia se consolida, malgrado ainda não inibir a contento a corrupção.

Uma das melhores definições de instituições é a de Douglass North. Para ele, instituições são as regras do jogo, formais ou informais, que alinham incentivos para ações de natureza política, social ou econômica. Outro estudioso do tema, Max Weber, aludiu ao papel desempenhado pelos ritos, pelos valores e pelas tradições da sociedade.

A imprensa é parte das instituições. No campo político, sua função é fiscalizar o governo, escancarar a corrupção e contribuir para o avanço institucional. No plano econômico, cabe-lhe auxiliar os mercados a avaliar riscos via acompanhamento dos indicadores e da ação do governo e dos políticos.

As crenças também integram as instituições. Nesse campo, uma das mais importantes mudanças mentais da sociedade brasileira: a intolerância à inflação, principalmente entre os pobres.

Esse conjunto nos legou instituições fortes em um aspecto básico: a preservação das conquistas da democracia e da estabilidade econômica. Sua força deriva da capacidade de constranger os atores políticos a disputar o poder por meio das regras do jogo e a não promover rupturas que tragam de volta a inflação desembestada.

O governo Lula é a grande prova dessa realidade. Movido por visões autoritárias, propôs a criação do Conselho Federal de Jornalismo e da Agência Nacional do Cinema e do Audiovisual (Ancinav), que controlariam a atividade da imprensa e as relacionadas à cultura. A sociedade reagiu, e o Congresso rejeitou as propostas.

A blindagem contra a irresponsabilidade prevalece também na economia. As reformas dos anos 1980 e 1990, que contribuíram para o êxito do Plano Real, criaram incentivos à condução sensata da política econômica. O Banco Central adquiriu autonomia operacional. As ações no campo fiscal e monetário se tornaram previsíveis.

Fruto de seu faro político e da intuição, que o guiaram pelo caminho correto, Lula percebeu o novo quadro institucional: a volta da inflação minaria sua popularidade e a confiança no Brasil. Apesar de ter prometido uma ruptura antes de chegar ao governo, decidiu manter e reforçar a política econômica herdada de seu antecessor.

Construímos, pois, fortes instituições, que são fruto de convicções democráticas da sociedade, da valorização da estabilidade econômica e da qualidade da imprensa. A esse conjunto se agregam os efeitos positivos do voto do analfabeto (os pobres agora votam), da sofisticação do sistema financeiro e da maior inserção do país na globalização.

Por causa disso, o presidente Lula resistiu a pressões de companheiros, políticos, empresários e economistas em favor de medidas inflacionistas. Ele também não seguiu maus conselhos para buscar um terceiro mandato consecutivo, o que, em caso de sucesso, abalaria as instituições políticas.

Nossas instituições previnem aventuras políticas e o voluntarismo (eu quero, eu posso) na economia. Novos avanços são necessários para inibir práticas contrárias ao crescimento futuro da economia, como é o caso do recente renascimento de visões estatizantes e de ações que sinalizam gastos e endividamento público preocupantes.

Seja como for, nossas instituições já nos acautelam contra a instabilidade política e econômica. Não é pouco. Por isso, são muito fortes.

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