Cabral continua devendo o Bilhete Único
FOLHA DE SÃO PAULO - 27/12/09
O governador do Rio criou uma bem-vinda tarifa intermunicipal, mas exagerou na propaganda
O DOUTOR JULIO LOPES , secretário de Transportes do governador Sérgio Cabral, insiste: não se pode comparar o Bilhete Único de São Paulo com o do Rio de Janeiro. Tem toda razão, e o motivo é simples: aquilo que está sendo chamado de Bilhete Único pela sua máquina de propaganda é apenas uma tarifa de integração dos ônibus dos municípios vizinhos com a rede de transportes públicos da cidade do Rio de Janeiro. Cobrirá algo como 1,5 milhão de viagens/dia. O Bilhete Único paulista atende 12 milhões.
Nos próximos dias a cidade de São Paulo terá duas novas tarifas. Uma, de R$ 2,70, permite que o cidadão faça quatro viagens de ônibus num período de três horas. Outra, de R$ 4, integra os passageiros da rede de ônibus com a malha do metrô. No Rio, as viagens serão só duas, por duas horas, ao preço de R$ 4,40, com acesso ao metrô, aos trens e às barcas.
As viagens iniciadas e terminadas dentro do município do Rio não terão cobertura do Bilhete Único. Para um morador de Bangu que vai para Copacabana e faz uma perna da viagem de ônibus e a seguinte de metrô, a mordida continuará igual: pagará R$ 5.
Pelas promessas de Sérgio Cabral, um sistema semelhante ao de São Paulo já deveria estar em vigor no Rio há precisamente um ano. Ainda assim, seu bilhete intermunicipal beneficiará centenas de milhares de trabalhadores. Quem paga até R$ 9,50 por uma viagem de Nova Iguaçu à zona sul desembolsará apenas R$ 4,40. O desconto alivia o orçamento de famílias para quem R$ 10 por dia significam real economia. Faz-se mais justiça barateando a viagem de quem sai de São João de Meriti para o Leblon do que refrescando a tarifa num percurso Jardim Botânico-Metrô Ipanema-Botafogo.
Cabral fez bastante. Já o prefeito Eduardo Paes, que prometeu o Bilhete Único durante a campanha eleitoral, está tomando um baile da privataria, logo dela. O Metrô do Rio e a SuperVia criaram modelos próprios de integração tarifária. Quem viaja de metrô e depois sobe num trem paga R$ 3,80. Na tarifa cheia pagaria R$ 5. O metrô também tem algumas linhas integradas a ônibus, com bilhetes de R$ 3,60. (Em São Paulo a tarifa para quem viaja de ônibus e metrô irá para R$ 4.)
O bilhete integrado produzido pela iniciativa privada cobre 150 mil viagens/dia, dá lucro e não custa um ceitil à Viúva. Ele só existe porque está fora do alcance dos intere$$e$ das frotas de ônibus da cidade do Rio.
Cabral, Julio Lopes e Eduardo Paes continuam devendo a tarifa única à cidade de são Sebastião.
HABEMUS GILMAR
Pindorama tem dois tipos de presos. Aqueles que gramam a cana e os que ganham habeas corpus quando o doutor Gilmar Mendes responde pelo expediente do Supremo Tribunal Federal.
O médico Roger Abdelmassih foi preso no dia 17 de agosto e seus advogados conseguiram soltá-lo porque pediram um habeas corpus quando o tribunal estava em recesso e o pedido foi à mesa do doutor Gilmar. O mesmo tribunal já negara um habeas corpus ao mesmo doutor, em decisão tomada pela ministra Ellen Gracie.
Abdelmassih não é um Daniel Dantas qualquer. Ele carrega no seu prontuário 56 acusações de estupro. O doutor garantia às clientes que em sua clínica não usava embriões de "qualquer neguinha de rua".
GUANTÁNAMOBRÁS
O austríaco Manfred Nowak, relator especial das Nações Unidas para a repressão à tortura, sugeriu que países como o Brasil aceitem presos de Guantánamo.
Muito bonito. A guerra é do governo dos Estados Unidos e Pindorama importaria a encrenca dos prisioneiros que os americanos não querem guardar em seu território.
Nosso Guia poderia apresentar ao companheiro Obama uma proposta amiga, e de interesse mútuo: os Estados Unidos mandam para cá tantos presos quantos queiram. Em contrapartida, para cada preso recebido pelo Brasil, o governo americano dará licenças de trabalho para mil brasileiros que vivem sem documentos nos Estados Unidos.
Para que não se pense em interferência indevida nos assuntos internos americanos, ficaria a critério das autoridades locais escolher os imigrantes que seriam beneficiados por cada troca.
DIREITA, VOLVER
A marquetagem petista tem o sonho de transformar a eleição presidencial num plebiscito em torno da figura de Nosso Guia. Se o Padre Eterno lhe conceder essa graça, há outro pedido: que Ele ajude a empurrar José Serra para a direita. Alguns comissários acreditam que, aqui e ali, suas preces já foram ouvidas.
ANDAR DE CIMA
No século 19, o grande fazendeiro e senhor de escravos Joaquim de Souza Breves resolveu desafiar os poderes do mundo e sequestrou a neta Paulina, filha do Conde Fé D'Ostiani com sua filha Rita, que morreu quando a criança tinha seis anos.
Não houve força capaz de convencer vovô Breves a devolver a menina ao pai. D. Pedro 2º se fez de bobo e ao rei da Itália só restou esperar.
Breves acabou cedendo. Paulina casou-se com o conde Tristan, filho do almirante Montholon e de Albine, provável namorada de Napoleão em Santa Helena. (O imperador seria o pai de uma criança chamada Helene Napoleone e murmurava-se que o corno envenenara o corso).
Passou-se mais de um século e um ramo dos Lins e Silva do Rio teve seu momento-Breves. Até o início deste ano, usufruíram de uma mordaça judicial imposta à imprensa. Depois, lutaram no Judiciário até a exaustão de suas relações pessoais e profissionais. Ao fim, o padrasto João Paulo Lins e Silva devolveu o garoto Sean Goldman ao pai americano num desnecessário e deliberado espetáculo circense.
ANDAR DE BAIXO
No último domingo de compras, o Norte Shopping do Méier, no Rio, recebeu 150 mil pessoas. São dois Maracanãs.
TRANSPORTE SEM SUBSÍDIO É COISA DE POBRE
Num dos seus aspectos mais radicais, a demofobia urbana não pode ouvir falar em Bilhete Único e logo grita "subsídio!", como se subsidiar transportes públicos fosse um problema. É solução. Problema é não financiá-los. Todas as grandes capitais do mundo subsidiam.
O demófobo cosmopolita diz que as coisas em Pindorama são uma porcaria, enquanto "lá fora", ou no "Primeiro Mundo", a vida é outra.
Em matéria de transporte público, acontece o seguinte em Nova York: a tarifa cheia do ônibus e do metrô custa US$ 2,50 (R$ 4,50). Ela permite que se passe de um sistema ao outro. O nova-iorquino também pode comprar por US$ 89,90 um cartão que lhe dá acesso ilimitado ao metrô e aos ônibus durante 30 dias. Dessa maneira, se o trabalhador toma duas conduções na ida e outras duas na volta, a tarifa unitária sai por US$ 0,75, ou R$ 1,35.
Há mais. Quem compra o cartão habilita-se a um rebate no imposto de renda equivalente a algo como US$ 380 anuais. Assim, a tarifa do trabalhador das duas conduções cai para US$ 0,50 (R$ 0,90) por embarque.
É muito mais barato ir para o trabalho no regime de capitalismo populista de Nova York do que sob o canibalismo social do Rio de Janeiro.
Nenhum comentário:
Postar um comentário