REVISTA VEJA
Economia limpa • Perspectiva 2010
Diamond Jared |
As grandes empresas
vão salvar o mundo?
Possivelmente sim, porque já não lhes cabe a imagem
de gananciosas e malvadas, movidas a lucros imediatos.
Muitas delas já fazem mais - e melhor - do que os governos imaginam
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Fotos: AVG/Latinstock; Germano Luders | WALMART Lojas ecologicamente corretas, inclusive no Brasil, com luz acionada por energia solar |
Há uma opinião disseminada entre ambientalistas e liberais (de esquerda) de que as grandes empresas são destruidoras do meio ambiente, gananciosas, malvadas e guiadas por lucros imediatos. Eu sei disso porque já tive essa opinião. Mas hoje tenho um sentimento mais plural. Ao longo dos anos, entrei para o conselho diretor de dois grupos ambientais, o WWF e a Conservação Internacional, atuando ao lado de muitos executivos de empresas.
Como conselheiro, fui chamado a avaliar a situação ambiental em campos de petróleo, e tive discussões francas com empregados de empresas petrolíferas. Também trabalhei com executivos dos setores de mineração, varejo, extração de madeira e serviços financeiros. Descobri que, embora algumas empresas sejam de fato tão destrutivas quanto muitos suspeitam, outras estão entre as mais positivas forças do mundo para a sustentabilidade ambiental.
A adesão às preocupações ambientais por parte dos executivos-chefes das empresas acelerou-se recentemente por várias razões. Um menor consumo dos recursos ambientais poupa dinheiro a curto prazo. E uma imagem limpa - conquistada, digamos, ao evitar derramamento de petróleo e outros desastres ambientais - reduz as críticas da sociedade.
Eis alguns exemplos envolvendo três corporações - Walmart, Coca-Cola e Chevron - que muitos críticos adoram odiar, injustamente, na minha opinião.
Comecemos com o Walmart. Obviamente, uma empresa pode poupar dinheiro encontrando maneiras de gastar menos e manter as vendas. Foi isso que o Walmart fez com os gastos com combustíveis, reduzidos em 26 milhões de dólares por ano, simplesmente alterando a forma de gestão da sua frota de caminhões. Em vez de manter o motor do caminhão ligado a noite toda para aquecer ou refrigerar a cabine durante as paradas para descanso, a empresa instalou pequenos geradores auxiliares. Além de reduzir o gasto de combustível, a medida eliminou emissões de dióxido de carbono equivalentes à retirada de 18,3 mil carros de passeio das ruas.
O Walmart também está empenhado em duplicar a eficiência de combustível da sua frota de caminhões até 2015, economizando assim mais de 200 milhões de dólares por ano na bomba de diesel. Entre os protótipos eficientes que estão sendo testados há caminhões que queimam biocombustíveis produzidos com a gordura que resta nos balcões de frios da rede. Da mesma forma, a empresa, a maior usuária privada de eletricidade dos Estados Unidos, está poupando dinheiro ao reduzir o consumo de energia nas lojas.
Outro exemplo do Walmart envolve a diminuição dos custos associados ao material de embalagem. Na América do Norte, a rede agora só vende detergentes líquidos concentrados, o que reduz em até 50% o tamanho das embalagens. As lojas também dispõem de máquinas que reciclam o plástico que antes seria jogado fora. A meta da empresa é, no futuro, não ter mais lixo de embalagens.
Um último exemplo do Walmart mostra como uma empresa pode poupar dinheiro a longo prazo comprando de fontes sustentáveis. Por causa da gestão não sustentável da pesca, os preços da merluza-negra chilena e do atum do Atlântico haviam disparado. Para minha agradável surpresa, em 2006 o Walmart decidiu que em cinco anos transferiria todas as suas compras de peixes e frutos do mar apanhados na natureza para empresas pesqueiras certificadas como sustentáveis.
Os problemas da Coca-Cola são diferentes do Walmart por serem prioritariamente de longo prazo. O principal ingrediente dos produtos da Coca é a água. A empresa produz bebidas em cerca de 200 países por meio de franquias locais, que pedem um suprimento local confiável de água limpa.
Siegfried Layda/Getty Images | COCA-COLA A empresa trabalha na manutenção de sete grandes bacias hidrográficas, entre elas a do Rio Yang-tsé, porque precisa de água |
Mas a oferta de água encontra-se sob forte pressão em todo o mundo, e a maior parte dela já está alocada para o uso humano. A pouca água doce ainda não alocada está em áreas remotas, inadequadas a fábricas de bebidas, como o Ártico russo ou o noroeste da Austrália. A Coca-Cola não consegue atender às suas necessidades hídricas simplesmente dessalinizando a água do mar, porque isso exige energia, o que também é cada vez mais caro. A mudança climática global está tornando a água cada vez mais escassa, especialmente em países densamente povoa-dos da zona temperada, como os Estados Unidos, que são o principal mercado da Coca-Cola. O maior concorrente em todo o mundo no uso da água é a agricultura, que também apresenta seus próprios desafios de sustentabilidade.
Daí que a sobrevivência da Coca-Cola a compele a estar profundamente preocupada com os problemas de escassez de água, energia, mudança climática e agricultura. Uma meta da empresa é tornar suas fábricas "neutras em água", devolvendo ao meio ambiente uma quantidade de água igual à que foi usada nas bebidas e na sua produção. Outra meta é trabalhar na conservação de sete grandes bacias fluviais, incluindo as dos rios Grande (fronteira México-Estados Unidos), Yang-tsé, Mekong e Danúbio, todos eles locais de grandes preocupações ambientais, além de fornecerem água à Coca-Cola.
Essas metas de longo prazo somam-se na Coca-Cola a práticas ambientais e de redução de custos a curto prazo, como a reciclagem de garrafas plásticas, a substituição do plástico de petróleo das embalagens por material orgânico, a diminuição do consumo de energia e o aumento do volume de vendas com a redução no uso de água.
A terceira empresa é a Chevron. Nem em parques nacionais eu vi uma proteção ambiental tão rigorosa quanto nas cinco visitas que fiz aos novos campos petrolíferos administrados pela Chevron em Papua-Nova Guiné. (A Chevron já vendeu sua participação nesses empreendimentos a uma empresa petrolífera da região.) Quando perguntava como uma empresa de capital aberto poderia justificar a seus acionistas os gastos com meio ambiente, empregados e executivos da Chevron me davam pelo menos cinco razões.
Primeiro, que vazamentos de óleo podem sair terrivelmente caros: é bem mais barato evitá-los do que limpar suas consequências. Segundo, que as práticas limpas reduzem o risco de que os proprietários de terras da Nova Guiné se irritem, peçam indenizações e fechem os campos. Terceiro, que os padrões ambientais estão se tornando mais rigorosos no mundo todo, de modo que construir instalações limpas agora minimiza o risco de ter de realizar custosas reformas para adaptação depois. Além disso, as operações limpas em um país dão à empresa uma vantagem na hora de solicitar contratos em outros. Finalmente, as práticas ambientais das quais os empregados se orgulham elevam o moral, ajudam no recrutamento e aumentam o tempo que os funcionários tendem a permanecer na empresa.
Diante de tantas vantagens obtidas com políticas ambientalmente sustentáveis, por que tais políticas enfrentam resistência de algumas empresas e de muitos políticos? As objeções muitas vezes são peremptórias.
"Temos de equilibrar meio ambiente e economia." A premissa dessa afirmação é que as medidas que promovem a sustentabilidade ambiental inevitavelmente têm um custo econômico, e não um lucro. Essa linha de pensamento vira a verdade de ponta-cabeça. As razões econômicas fornecem os motivos mais fortes para a sustentabilidade, porque a longo (e muitas vezes também a curto) prazo é muito mais caro e difícil tentar consertar os problemas, ambientais ou de outra natureza, do que evitá-los.
Os americanos aprenderam essa lição com o furacão Katrina, em 2005, quando, como resultado de uma década de relutância dos órgãos públicos em gastar centenas de milhões de dólares para consertar as defesas de Nova Orleans, foram desembolsados centenas de bilhões de dólares com os estragos - sem mencionar milhares de cidadãos mortos. Da mesma forma, John Holdren, principal consultor científico da Casa Branca, estima que a solução dos problemas climáticos custaria aos Estados Unidos 2% de seu PIB até 2050, mas que não resolvê-los prejudicará a economia em 20% a 30% do PIB.
"A tecnologia vai resolver nossos problemas." Sim, a tecnologia pode contribuir com a solução dos problemas. Mas grandes avanços tecnológicos exigem décadas para ser desenvolvidos e adotados, e muitas vezes revelam efeitos colaterais imprevistos - veja-se o caso da destruição da camada de ozônio por clorofluorcarbonetos atóxicos e não inflamáveis, inicialmente louvados por substituírem gases de refrigeração venenosos.
"O ritmo de crescimento da população mundial está diminuindo, e não será o problema que temíamos." É verdade que a taxa de crescimento populacional tem decrescido. Entretanto, o verdadeiro problema não são as pessoas em si, e sim os recursos que elas consomem e o lixo que produzem. A média de consumo e produção de lixo por pessoa, que nos países ricos equivale a 32 vezes a dos países pobres, cresce acentuadamente no mundo inteiro, conforme os países em desenvolvimento emulam o estilo de vida das nações industrializadas.
"É fútil pregar aos americanos a redução do padrão de vida: jamais haverá sacrifícios só para que outras pessoas possam elevar seu padrão cotidiano." Isso mistura consumo com padrão de vida: eles são apenas vagamente relacionados, porque grande parte de nosso consumo é esbanjador e não contribui com a nossa qualidade de vida. Nossas necessidades básicas estão atendidas, e aumentar o consumo nem sempre aumenta a felicidade. Substituir um carro que faz 6 quilômetros por litro por um modelo mais eficiente não vai reduzir o padrão de vida de ninguém, mas ajudará a melhorar a vida de todos por diminuir as consequências políticas e militares da dependência do petróleo. Os europeus ocidentais têm taxas de consumo per capita inferiores às dos americanos, mas desfrutam um melhor padrão de vida em termos de acesso à saúde, segurança financeira depois da aposentadoria, mortalidade infantil, expectativa de vida, alfabetização e transporte público.
Não surpreende que o problema da mudança climática tenha causado sua própria safra de objeções.
"Até os especialistas discordam sobre a realidade da mudança climática." Isso foi verdade há trinta anos, e alguns especialistas ainda discordavam uma década atrás. Hoje, virtualmente todo climatologista concorda que as temperaturas médias globais, o ritmo do aquecimento e os níveis atmosféricos de dióxido de carbono são maiores do que em qualquer momento do passado recente da Terra, e que a principal causa é a emissão de gases do efeito estufa por humanos. As questões que ainda estão sendo debatidas são se a temperatura média global vai aumentar em 2 graus até 2050 e se os humanos respondem por 90% ou "só" por 85% da tendência global de aquecimento.
"A magnitude e a causa da mudança climática global ainda são incertas. Não deveríamos adotar contramedidas custosas até que tenhamos certeza." Em outras esferas da vida - escolher um cônjuge, educar os filhos, comprar ações e seguros de vida etc. - admitimos que a certeza é inalcançável e que devemos tomar a melhor decisão possível com base nas evidências disponíveis. Por que a busca impossível pela certeza deveria nos paralisar somente a respeito das providências contra a mudança climática?
"O aquecimento global será bom para nós, por permitir o cultivo agrícola em lugares antes frios demais para a agricultura." O termo "aquecimento global" é impróprio; deveríamos falar em mu- dança climática global, que não é uniforme. A temperatura global média de fato está subindo, mas muitas áreas estão ficando mais áridas, e a frequência de secas, inundações e outros episódios climáticos extremos está aumentando. Algumas áreas sairão ganhadoras e outras serão perdedoras.
"É inútil que os Estados Unidos ajam contra a mudança climática se não souberem o que a China fará." Na verdade, a China chegou para as negociações da conferência climática de Copenhague com todo um pacote de medidas para reduzir a sua "intensidade de carbono". Enquanto os Estados Unidos hesitam a respeito da transmissão elétrica a longa distância das áreas rurais (com maior potencial para a produção de energia eólica) para as áreas urbanas (mais necessitadas de energia), a China está muito à frente. Ela desenvolve linhas de transmissão para voltagens ultra-altas, saindo de locais de produção eólica e solar no oeste rural do país para cidades no leste. Se os Estados Unidos não agirem para desenvolver uma tecnologia energética inovadora, logo perderão a competição dos "empregos verdes" não só para a Finlândia e a Alemanha (como já ocorre), mas também para a China.
Em cada uma dessas questões, as empresas americanas, e de todo o mundo, terão um papel igual ou maior que o do governo. Meus amigos do mundo empresarial continuam me dizendo que o governo de Washington pode ajudar em duas frentes: por um lado, investindo em tecnologia "verde", oferecendo incentivos fiscais e aprovando uma legislação com limites e comércio de emissões; por outro, estabelecendo e fiscalizando padrões rígidos para assegurar que as empresas com métodos baratos e sujos não tenham uma vantagem competitiva sobre as que protegem o meio ambiente. Quanto ao resto de nós, deveríamos superar a interpretação equivocada de que as empresas americanas só se importam com os lucros imediatos e recompensar as companhias que mantêm o planeta saudável.
David Mcnew/AFP | CHEVRON Sucessivas explicações aos acionistas por gastar tanto com controle ambiental das usinas de petróleo |
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