O vilão escapou do xerife e amordaçou o perigo
“Estamos terminando o ano brilhantemente”, começou José Sarney a despedir-se do ano que vai terminar com um caso de polícia presidindo o o Senado e um jornal algemado pela censura prévia. Caso se limitasse a escapar do xerife, já teria sido um ano e tanto: mesmo para os padrões do paraíso da bandidagem impune, o aluvião de patifarias passou da conta. Pois Sarney não se limitou a livrar-se da lei. Também amordaçou o perigo.
Há quase 150 dias, censurado por um desembargador amigo que atendeu ao pedido do primogênito Fernando, o Estadão está proibido de revelar as patifarias comprovadamente cometidas pelo bando liderado pelo velho pai-da-pátria. Como manteve a coluna naFolha, Sarney transformou-se no primeiro censor da história que, além de silenciar um grande jornal, publica artigos semanais no concorrente. Há dias, os leitores souberam que anda indignado com as dimensões amazônicas da tribo dos corruptos. É o Brasil.
Nestes 12 meses, não faltaram sustos ou sobressaltos, nem pancadas doloridas, e em certos momentos assaltou-o a sensação de que o final infeliz se aproximava. Deve ter achado constrangedora a revelação de que os parceiros mais íntimos o chamam de Madre Superiora. Pareceu-lhe um despropósito tanto o cartão vermelho apresentado por Eduardo Suplicy quanto o discurso de Pedro Simon providencialmente inibido por aquele olhar de Fernando Collor. Mas tudo isso agora é pouco relevante. O triunfo reduz o tamanho das batalhas perdidas.
Merecem muito mais espaço na memória a volta da filha Roseana ao governo maranhense, ou as reverências com que o contemplaram os chefes dos outros poderes. O presidente da República, na hora difícil, promoveu-o a Homem Incomum. O presidente do Supremo Tribunal Federal, ao ratificar a censura imposta aoEstadão, deixou claro que a privacidade e a honra do presidente do Senado valem mais que a imprensa livre e o direito à informação.
Graças à cumplicidade ativa desses parceiros de grosso calibre, um maranhense octogenário conseguiu a façanha memorável: o país que não prende nenhum cliente de advogados caros resolveu enjaular a liberdade de expressão. O ano de Sarney ficou mais luminoso. A face escura do Brasil ficou ainda mais sombria.
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