A arte tem de cantar na chuva
O GLOBO -08/12/09
Parece o prólogo de “Guerra das Estrelas”, mas é uma ironia, porque Nietzsche achava que, por trás da busca científica e racional da verdade, mora o desejo da morte, de esgotamento da vida. No mundo atual, vemos o espantoso descompasso entre o avanço científico e humano, vemos a convivência horrível entre o Hubble, a fome e o massacre de miseráveis.
Nietzsche sonhava com um futuro (nem ele escapou de um “finalismo”...) que daria sentido à vida: “A arte é mais poderosa que a Ciência, pois ela quer a vida, enquanto o objetivo final do conhecimento é o aniquilamento.”
Claro que não tenho nível para aprofundar este tema; mas temos hoje esta maravilhosa e imprevisível metástase da informação digital da tecno-ciência ao lado do indigente, tuberculoso desempenho artístico do mundo.
Onde está a grande arte hoje? A falta de esperança ou da ilusão de futuro gerou uma debandada em todas as direções: o catastrofismo para as massas (“2012”), a indústria dos “best-sellers” e autoajuda, a literatura engajada, a literatura do cinismo histérico de um caos “pop”, os tubarões petrificados (Damian Hirst), latinhas de cocô de outros picaretas e a ausência de música erudita relevante.
No cinema, por exemplo, temos de um lado o mercantilismo escroto de Hollywood e do outro a agonia do filme independente. Até pouco tempo, alguns cineastas americanos tinham fascínio por climas “densos”, como eles imaginavam que era a “arte europeia”. Geralmente, esses filmes ficavam ridículos.
Isso acabou. Com a morte do “Absoluto europeu”, os ideólogos do mercado estão eufóricos. Os mercadores americanos chamam os europeus de “decadentes e intelectualizados”. Seu fracasso seria devido ao “esnobismo”, recusando-se a qualquer coisa que faça sucesso comercial.
A pintura europeia, a música, o cinema, tudo está na UTI. Mas, a culpa é de quem? A Europa teria ficado burra? Os americanos acham que a Europa é “inteligente demais”, e que isso atrapalharia a criação artística.
Sempre houve uma bronca contra a “profundidade” da cultura do Velho Mundo. E no entanto, eles não sabem que a genial originalidade de seu cinema vem justamente do “superficial” em filmes sem ambições.
Do outro lado do muro, vemos a solidão melancólica das vanguardas e dos filmes independentes.
O conceito de “experimental” está muito ligado à ideia de sofrimento, autodestruição. A arte se fechou numa paranóia conceitual e minimalista. Ou melhor, o mundo fechou os artistas.
Movidos pela ideia socrática que Nietzsche tanto ataca, de que a arte tem de ser subordinada à razão, os artistas caíram numa denúncia melancólica das impossibilidades. Não há futuro para a arte subordinada à razão.
Prevaleceu a vertente “triste” do modernismo, uma ideologia nevoenta de criticismo, apenas uma arte enojada contra o mal-estar da civilização. Acho que está na hora de se recriar um construtivismo positivo.
Por que a melancolia seria mais profunda que a alegria? Será a melancolia a única forma de reflexão? Como então explicar Fred Astaire, a arte pop, o jazz? Michael Jackson? Depois do pop, será que uma “aids conceitual” não atacou tudo, depauperando a luta?
Outro dia fui ver “Lua Nova” com meu filho. O filme é ruim, mas é “bom” – há ali algo de novo, como se fosse filmado e montado por vampiros e lobisomens. Sempre esculachei o cinema brutamente comercial, mas hoje vejo que há nestes novos delírios de massa alguma semente formal do que poderíamos chamar de um novo “barroco digital”.
Precisamos de arte, pois a ciência e a razão querem chegar até os ossos da “essência”. A arte tem de ser o grande ritual de embelezamento da vida. A arte é a ilusão aceita, a clareza feliz de que a aparência é o lugar do humano e que só nos resta essa hipótese de felicidade num planeta gelado.
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