De filho a pai
O GLOBO - 27/11/09
A vida de personagens políticos pode dar belos filmes, tanto documentários como de ficção. Como “Gandhi”, de Richard Attenborough, em 1982, e “Bobby”, de Emilio Esteves, em 2006. Ou aquele maravilhoso “The queen”, no mesmo ano, mostrando a crise enfrentada pela rainha Elizabeth no episódio da morte da princesa Diana.
Esses poucos exemplos (obrigado, Google, obrigado) bastam para mostrar que o veio é rico. Mas em nenhum deles veio ao caso discutir possíveis repercussões políticas imediatas dos filmes.
Elas existem no caso de “Lula, o filho do Brasil”, de Fábio Barreto. O filme conta a história do presidente, do nascimento até a morte de sua mãe; ele era então líder sindical, perseguido pela ditadura militar. A narração se baseia em fonte praticamente oficial: é extraída de uma biografia publicada em 2003 pela Fundação Perseu Abramo, ligada ao PT. E o livro só tem mesmo fontes a favor: são cinco entrevistas com o biografado e mais 14 com parentes e amigos.
A história do “filho do Brasil” será mostrada nos próximos meses no país inteiro. Ninguém terá a ingenuidade de acreditar que seu efeito sobre a maioria dos espectadores terá natureza puramente estética ou sentimental. Será — seja esse ou não o desejo do clã Barreto — poderoso cabo eleitoral, puxando votos para a candidata Dilma Rousseff.
Eleitores de boa memória talvez, quem sabe, poderão distinguir entre a carreira do líder sindical e o desempenho do presidente da República. E terão direito legítimo de levar em conta os bons índices no comportamento da economia, assim como o inegável prestígio internacional do patrono da provável candidata do PT à sucessão.
São dois itens que se encaixam adequadamente, digamos assim, na biografia oficial do “filho do Brasil”.
Por outro lado, falta saber o peso que terá a lembrança de capítulos mais recentes de sua vida pública — que possivelmente forneceriam o roteiro para um filme mais de terror do que de simpáticas recordações. Como o episódio de corrupção no Congresso, patrocinado pelo Planalto, e que fez desaparecer de cena uma batelada de irmãos históricos do filho do Brasil. Ou o inchaço da máquina pública, literalmente invadida por quadros petistas. Ou, ainda, alguns elementos de sua política externa, marcada por relações carinhosas com governos pouco ou nada democráticos, como os da Venezuela, da Líbia e do Irã.
Nada contra o filme de Fábio Barreto, que contou, com todo o talento que tem, uma história verdadeira, até o ponto em que chegou a biografia oficial. Mas convinha que a plateia não tirasse da cabeça o fato de que se trata de uma história pela metade.
E bom mesmo seria se, antes das eleições do ano que vem, algum cineasta corajoso trouxesse para as telas brasileiras uma nova saga: “Lula, o pai do mensalão”.
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