A indústria bélica
O GLOBO - 15/09/09
A questão do reaparelhamento das Forças Armadas, abordada nas colunas do fim de semana, com base nos acordos já firmados com o governo da França para adquirir helicópteros e submarinos, e a licitação dos novos caças, que parece estar definida a favor dos Rafale franceses — mas que continua teoricamente em aberto para que os governos de Estados Unidos e Suécia possam melhorar suas ofertas, especialmente no que se refere à transferência de tecnologia —, atraiu grande atenção dos leitores.
Utilizo a mensagem do engenheiro Eduardo Siqueira Brick, coordenador adjunto do Núcleo de Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense (Nest/UFF), especializado em Ciência, Tecnologia e Informação (CT&I) e Indústria de Defesa, para representar a massa de comentários recebida.
Hoje vou abordar aspectos da criação do complexo industrialmilitar prevista na reformulação da Estratégia Nacional de Defesa (END) que está sendo elaborada pelo Ministério da Defesa. A questão da transferência de tecnologia fica para outra coluna.
Segundo Eduardo Brick, quando se trata da Base Industrial de Defesa (BID), existem cinco componentes que apresentam aspectos distintos, mas que interagem com grande intensidade: a) A infraestrutura industrial da defesa: empresas e organizações envolvidas no desenvolvimento e fabricação de produtos de defesa.
Um ponto fundamental seria a definição do que é empresa brasileira para fins de defesa, pois, segundo Brick, se a lei não mudar rapidamente, todas as empresas brasileiras existentes serão adquiridas por grandes empresas estrangeiras.
Entretanto, para ele falta definir a parte mais importante: a existência de recursos no orçamento de forma continuada para dar sustentação a essa indústria. “Já tivemos essa experiência no passado. Desenvolvemos uma indústria de defesa, não muito sofisticada, que sobreviveu principalmente das vendas para o exterior. O Brasil nunca garantiu a existência dessas empresas. Sem isso, todo o esforço que agora está sendo feito será inútil”.
b) A infraestrutura científicotecnológica da defesa: universidades, centros de pesquisa e empresas envolvidos na criação de conhecimentos científicos e tecnologias com aplicação em produtos de defesa.
Ela deve englobar todo o complexo nacional, através de ações cooperativas, organização de redes temáticas, utilização compartilhada de laboratórios e outros mecanismos de interação.
“A participação da indústria nesses arranjos deve ser mandatória, objetivando-se a aceleração do processo de inovação”, ressalta. Segundo Brick, este componente da BID ainda está muito incipiente, “pois pouco ou quase nada tem sido feito, sendo citáveis apenas os editais Prodefesa que têm procurado incentivar essa participação de instituições civis na solução de problemas de defesa”.
c) A infraestrutura de inteligência da defesa: instituições e pessoas envolvidas na coleta e análise de informações existentes no exterior sobre conhecimentos científicos e inovações tecnológicas com aplicação no desenvolvimento de produtos de defesa e em prospecção tecnológica com impacto em defesa.
“Sua existência se justifica pela dinâmica da evolução tecnológica, a qual torna imprescindível ser capaz de conhecer e/ou absorver a tecnologia atual para uso próprio, ou para criar contramedidas apropriadas”, analisa o engenheiro Eduardo Brick.
Adicionalmente, há que se ter capacidade de vislumbrar possíveis evoluções da tecnologia, através da aplicação de métodos de prospecção e avaliação tecnológica.
“É importante existir um sistema de inteligência tecnológica para prospectar as tendências de evolução tecnológica mais relevantes para a defesa, contornar o cerceamento tecnológico e proteger nossos ativos tecnológicos”.
d) a infraestrutura de financiamento da defesa: instituições e recursos financeiros dedicados ao financiamento de pesquisa científica e tecnológica e ao desenvolvimento de produtos com aplicação em defesa e ao financiamento de vendas externas de produtos de defesa, “uma função vital para a saúde de todo o sistema, que possui características tão específicas”.
Sem financiamento governamental, diz Eduardo Brick, não há P&D para sustentar a inovação de produtos de defesa.
Sem inovação, “o sistema de defesa, rapidamente, fica obsoleto e incapaz de enfrentar as novas ameaças que não cessam de evoluir”.
A realidade, porém, é que o Brasil dedica pouquíssimos recursos para pesquisa de interesse para defesa. Em 2006, o Brasil investiu apenas 0,6% dos recursos de pesquisa e desenvolvimento na área de defesa. Em 2003, ano em que o Brasil investiu apenas 1,2%, os EUA investiram 56%, a Espanha 24%, a França 23% e a Coreia 13%.
O pouco investimento que existiu resultou em significativos avanços para aplicações civis, lembra Eduardo Brick, que cita o exemplo da Embraer com o projeto do AMX, que permitiu o desenvolvimento dos jatos regionais EMB 135, 145 e 190 que hoje dominam grande parte do mercado internacional, gerando postos de trabalho de alta qualidade no Brasil e receitas de exportação.
Também o investimento da Marinha no ciclo de combustível nuclear garantiu o fornecimento desse combustível para nossas usinas nucleares. “Os benefícios, estratégicos, financeiros e sociais desses sucessos foram, sem sombra de dúvida, muitas ordens de grandeza superiores aos investimentos feitos”, comenta Brick.
e) o arcabouço regulatório da BID. Temas tais como regras para licitação, financiamento de P&D, financiamento de exportações, tratamento fiscal diferenciado, entre outros, devem ser objeto de documentos normativos específicos para a BID.
Alguns desses assuntos estão sendo objeto de propostas de legislação.
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