Perigo de gol
O GLOBO - 27/09/09
Por exemplo: Cuba. Há anos a esquerda brasileira é obrigada a preservar sua admiração pela pequena ilha que se transformou de bordel dos Estados Unidos numa imperfeita mas válida experiência de equalização social, com ênfase em educação e saúde públicas (e de independência, nas barbas dos seus antigos donos) de fatos inegáveis da ilha como a repressão à dissidência, a falta de pluralismo político e o culto à personalidade de um infindável Fidel. E fica fazendo repetidas variações em torno da velha máxima de que fins nobres justificam meios sujos. De cima do muro pode-se admirar o admirável e lamentar o lamentável sem ter que recorrer a máximas. Em cima do muro não há julgamentos absolutos.
A direita brasileira está num dilema parecido em relação a Honduras. Não pode, sem o risco de ser chamada de hipócrita, dizer que o golpe não foi golpe, foi apenas um soluço nas formalidades democráticas. Mas o desrespeito às formalidades democráticas condena qualquer regime, para a direita. Pelo menos da sua boca para fora. Teria sido uma ação preventiva em defesa da democracia ameaçada? Quando um juiz de futebol apita uma falta que ninguém viu dentro da área, diz-se que apitou “perigo de gol”, para evitar problemas. Em Honduras inauguraram uma nova expressão para o léxico político das Américas: perigo de venezuelização. Zelaya estaria se preparando para ser o Chávez de Honduras e as instituições se autogolpearam para impedi-lo. Uma espécie de suicídio profiláctico. Contra uma assombração também vale qualquer meio. E, depois das políticas de segurança nacional dos tempos da Guerra Fria, o conservadorismo latino-americano encontra um novo pretexto para se mobilizar.
Subamos todos no muro. Em cima do muro não é preciso muita ginástica intelectual para explicar tantas contradições – mesmo porque não há muito espaço. E, olha: até o clima é melhor.
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