Revolução educacional para a América Latina
FOLHA DE SÃO PAULO - 06/09/09
A recomendação é simples: ações que assegurem que as crianças estejam prontas para aprender antes de iniciar o ensino fundamental
OS ESTUDANTES da América Latina e do Caribe podem alcançar seus colegas de países desenvolvidos? As notícias mais recentes não são animadoras. Embora o acesso à educação pública na região tenha se expandido, testes de avaliação de estudantes mostram que sua qualidade permanece no extremo inferior da escala internacional.
Um em cada três alunos de terceiro ano não compreende orações iniciadas por "era uma vez" e quase metade dos alunos de sexto ano não consegue resolver um problema matemático que envolva frações.
Até pouco tempo atrás, os esforços para melhorar o desempenho educacional na região centraram-se quase exclusivamente na educação para crianças a partir de seis anos de idade. Mas as evidências há muito sugeriram que isso pode ser tarde demais. Um mundo de aprendizagem ocorre antes que a criança vá para a escola.
Para eliminar a defasagem, governos -e sociedades em geral- precisam assegurar que todas as crianças recebam estímulos, educação, atendimento de saúde e nutrição adequados antes do primeiro ano escolar. Pesquisas mostram que o período entre zero e seis anos é crítico -80% do desenvolvimento cerebral ocorre até os três anos de idade. Sem estímulos e nutrientes adequados durante esse período crucial, a criança pode enfrentar atrasos de aprendizagem ao longo dos anos escolares.
Essas descobertas têm implicações enormes para a América Latina e o Caribe, onde estima-se que 46 milhões de crianças com menos de seis anos -a maioria de famílias de baixa renda- não estão matriculadas em programas de estimulação precoce.
Crianças pobres que frequentam bons programas de desenvolvimento pré-escolar têm probabilidade 40% menor de precisar de reforços educacionais ou de ter notas baixas em comparação com as que não frequentam esses programas. Além disso, essas mesmas crianças têm probabilidade 30% maior de completar o ensino médio e duas vezes mais chances de ingressar em uma universidade. A educação infantil pré-escolar é também investimento extremamente atraente sob a ótica econômica.
Dados de um programa de pré-escola norte-americano chamado High/ Scope Perry sugeriram que cada dólar investido produziu retornos reais de cerca de US$ 17 em benefícios para a sociedade. Os retornos vêm para a criança, que, quando adulta, ganha salários melhores, e para a sociedade em geral, que se beneficia com reduções da dependência de ajuda estatal e das taxas de criminalidade, bem como da necessidade de oferecer aulas especiais de reforço escolar. A economia associada apenas à prevenção da criminalidade foi equivalente a 11 vezes o custo do programa.
Hoje, muitos governos da América Latina e do Caribe estão começando a enfatizar a educação pré-escolar. Vários países vêm preparando planos nacionais para a pré-escola e ampliando iniciativas promissoras, muitas das quais surgiram de programas municipais ou de organizações não governamentais.
Considere-se o exemplo de Trinidad e Tobago. Como parte de uma estratégia de longo prazo que recebeu o nome de Vision 2020, Trinidad investiu parte significativa de suas receitas com petróleo e gás em um plano educacional amplo voltado para famílias de baixa renda que começa com acesso expandido a pré-escolas de boa qualidade e inclui a criação de parcerias público-privadas.
O Banco Interamericano de Desenvolvimento está ajudando a financiar o programa de Trinidad e Tobago, além de iniciativas semelhantes nas Bahamas, no Paraguai e no Peru. Em vista do que sabemos sobre os benefícios e as vantagens desses programas, nossa recomendação é simples: todos os países da região devem investir em uma ampla variedade de ações que assegurem que as crianças estejam prontas para aprender antes de iniciar o ensino fundamental.
De acordo com nossas estimativas, os países da região precisariam gastar coletivamente cerca de US$ 14 bilhões por ano para reduzir a defasagem educacional das crianças pobres. Isso pode parecer muito nestes tempos de dificuldades econômicas. Mas se leve em conta que, no último ano, a região gastou mais de três vezes esse valor com suas forças armadas e em subsídios para reduzir o preço da gasolina e do óleo diesel.
Embora defesa e transporte tenham seu lugar nos orçamentos públicos, dar a 46 milhões de crianças as oportunidades que elas merecem será um grande passo para resolver a longa batalha da América Latina contra a desigualdade. Quanto isso vale?
LUIS ALBERTO MORENO é presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento. Foi embaixador da Colômbia nos Estados Unidos e ministro do Desenvolvimento.
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