A vida de José Sarney é um livro aberto, que poderia dar um ótimo romance nas mãos de um escritor competente. A fabulosa trajetória de Ribamar, o cordial, que nasceu nos cafundós do Brasil, tinha pretensões literárias, e entra para a política, fica rico e poderoso apoiando a ditadura militar e, por um golpe de sorte quase inverossímil, se torna presidente da República e membro da Academia Brasileira de Letras. Mas a história termina mal, quando o patriarca, tentando salvar o filho das garras da Polícia Federal, volta pela terceira vez à presidência do Senado e se desmoraliza como pivô de uma crise sangrenta e devastadora, quando o seu caráter e seus malfeitos são revelados e o tornam símbolo do político patrimonialista e atrasado que o país não aceita mais.
Um político que serve à ditadura militar durante 20 anos, que preside o partido que a apoiou no Congresso, que finge ignorar as prisões, torturas e assassinatos cometidos pelo governo que sustentava por livre vontade e puro oportunismo, e mesmo assim se diz um paladino da democracia e se orgulha de sua biografia. E tenta reescrever a sua história apostando na retórica e na desmemória do povo, e na sua habilidade e falta de escrúpulos para construir alianças políticas. E quase chega a convencer, com sua imagem de vovozinho amoroso e de homem educado, cordial e tolerante. Parece García Márquez.
Bem escrita, poderia ser uma ótima história.
Como ficção, não biografia.
Ribamar, o personagem, não mente, faz ficção na política, na administração e nas suas relações com o patrimônio público. E as suas ficções são inverossímeis e sentimentais, cheias de chavões e pieguices, sua biografia imaginária não convence nem diverte e nem emociona, como um livro ruim. Vida e obra se misturam e se completam.
Em seus delírios ficcionais, ele ainda imagina um happy end. Mas nenhum editor aceitaria um final assim, porque o leitor não acreditaria, ninguém publicaria. Só a gráfica do Senado.
Mesmo assim ele vai à luta, em defesa do clã, e tem um final melancólico, abandonado pelos aliados que considerava mais fiéis: Lula, Collor e Renan.
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