sexta-feira, agosto 14, 2009

EDGAR FLEXA RIBEIRO

Pais e cúmplices


O Globo - 14/08/2009

A Federação Nacional das Escolas Particulares (Fenep) enviou uma nota aos sindicatos associados, que representam a maior parte das escolas particulares do país — nota, aliás, muito bem concebida —, acerca do episódio de uma novela em que um jovem, muito mal-educado em casa e que conta com a cumplicidade dos pais em seus malfeitos, agride a professora em sala de aula.


Para os leitores que não saibam da história — admitindo que possa haver algum —, eis o desfecho do episódio: o pai cúmplice do filho reclama, a direção da escola se curva, o aluno não é punido e a professora tem que aguentar o agressor impune em sala de aula.

A autora da novela, a festejada Glória Perez, revelou, em entrevista recente, que tem conversado com professores e atesta um clima geral de desânimo na profissão pelo desrespeito com que são tratados em sala de aula por seus alunos, que não reconhecem limites: falam ao celular, conversam, ouvem músicas e não prestam atenção ao que diz o professor.

Isso, segundo ela, quando não são fisicamente agredidos! E essa triste realidade é mostrada na novela, diz ainda a autora, “em contraponto com a maneira respeitosa e reverente com que outros povos olham o mestre”.

Talvez por falta de indianos como os da novela, e de coreanos como os das estatísticas, respeito — tanto quanto matemática — precisa ser ensinado.

Quem, entre nós, hoje em dia, está ensinando que professor é para ser respeitado? Quem mostra a quem nunca teve professor quanto vale ter um? No Japão, por exemplo, os mestres sempre foram reverenciados. Conta-se que o professor era o único profissional que poderia permanecer de pé ao falar com o imperador, sem precisar cumprir o ritual de se ajoelhar perante sua autoridade. Numa sociedade hierarquizada como a japonesa, foi o maior sinal do respeito com que o imperador demonstrou ao seu povo como se deveria tratar o professor.

Respeito é um valor social que as lideranças têm o dever de transmitir: como respeitar a bandeira nacional, saber cantar o hino da pátria, servir ao país, e assim por diante. Dirigentes de um país que veem no futuro uma promessa fazem o magistério ser respeitado — nem que seja no interesse deles, dirigentes.

Os que não fazem isso se descomprometem com o futuro do país que governam, traem a sua missão ou têm projetos inconfessáveis.

O nosso magistério não é tudo o que queríamos, podem pensar eles.

Pouco importa, é o magistério que temos.

Nossos filhos e netos precisam dos professores que temos hoje, e dos seus sucessores que estão sendo formados agora. E precisam saber que todos eles devem ser respeitados para ter êxito em sua tarefa. Para isso, a função social do magistério precisa ser dignificada, para que em cada geração muitos se interessem e se realizem nessa atividade.

Respeitado aqui não quer dizer apenas ser “bem pago”. Salário, por mais alto que seja, não traz respeito — mas respeito valoriza o salário. A luta que se reconhece no dia a dia das escolas não é só pelo salário do magistério, é por respeito à função social do professor. E esse respeito vem do que se vê na atitude de figuras públicas em relação ao magistério. Nessa hora, na falta de outros exemplos, é mais que bem-vinda uma novela que levante o tema: pela ótica da ausência do respeito, pode ser que alguém se toque! Toda autoridade pública, aclamada ou não nas pesquisas de opinião, tem hoje responsabilidade direta em demonstrar respeito ao magistério. Presidente, governadores, prefeitos, ministros e secretários, deputados e senadores, sindicatos, artistas, jogadores de futebol podem ajudar mostrando que professor é para ser honrado e agraciado com formas de reconhecimento público, medalhas e honrarias. Tudo serve, e nada é demais.

Não há nada de novo nisso. Assim se fez durante muito tempo, quando poucos tinham acesso à escola e o professor era respeitado. Agora, universalizado o acesso à escola, parece que quem tinha exclusividade no acesso à educação prefere desmoralizá-la, já que está disponível a um maior número de pessoas.

E, para isso, desmoralizam também o magistério, dizendo que é ruim e não ensina nada, como é corrente ouvir hoje em dia por parte de autoridades e organizações que têm o dever de zelar pela educação e pelo magistério.

Se queremos educação de boa qualidade, comecemos por respeitar o que temos hoje. Ninguém melhora o que não respeita, ninguém se esforça para melhorar o que não considera, ninguém trabalha em favor do que acha não merecer. Temos muito a melhorar em matéria de ensino, de formação do magistério, de gestão de redes públicas de escolas, de utilização racional de recursos públicos e privados na área da educação. E reconhecer o que já foi feito, por mais insuficiente que pareça aos que se veem mais do que são, é fundamental.

A novela toca no eixo da questão: sem respeito em sala de aula, ninguém ensina, e ninguém aprende nada.

Sem respaldo público e generalizado, aprender e ensinar não ganham o respeito público de quem não sabe o que é uma coisa e outra — ou não se interessa pelo êxito de ambas.

O fato é que nada nunca melhorou só porque se falou mal do que se faz, a pretexto de que se quer fazer melhor.

EDGAR FLEXA RIBEIRO é educador.

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