COMENTÁRIO
RICARDO NOBLAT
De que tipo de material é feito um político como Aloizio Mercadante - e tantos outros semelhantes a ele?
Nenhum dos seus colegas, ninguém do governo, representante algum do que o PT gosta de chamar de "mídia golpista" sugeriu sua renúncia ao cargo de líder do PT depois de o PT ter ajudado a manter José Sarney (PMDB-AP) na presidência do Senado.
Mercadante havia se exposto durante semanas cobrando o afastamento de Sarney. De princípio, teve o respaldo de sete dos seus 11 colegas. Bastou uma prensa dada por Lula para que parte dos sete amarelasse e desse o dito pelo não dito.
Candidato à reeleição para o Senado, Mercadante viu que ficaria mal com seus eleitores se mesmo assim se prestasse a fingir que lidera quem de fato só obedece às ordens de Lula.
Consultou amigos, parentes e assessores e ontem, por meio do seu twitter, declarou que renunciava ao cargo de líder de maneira "irrevogável". Explicaria seu gesto à Nação em discurso que faria à tarde.
O ministro José Múcio Monteiro, das Relações Institucionais, telefonou para Mercadante e lhe pediu que só formalizasse a renúncia depois de conversar com Lula.
No início da noite, a maioria dos sites de notícias dava conta do grau de disposição de Lula para tentar manter Mercadante no cargo. Grau zero.
O chefe estava furioso com Mercadante. Não via necessidade de conversar com ele. Decidira não lhe fazer apelo algum. E já escolhera o seu sucessor - o fiel João Pedro, senador sem votos pelo Amazonas, amigo de longa data de Lula e companheiro de animados banhos em igarapés.
Mesmo assim Mercadante foi ao encontro de Lula. Só foi recebido depois de uma hora de chá de cadeira. Saiu de lá com a desculpa que queria para renunciar à renúncia: uma carta onde Lula pede para que ele fique.
A carta deu o mote para que Mercadante, hoje, proclamasse, solene, em discurso no Senado:
- Mais uma vez na minha vida, o presidente Lula me deixa numa situação que não tenho como dizer não.
Que situação foi essa?
Lula reconheceu que errou ao pressionar a bancada do PT para votar afavor de Sarney?
É claro que não.
Lula garantiu que daqui para frente a bancada do PT terá autonomia para decidir sozinha como votar determinadas questões?
Também não.
Lula pelo menos admitiu que a bancada do PT no Senado, em casos excepcionais, poderá contrariar sua vontade?
Novamente não.
Então Mercadante ficou no cargo por quê?
Porque faltou-lhe coragem para seguir fingindo que era um político de posições firmes, para o qual há sempre um limite que não pode ser ultrapassado sob pena de se desmoralizar de vez. De ficar parecido com a maioria dos seus pares do PT que se acocorou.
Lula preservou o bigode de Sarney e tirou o de Mercadante.
Para o avanço da transparência entre nós foi melhor assim.
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