Truque conhecido
O GLOBO - 23/08/09
A reação a um novo presidente, negro, eleito para mudar, com uma plataforma progressista e cuja vitória deixou o partido adversário destroçado, era previsível. Com os republicanos sem força e sem líderes, os lunáticos assumiram. Hoje se diz que o líder de fato da oposição é Rush Limbaugh, cujo programa de rádio em cadeia tem um público estimado de 15 milhões de pessoas, todos, supõe-se, reacionários furiosos como ele. Foi Limbaugh que lançou o epíteto de Hitler bolchevique.
Se a reação a Obama era esperada mesmo que ele não cumprisse metade do que prometia como candidato e seu programa progressista não fosse tão progressista assim – como não está sendo –, a virulência inédita da oposição e os apuros do Baraca têm uma causa específica. Ele propôs uma reforma do sistema de seguro de saúde do país, no que seria sua primeira grande legislação social – e a coisa mais “progressista” do seu governo até agora. Pra quê.
Os Estados Unidos são o único dos países industrializados que não têm um sistema universal de assistência médica garantida. Bill Clinton tentou corrigir isso, mas não aguentou a reação dos mesmos lóbis que agora alimentam a rejeição a Obama e atiçam os lunáticos, chamando a reforma de um primeiro passo para o socialismo. Obama empunhou a bandeira largada por Clinton, mas parece não estar sabendo carregá-la. Seu plano é confuso, sua atuação em sua defesa é hesitante – e as feras não largam do seu pé.
Especula-se que os lóbis (grandes seguradoras, indústria farmacêutica, empresas hospitalares e de previdência privada) vencerão de novo, ou que Obama só conseguirá uma reforma aguada. Os debates públicos sobre a questão têm sido violentos. Lendo e ouvindo o que dizem por lá não se pode deixar de admirar a maneira como interesses particulares conseguem transformar ameaças ao seu poder – no caso americano, o direito elementar de todos a assistência assegurada – em ameaça ideológica e guerra pela alma de uma nação, passando pela demonização de um governo. Um truque que conhecemos bem.
Nenhum comentário:
Postar um comentário