Quem quiser explodir o Planalto sem deixar rastros só precisa colocar a bomba com 32 dias de antecedência
O ônus da prova cabe ao acusador, cobrou o ministro Franklin Martins já na primeira linha da reportagem que noticiou o embaraçoso encontro entre Lina Vieira e Dilma Rousseff no fim do ano passado. A rigor, a ex-secretária da Receita Federal não fez nenhuma acusação explícita à chefe da Casa Civil. Mas o desmentido e os desdobramentos do caso transformaram em ré a candidata à Presidência.
Ao reforçar a suspeita de que por trás da mãe do PAC há uma serial killer da verdade, Lina tornou-se, na prática, uma acusadora. Cadê as provas?, quis saber o chefe da Secretaria de Comunicação de Governo. Estão no Palácio do Planalto, respondeu a interrogada no Senado. Ela entrou pela garagem, a placa do carro foi anotada, passou pelo detector de metais, deixou o nome na portaria, subiu pelo elevador, esperou na sala ao lado de duas pessoas, caminhou pelo andar. “É só requisitar as filmagens”, sugeriu. “Não sou fantasma”.
Acabou de saber que é, sim — ao menos para o Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República (GSI, para os íntimos). Quem circula pela sede do governo federal vira fantasma um mês depois da visita, informou a espantosa nota oficial. Um mês depois de divulgada a última da Dilma, os supersherloques explicaram que “o período médio de armazenamento das imagens das câmeras de segurança do Planalto é de 30 dias”. Ou porque é assim mesmo, ou porque acaba de consumar-se outra criminosa queima de arquivo, o fato é que as imagens do entra-e-sai de novembro e dezembro não existem mais.
E os registros na garagem? Esses nunca existiram. Como o serviço de segurança à brasileira acredita na palavra, tanto as placas dos carros oficiais quanto a identidade de quem zanza por ali não são arquivadas em papéis ou computadores. O porteiro limita-se a perguntar ao motorista se há uma autoridade a bordo. O governo não tem como saber, portanto, se Lina Vieira esteve ou não esteve lá. Nem ela nem ninguém. Quem quiser explodir o prédio sem deixar rastros só precisa colocar a bomba com 32 dias de antecedência.
A descoberta de que o sistema de proteção instalado no coração do poder é uma piada coincidiu com a volta à cena de Franklin Martins. Avesso a entrevistas, apareceu sem convite para comunicar à nação o que pensa do caso. “A Lina está mentindo”, acusou. E a prova? “Por que não diz em que dia foi esse encontro? Qual a hora?”, repetiu a cantilena. Mas tinha uma novidade: ao ouvir dizer que Lina deixara escapar que o encontro ocorreu em 19 de dezembro, promovera investigações que haviam desmontado a fantasia.
“Nesse dia, a ministra estava numa reunião no Conselho de Administração da Petrobras. À tarde, pegou um avião e foi para Natal gozar uns dias de férias”, afirmou. (Vai gozar mais alguns dias agora, fez que não sabe. O padrinho quer a afilhada longe do cenário do pecado). A versão de Franklin não se ampara em filmagens (apagadas pelo governo), nem em registros na garagem (dispensados pelo governo), nem sequer na agenda de Dilma, parcialmente amputada por falhas técnicas bem no dia 19.
Bastou-lhe a palavra da ministra que mente como quem respira para reiterar a acusação: “A Lina está mentindo. Não sei a serviço de quem”. Se não provar o que diz, estará provado que Franklin mentiu. A serviço do governo, como compete a quem, seja qual for a inscrição na plaqueta pendurada na porta da sala, exerce as funções de assessor de imprensa de Lula. O dono do emprego deve cuidar da imagem do chefe e dos que o rodeiam. Não está lá para informar, mas para administrar notícias.
“O que é ruim a gente esconde, o que é bom a gente fatura”, resumiu em 1994 o ministro Rubens Ricupero, sem saber que o aquecimento para a entrevista à TV Globo, captado por satélite, estava no ar. Os governos brasileiros, com maior ou menor intensidade, costumam adotar a fórmula. Mas há um abismo entre todos os outros e o atual.
Nenhum nem de longe faturou notícias favoráveis com mais frequência, barulho e exageros que o governo Lula. Nenhum escondeu com tamanha desfaçatez o que não lhe convém. Nenhum acobertou delinquências companheiras com tanto descaramento e tanto cinismo.
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