Só poderia ser em Taubaté. Foi ali, a 140 quilômetros da capital paulista, que um metalúrgico corintiano virou celebridade anônima. A sorte o procurava desde março, quando a Mega-Sena premiou, com R$ 5,2 milhões, seu bilhete de R$ 1,75. Tinham sido sorteados os números em que apostava toda a vida. Mas ele não sabia. O canhoto do bilhete não estava, como de costume, debaixo da imagem de Nossa Senhora Aparecida. Horas antes de encerrar-se o prazo de 90 dias para retirar a bolada, na terça-feira, apareceu.
“Quase tive uma parada cardíaca”, disse. Na véspera, ele vira na televisão que a Caixa Econômica Federal estava em busca de um apostador de Taubaté. Era o concurso 1.055 da Mega-Sena, com dois premiados. Um já tinha retirado seus milhões. Onde andava o outro? Às 16 horas do dia seguinte, a fortuna menosprezada seria destinada ao Fies, fundo de financiamento de ensino superior do governo federal. Ele, que nunca colocara os pés numa universidade, acreditava tenazmente na sorte, nos santos e no Brasil. Já sabia que metalúrgicos corintianos podem chegar a presidente do país.
Ao ver os seis números do bilhete premiado, levou um susto. Checou na internet a notícia da televisão. Eram os mesmos números de 20 anos de apostas vãs. “Saí desesperado à procura do bilhete. Minha mulher tinha feito faxina e colocado o bilhete num copo de chope na estante.” A mulher do metalúrgico de Taubaté deve ter aprendido que não se mexe com a fé. O bilhete não poderia ter saído dos pés da imagem da santa para ir parar em algo tão mundano quanto um copo decorativo de chope. Mesmo que a cerveja também fosse sagrada para o marido nos fins de semana.
O apostador conta que passou a noite em claro quando viu que ficara milionário. E ficou mais nervoso ainda ao perceber que, por uma questão de horas, poderia ter ficado pobre novamente. “Não conseguimos dormir e só sossegamos quando a agência da Caixa abriu. Essa mania de mulher de fazer faxina e tirar as coisas do devido lugar... A sorte é que a minha guardou o bilhete.”
Só poderia ser em Taubaté, cidade paulista do Vale do Paraíba. Não por ser o endereço do Sítio do Pica-Pau Amarelo e do escritor de histórias fantásticas Monteiro Lobato. Mas porque ali nasceu e morreu uma sábia anônima, personalidade do povo, cultuada até em Brasília.
A velhinha de Taubaté, personagem imaginária criada pelo escritor Luis Fernando Verissimo durante o governo do general João Baptista Figueiredo, viveu 90 anos, de 1915 a 2005. Morava com um gato numa casa de madeira. A velhinha, dizia Verissimo, “é a última pessoa no Brasil que acredita”. “Ela acredita em anúncio, acredita em nota de esclarecimento, acredita até nos ministros da área econômica.” Acreditava. Não resistiu aos escândalos. No dia 25 de agosto de 2005, em plena crise do mensalão, ela teria morrido em frente à TV, decepcionada com a política brasileira, e especialmente com seu ídolo, Antônio Palocci.
“Ela morreu na frente da televisão, talvez com o choque de alguma notícia. Mas a polícia mandou os restos do chá que a velhinha estava tomando com bolinhos de polvilho para exame de laboratório. Pode ter sido suicídio”, escreveu Verissimo. Segundo ele, a importância da velhinha era medida pelo beija-mão de poderosos. Sarney, na Presidência, telefonava frequentemente para Taubaté, para saber se a velhinha, pelo menos, ainda acreditava nele. Collor foi visitá-la mais de uma vez para pedir que ela não o deixasse só.
É prudente que o metalúrgico não ceda a impulsos de posar com Lula em Brasília e conversar sobre destino e futebol. Perderia a paz. Mesmo sem divulgar o nome, a velhinha de Taubaté teria virado atração turística – perto de casa surgiriam estandes de tiro ao alvo, uma roda-gigante, tendas para vender caldo de cana e pamonha e até ônibus de excursão.
O apostador e a mulher acreditam que vão viver muito. Investiram R$ 3 milhões em previdência privada. Ele sempre acreditou na sorte, no Lula, no Ronaldo e no Corinthians. Mas vai contratar outra faxineira.
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