Várias receitas para uma estratégia
Rodrigo de Almeida
JORNAL DO BRASIL - 15/06/09
O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, o Ipea, acaba de lançar um livro relevante para oxigenar a discussão sobre o desenvolvimento brasileiro. Esqueça a ideia de uma obra de uma nota só, com pregadores instalados em apenas um lado do debate. Sociedade e economia: estratégias de crescimento e desenvolvimento, organizado por João Sicsú e Armando Castelar, reúne artigos de 32 cabeças pensantes sobre o assunto, dispostos a enfrentar a variedade de abordagem, diagnóstico e proposição de futuro para o país. Melhor assim. Nada é mais falso e contraproducente do que a noção de uma estratégia geral e consensual, segundo a qual o pensamento oposto é egresso de "neobobos" ou de viúvos do atraso.
A própria dupla de organizadores é uma evidência dessa variação sobre um mesmo tema. Siscú, professor licenciado da Universidade Federal do Rio de Janeiro e um dos diretores do Ipea, propõe uma estratégia para o país, "um projeto de Estado", contraposto ao chamado Consenso de Washington – o conjunto de recomendações que envolviam disciplina fiscal, privatizações e desregulamentações, que por quase duas décadas serviu de base para as reformas orientadas para o mercado. Siscú defende um Estado do bem-estar, fruto "de políticas de Estado e não de caminhos espontâneos nascidos do mercado".
Castelar, também professor da UFRJ, analista da Gávea Investimentos e pesquisador licenciado do Ipea, afirma, ao contrário, que o Brasil precisa levar adiante as reformas recomendadas por Washington. "O Brasil parou a meio caminho na implementação das reformas do Consenso", escreve Castelar, "e precisa avançar com várias delas, como a do fortalecimento dos direitos de propriedade e da melhoria nos serviços de saúde e educação básica". Entende ainda que os novos tempos requerem do país "pensar individualmente no seu próprio modelo de desenvolvimento".
Eis o desafio: encontrar um caminho estratégico próprio. Até críticos do mainstream, como Dani Rodrik e Joseph Stiglitz, há algum tempo marcaram posição de questionamento à ortodoxia das prescrições de organismos multilaterais, como o Banco Mundial e o FMI – que, como lembra a professora Eli Diniz em um dos artigos do livro, chegaram a asfixiar, ao invés de estimular o desenvolvimento. O pêndulo, no entanto, parece ter mudado. Com alguns princípios universais respeitados, algo que o Brasil vem seguindo, é possível seguir trajetórias particulares, adaptadas à realidade e ao momento de cada país. (É de Dani Rodrik um livro interessante, One economics, many recipes, no qual mostra por que políticas econômicas podem ser variadas, ainda que a teoria econômica tenha chegado a um acordo sobre determinado problema).
Situado esse, digamos, consenso mínimo, autores presentes no livro editado pelo Ipea – como João Paulo dos Reis Velloso, Mailson da Nóbrega, Roberto Fendt, Samuel Pessoa, Fernando Cardim, Antonio Delfim Netto, Cláudio Haddad e Raphael de Almeida Magalhães, para citar alguns dos mais conhecidos – trafegam em suas vias de interesse para demarcar o que deve ser uma estratégia adequada ao país. Um dos eixos que os unem e os separam é, como de hábito, a interpretação sobre o papel do Estado no processo de desenvolvimento. Nesse campo, sabemos, há uma margem enorme para dissensos. O ar de déjà vu neste debate é inevitável. Mas necessário. (Ou, como escreve o professor da FGV Samuel Pessoa, trata-se de "um debate quase sem fim, e de difícil solução puramente empírica").
O Brasil teve pelo menos três grandes chances de tornar-se uma nação de primeira grandeza. A primeira foi no século 19, com as transformações econômicas que livraram o país do regime escravista. A segunda, no fim dos anos 60, quando assistíamos ao "milagre econômico" da ditadura militar. A terceira, com o Plano Real, levou pelo menos 10 anos para se consumar, porque, embora tenha instaurado uma fase duradoura de inflação controlada, deu continuidade à semiestagnação da renda do brasileiro iniciada ainda na década de 80. Nos últimos anos, porém, mesmo aos poucos, o país pareceu finalmente acordar.
No debate teórico e prático, esse novo despertar permitiu reemergir um campo que havia se encolhido com a ascensão das cabeças inspiradoras das políticas econômicas dominantes nos anos 90 (aquelas que ganharam o carimbo genérico de neoliberais). A contracorrente, de múltiplas nuances, reapareceu com vigor: heterodoxos variados, muitos dos quais intitulados "novos desenvolvimentistas". As cartas estão dadas e, noves fora o mar infindável de divergências, há uma certeza generalizada sobre o momento de virada em que o país se encontra. Com um debate maduro, para o qual o livro do Ipea contribui, convém aproveitá-lo.
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