O Estado não deve ter nenhum papel nas decisões individuais tomadas sem ferir a lei
Numa discussão pública qualquer sobre política e economia, se você vir alguém saindo de fininho, cabisbaixo, não tenha dúvida: trata-se de um liberal. A patrulha ideológica voltou forte como nunca. Durante o governo FHC, os autoproclamados de esquerda reclamavam da “interdição do debate” por um “pensamento único”, representado pelo Consenso de Washington. Hoje, com mais de seis anos de lulismo e uma grave crise econômica ainda inacabada, a equação se inverteu. Todo mundo se pretende intervencionista, keynesiano... Mais um pouco, cria-se um Comando de Caça aos Liberais (CCL).
Na coluna da segunda-feira passada, tratei do que considero ser o devido papel do Estado. Em resposta, recebi um recorde de 12 e-mails. Além de ficar feliz por ter mais de uma dezena de leitores, algo muito estranho me chamou a atenção. Primeiro, o placar: 10 mensagens a favor do Estado social-liberal e duas contra. Esperava mais críticas que elogios. Bem, petistas, socialistas e assemelhados estão muito ocupados loteando o espaço na burocracia federal e estatais, em especial Petrobras e Banco do Brasil, para ler jornal.
O que mais causou estranheza, porém, foi o temor de quem escreveu apoiando. Os liberais estão acuados. Um leitor, servidor público federal, afirmou que “precisamos parar de apontar culpados (muitas vezes inventados, como os imperialistas americanos) e começar a trabalhar em busca do Brasil que a gente quer”. Nos termos escritos aqui, defendeu que as pessoas deixem de ver o Estado como solução de todos os problemas e lamentou: “Todas as vezes em que ponho essas ideias em rodas de conversa, mesmo entre amigos, sou praticamente apedrejado. Nunca há debate, somente agressão”.
Liberal, não direitista Os outros nove apoiadores da coluna escreveram, em algum momento, algo parecido. Fiquei intrigado e perguntei à economista Patrícia Carlos de Andrade, presidente do excelente Instituto Millenium, por que esse fenômeno está ocorrendo. Segundo ela, o termo “liberal” é traduzido erroneamente no Brasil como “direitista” ou “apoiador de ditaduras militares”. Na guerra pela opinião pública, a dita esquerda sempre levou a melhor, diz. Passo-lhe a palavra.
“Os liberais estão, sim, acuados. Eles nem gostam de ser chamados de liberais, pois quando você diz ser liberal, as pessoas entendem isso não pelos valores e princípios que você defende e sim pela suposta negação daquelas bandeiras politicamente corretas que a esquerda abraçou e impõe à sociedade em nome da proteção de direitos, principalmente dos mais necessitados. Os valores que os ditos liberais defendem são os que tornam moderna e avançada qualquer sociedade. Com base nesses princípios e valores, qualquer sociedade se torna capaz de levar bem-estar para a maioria da sua população”, assegura.
Patrícia constata que até mesmo nas sociedades baseadas no modelo do bem-estar social, em que o Estado e não o indivíduo tem um papel central, esses valores estão presentes: direito de propriedade, liberdades individuais, livre-iniciativa, meritocracia, transparência, eficiência, democracia representativa e igualdade perante a lei. Ela ensina: “Ao Estado, nas esferas limitadas pelas instituições constituídas sob o estado de direito, ou sob o império da lei, atribui-se a responsabilidade de servir a cada um e a todos no provimento, principalmente, de segurança, justiça, igualdade de oportunidade através de saúde e educação básicas e qualidade ambiental. E ponto”.
Politicamente incorreto A economista continua, afirmando que o Estado não deve ter nenhum papel nas decisões individuais tomadas sem ferir a lei. “Não tem que dizer onde fumo ou deixo de fumar, que remédio eu devo tomar, que transporte eu devo escolher, que carro eu devo comprar, o que meu filho deve estudar. O Estado não tem que ter empresas, sejam elas bancos, petrolíferas, redes de televisão, rádios. Não tem que salvar empresas, não tem que escolher qual empresa deve prevalecer, que telefônica deve comprar qual telefônica”, afirma. Quanto mais o Estado cresce e se intromete em assuntos privados, mais ele tira a liberdade do cidadão de fazer suas próprias escolhas.
Pergunto a Patrícia se o liberalismo está fora de moda. “É politicamente incorreto ser liberal, pois o liberal quer justamente ficar livre da tirania do politicamente correto, que justifica cada vez mais a redução das liberdades”, diz. Hoje, no Brasil, defender a meritocracia e ser contrário a cotas em universidades, por exemplo, rende o rótulo de “racista” que quer manter as “classes oprimidas” no andar de baixo da sociedade. Quem defende a propriedade privada, contrariamente às invasões dos sem-terra, passa a ser identificado como “protetor de latifundiários”.
“Há um preço a ser pago por defender a liberdade, pois o liberal perdeu a batalha da comunicação e é visto como um ser mau, insensível ao sofrimento humano, defensor do empresário ganancioso”, diz. “E há, principalmente, o preço da responsabilidade. É muito mais difícil ser adulto do que ser criança tutelada por uma entidade abstrata e distante. Um paizão que, supostamente, cuida de você nos momentos de dificuldade e toma várias decisões por você. O cidadão de uma sociedade livre tem que ser muito mais consciente de seus direitos (e não só dos deveres que o Estado imenso exige) e cuidar deles. Isso dá trabalho”. Eu não poderia concordar mais. |
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