Como será nosso brasil em 2020? Esta edição de ÉPOCA olha para o futuro. Desafios e oportunidades. Poderíamos fazer centenas de pedidos a quem tem poder para melhorar o país nos próximos 11 anos. Adianto dois: acabem com a impunidade e a guerra civil. Há 48 mil homicídios por ano em nosso país de “índole pacífica”. São 131 mortos por dia. Um deles é Gabriela Araújo, de 8 anos, morta em casa com um tiro na cabeça, na quarta-feira, por um assaltante menor de idade, num condomínio de luxo no Estado mais próspero do Brasil, São Paulo. No ano de 2020, Gabriela faria 19 anos.
Deve ser bom ser jornalista no Brasil. Há sempre alguma denúncia, muitos escândalos e crimes. Esse foi o comentário irônico de um amigo que mora em Paris. Respondi: não, não é bom. Dá uma tremenda impotência perceber que escândalos e crimes caem no vazio e se perdem na rotina da mídia e na memória nacional. Quem sabe Nossa Antena, em 2020, possa ser uma coluna leve, que recomende livros, filmes e exposições. Se o Brasil apostar no desarmamento da sociedade, se não deixar assassinos e corruptos à solta, se a competência e a honestidade vencerem o corporativismo, se castelos virarem iglus, aí a colunista de ÉPOCA terá o prazer de elogiar nossos Três Poderes. E não se indignar com a sucessão de pequenezes impunes que envergonham os cidadãos.
Os órgãos da menina Gabriela serão doados. O crime absurdo e gratuito, diante de sua irmã gêmea e da babá, chocou Rio Claro, a 173 quilômetros da capital paulista. O rapaz que mirou na cabeça de Gabriela tem 17 anos e foi reconhecido pela babá em fotografias. Ele e seu cúmplice entraram na casa armados de pistolas, depois de pular o muro dos fundos do condomínio, com cerca elétrica. A cerca teria falhado e as câmeras não teriam funcionado – o que é suspeito. O alarme da casa disparou, os assaltantes mandaram a babá desligar. Ela disse que não sabia. O de 17 anos teria então atirado intencionalmente nas duas meninas, acertando Gabriela. Os assaltantes fugiram com joias, aparelhos e bijuterias. O assassino já tinha sido detido em janeiro, com armas e capuzes, e liberado. Vinte dias depois, voltou a ser detido por porte de entorpecentes, foi encaminhado à Vara da Infância e Juventude. E novamente liberado. Não dá mais para considerar “crianças inimputáveis” os delinquentes de 16 e 17 anos. Se podem votar, podem ser presos como adultos. Basta? Claro que não. Mas é uma distorção a corrigir.
“A gente rezou lá para ela em volta de uma árvore, e eu peguei um tercinho”, disse uma amiga de Gabriela, Vitória Lucci, antes de divulgarem a morte cerebral da menina.
A população não pode ficar condenada a rezar. A família de Gilmar Rafael Yared, de 26 anos, morto na colisão em Curitiba com o carro do deputado Fernando Ribas Carli Filho – que dirigia embriagado, a 190 quilômetros por hora e com a carteira de habilitação suspensa –, também reza por justiça.
Oram os parentes de Marleide Gomes dos Santos. Sabem quem era Marleide? Tinha 30 anos, estava grávida de cinco meses de gêmeos e foi atropelada e morta na calçada em Osasco, Grande São Paulo, por um motorista embriagado e sem carteira de habilitação. Foi na quinta-feira. Marleide era balconista e voltava do trabalho. Tinha um casal de filhos, de 8 e 6 anos.
No ano de 2020, Gilmar teria 37 anos, e Marleide 41.
Essas tragédias são tão frequentes que podem ser tudo, menos acidentes ou fatalidades. O destino não pode ser culpado. A crueldade, a corrupção e a imprudência são alimentadas pela sensação de viver num país sem lei. Ou num país de leis esquizofrênicas. O ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal, acaba de negar habeas corpusa uma mulher condenada a dois anos de prisão por ter furtado caixas de chiclete. Juntas, tinham o valor de R$ 98,80. O ministro ponderou que não era “furto famélico” – quando se rouba por fome – e, mesmo insignificante, não merecia perdão.
No ano de 2020, queria escrever sobre a luz de maio. E também desejo muito, até lá, ter dois netos. Meus votos de saúde, paz e justiça para todos.
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