O ônus do bônus
O Globo - 26/05/2009 |
Oposição existe, em parte, para falar mal do governo. Tem outras atribuições, naturalmente, como propor opções a atos e decisões dos ocupantes do poder. Mas o que ela faz melhor e com mais apetite, aqui e alhures, é mesmo fazer acusações — fundadas, de preferências — a seus adversários políticos, mostrando, diretamente ou por inferência, como tudo seria melhor se estivesse ela tomando conta do país. Pode-se, portanto, ver até com alguma desconfiança inicial a denúncia do PSDB e do DEM de que é eleitoreiro o bônus agora prometido aos funcionários do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), responsáveis pelas obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). A desconfiança tem limites: muita gente boa e sensata acha exercício inútil de especulação, carregado de ingenuidade, tentar descobrir o que se passa na cabeça dos políticos nacionais (ou de qualquer outra extração). E prefere estabelecer relações de causa e efeito, simples e diretas. Há duas premissas óbvias. Uma, de que todo e qualquer crescimento ou progresso cujos efeitos coincidirem com o calendário eleitoral tem obrigatoriamente consequências eleitorais. Outra, de que nunca na história da República um governo criou prêmio financeiro para funcionários públicos, destinado a premiar rapidez no seu trabalho. Primeiro, porque existe a premissa de que os servidores do Estado são adequadamente remunerados. Depois, porque o precedente é altamente perigoso. Significa admitir que servidores públicos estão trabalhando menos do que deveriam, e que nada existe de errado em suborná-los — a expressão é pesada, mas infelizmente adequada — para mostrarem a eficiência e a agilidade de que são capazes. Se o bônus se concretizar, como impedir que volte a ser necessário em qualquer administração, nas mãos de qualquer partido, em anos eleitorais? A novidade é tão diabólica quanto absurda: com eleições à vista, os funcionários do Estado, em qualquer área de ação que possa produzir dividendos eleitorais para o partido no poder, poderão começar a exigir reforço eleitoral em troca de diligência e eficácia no trabalho. Disse o diretor-geral do Dnit, Luiz Antônio Pagot, que seus funcionários enfrentam uma “carga de trabalho ensandecida”. Se ele sabe do que está falando, poderia explicar que tipo de planejamento e programação permitiu essa situação. Afinal de contas, o PAC não é a resposta a uma situação inesperada, que exija providências não previstas. Trata-se de programa de obras produto de um planejamento normal em qualquer administração. O dado da urgência só existe em relação ao calendário eleitoral. Segundo a ministra Rousseff, o bônus vem para corrigir uma injustiça salarial existente no Dnit. Segundo o Ministério do Planejamento, o benefício só se manterá se as metas forem cumpridas. Só se pode entender que, se tudo não ficar prontinho até as eleições, o bônus terá de ser devolvido ao Tesouro. Alguém realmente acredita nisso? |
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