Terreno infértil
O ESTADO DE SÃO PAULO - 26/05/09
A abertura de uma janela de oportunidade para o presidente Luiz Inácio da Silva de alguma forma prolongar sua permanência no comando da nação – via prorrogação de mandato ou disputa de um terceiro tempo consecutivo – é um óbvio desejo de quem compartilha com ele o poder.
É possível mesmo apostar na suposição de que a Lula não desagradaria a possibilidade. Isso se evidencia, não só porque deixa prosperar a ideia do continuísmo, a despeito dos desmentidos, mas principalmente porque o debate do tema cria um conveniente clima de perspectiva de poder.
Uma maneira (torta) de anular os efeitos da aproximação do fim do período regulamentar, acentuados agora pela antecipação do processo de sucessão.
Na democracia, porém, casuísmos não dependem apenas da vontade. Aliás, dependem muito pouco de “querências”. É preciso que sejam atendidos os requisitos das “poderências”, as condições propícias à instituição do casuísmo pretendido. Não basta querer, é indispensável poder.
E a questão objetiva atualmente é: existem essas condições?
A menos da ocorrência de uma hecatombe institucional, hoje são totalmente inexistentes.
A emenda da reeleição foi aprovada em janeiro de 1997, dois anos e mais ou menos três meses depois de o então presidente Fernando Henrique Cardoso ser eleito em primeiro turno, um ano e dez meses antes da eleição seguinte, que FH também ganharia de primeira.
Quer dizer, foi pensada e executada em tempo hábil, num ambiente congressual favorável e com a oposição em desvantagem eleitoral. Quando FH assumiu, em janeiro de 1995, o governo já se organizava em torno do projeto sob o comando do então ministro das Comunicações, Sérgio Motta.
Havia a meta, o eixo, o condutor, o empenho da base de sustentação, o arrazoado para tornar a tese palatável na sociedade (a continuidade do Plano Real, bombardeado pelo PT, então um partido que considerava estabilidade, controle de gastos, abertura da economia e combate à inflação coisas da “direita”) e havia, sobretudo, tempo.
Isso sem falar na diferença objetiva entre a proposta de uma reeleição e a tentativa de prorrogação de mandato ou de extensão do instrumento da renovação por mais um período, instrumentos reconhecidos como de natureza autoritária, a principal razão da grita geral contra esse tipo de proposta.
Havendo rejeição no Judiciário (manifestamente contrário), nos meios de comunicação, na opinião pública internacional, em boa parte do Legislativo, numa parcela expressiva da sociedade e na própria base governista, um casuísmo não tem como progredir.
Por muito menos, o PSDB desistiu de patrocinar o fim da reeleição, uma reincidência casuística. Por muito menos, o governo não conseguiu reunir quorum constitucional para aprovar no Senado a emenda que prorrogava a vigência da CPMF.
Imaginar que conseguiria mudar a Constituição em quatro meses, a tempo de a nova regra valer para 2010, para dar a Lula, aos governadores, aos prefeitos a chance de um terceiro mandato ou para dar a todos esses, mais aos senadores, deputados federais, deputados estaduais e vereadores dois anos adicionais de bandeja, sem o esforço de passar pelo escrutínio do eleitorado, é conspirar contra a realidade e acreditar que o Brasil seja uma nação de indefesos desprovidos de opinião, vontade e discernimento.
A eliminação, por inexequível, da hipótese do continuísmo, não significa que a imensa massa de ocupantes da máquina administrativa ou por ela beneficiados vá absorver civilizadamente o princípio da alternância no poder, diante da contingência de experimentá-lo na própria carne.
Por isso o fato de não haver condições objetivas para artifícios institucionais de última hora não quer dizer que a campanha, a eleição e, se for o caso de vitória da oposição, a transição nos reservam cenas pesadas. E surpreendentes, se algo ainda for capaz de surpreender alguém.
Candidatíssimo
O senador Cristovam Buarque está revendo sua decisão de desistir de concorrer à diretoria-geral da Unesco. Ele havia recuado depois de ouvir do chanceler Celso Amorim que o Brasil apoiaria o egípcio Farouk Hosni, por “razões geopolíticas”.
Como Hosni está sendo forte e mundialmente contestado, Cristovam acha que a coisa muda de figura. Se o nome dele for retirado, o senador volta a se apresentar como candidato do Brasil, mas ressalva: “Só com apoio do governo.”
No caso, disputaria esse apoio com outro brasileiro, o atual diretor adjunto da Unesco, Márcio Barbosa.
Gente fina
“Coalizão administrativa” é o nome dado pelo presidente da Câmara e presidente licenciado do PMDB, Michel Temer, ao loteamento de cargos do partido no governo federal, conhecido como fisiologismo em rodas mais informais.
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