Um outro recomeço
Jornal do Brasil - 06/04/2009 |
Dez anos de mudanças políticas históricas na América Latina, e o Brasil apenas arranhou superficialmente nesse período suas estruturas arcaicas. A principio, a eleição de Lula indicou um salto no processo de modernização do País. Ao longo do tempo, certa inclusão social levou à enganosa conclusão de que finalmente havíamos entrado em uma rota de desenvolvimento para todos. No entanto, a crise atual não só evidenciou a fragilidade desses avanços sem bases estruturais, como também demonstra o quanto falta ao governo de Lula uma visão consistente, moderna e ampla sobre o Brasil e os desafios de uma conjuntura internacional cada vez mais complexa. Enquanto tudo corria bem na maior onda de prosperidade econômica do mundo globalizado, o despreparo do governo passou despercebido. Suas eventuais virtudes se sobressaiam aos seus vícios crônicos. Agora fica mais claro que o País é governado por um grupo imprevidente, muito aquém das necessidades do povo brasileiro e que não realizou nem 10% do que poderia, dado o contexto amplamente favorável. Mais preocupado em se manter no poder, o lulismo não sabe e, na verdade, tem pouco interesse em dar continuidade ao projeto de desenvolvimento nacional. Se um dia representou a modernidade, hoje mais parece com o atraso. Se antes as frases de efeito e metáforas do presente Lula soavam engraçadas ou mesmo oportunas, com a crise elas passaram a ser uma mistura de deboche, alucinação e mediocridade. Uma vez que a situação mudou drasticamente e que não dá mais para viver apenas da inércia e da abundância externa, a impressão é que o governo não sabe o que fazer com o potencial e as vantagens de sermos um dos mais importantes emergentes do planeta, em um horizonte de reestruturação do capitalismo mundial. O Brasil teve não apenas sua modernização tardia, como agora o atraso ocupou de assalto alguns setores antes considerados progressistas. Além da economia, a política também enfrenta momentos lamentáveis de retrocesso. O governo Lula se acomodou tanto com o estado de coisas tradicionais da vida pública que acabou se confundindo com ele. Basta fechar os olhos, relembrando toda a esperança e magia de 2002, para novamente abri-los e entrar em choque com o que se transformou o "governo dos sonhos" sete anos depois. O PT retira do armário discursos mofados, convenientemente esquecidos, querendo agora mobilizar sua militância e a sociedade brasileira contra o risco que representaria a volta da "direita" ao poder. Porém, na prática, Lula e seus companheiros se parecem mais com o que eles mesmos definem como sendo "tucano" do que o próprio Serra, mais provável e popular candidato da oposição. Lula empenha todo seu capital político somente no desejo de voltar em 2014 à Presidência da República. Dessa forma, sua estratégia de poder é neste momento o maior obstáculo às transformações estruturais que o País precisa e que a sociedade tanto espera desde a redemocratização. Nesse sentido, Lula é o anti-Getúlio, o anti-JK, o anti-Tancredo, o anti-estadista. Seu lema é "cinco anos em cinqüenta". Sem a força verdadeira da mudança, Lula quer voltar ao poder apenas por vaidade e ambição pessoal. Seu egoísmo político, se combinado a uma grande popularidade construída em cantos da sereia, constitui uma séria ameaça ao desenvolvimento do Brasil. Infelizmente, as ambições de Lula e do PT entraram em forte contradição com os interesses nacionais, isto é, com as chances de nos consolidarmos como nação próspera e democrática. O País precisa seguir seu caminho, avançando sem os entraves psicológicos do lulismo. O início do fim da era Lula oferece a oportunidade de nos prepararmos para o período pós-crise. Quase duas décadas de estabilidade política e econômica permitirão avançarmos com ousadia em um mundo que será ainda mais competitivo e já requer do Brasil um papel de maior responsabilidade internacional. Mas precisaremos ter a coragem de fazer a renovação, pois o desperdício de tempo não pode vencer novamente a esperança. Lula e o PT já tiveram sua chance extraordinária nesta década. Realizaram muito pouco, e não têm monopólio hereditário sobre a agenda progressista. Outras forças devem, portanto, tomar para si as rédeas do processo político, construindo uma nova maioria; uma nova direção que se alimente das expectativas de mudança social, represadas pelo conservadorismo do atual governo, que ficará marcado por discursos tão eloqüentes quanto dissimulados. O Brasil é um país para estar na vanguarda, sem medo de fantasmas, sem preconceitos e sempre disposto a um outro recomeço. |
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