sexta-feira, abril 17, 2009

DORA KRAMER

Ao vencedor, os abacaxis


O ESTADO DE SÃO PAULO - 17/04/09

O presidente Luiz Inácio da Silva parece mesmo convencido de que é chefe da nação “mais sólida do mundo”. Tomado de intimidades com o presidente Barack Obama, com quem considera manter uma relação de “amigo para amigo”, acha que Brasil e Estados Unidos são iguais no tocante ao histórico de solidez econômica e, portanto, podem aplicar a mesma receita na crise investindo nos gastos do Estado.

Trata-se apenas de uma hipótese – a melhor delas – para explicar o abandono de toda e qualquer cerimônia para distribuir benesses a rodo com o dinheiro do Tesouro num cenário de registro de queda do PIB como não se via havia 12 anos e de arrecadação em declínio. São incentivos fiscais aqui, liberação geral de repasses ali, alongamento de dívidas acolá, redução do superávit ao menor patamar nos últimos dez anos, despesas de custeio crescentes com “viés de alta”.

A outra possibilidade, bem pior, é a de que o presidente da República esteja simplesmente desconhecendo a crise e tocando o projeto dos dois últimos anos de governo exatamente conforme o anunciado por ele em uma entrevista ao jornal O Globo, no final de 2007.

Para nós, leigos na matéria – presidente Lula incluído –, não havia sinais visíveis de crise no horizonte. Ao contrário, vislumbrava-se um ano seguinte ótimo, como de fato foi 2008. Naquela entrevista, Lula rompia explicitamente com a austeridade, não enxergando gravidade alguma no aumento dos gastos públicos – àquela altura já preocupantes a olho nu – e defendendo com entusiasmo a promoção de um verdadeiro espetáculo do crescimento no setor.

“A hora é de gastar”, dizia, desenvolvendo um raciocínio segundo o qual quanto mais gente houver na máquina administrativa, mais eficiente ela será. Pois muito bem. Veio a crise, agravou-se a situação, enunciou-se penosa para o Brasil quando saíram os números do PIB relativos ao último trimestre de 2008, o cenário alterou-se completamente ao ponto de a popularidade de Lula cair 10 pontos porcentuais em três meses, mas o presidente continuou o mesmo.

Como se nada nem ninguém pudesse criar obstáculos aos seus planos de prosseguir em ritmo de bonança no meio da tempestade. Na época da prosperidade, Lula não aproveitou para aperfeiçoar o que já vinha sendo aperfeiçoado por governos anteriores. Deixou de lado as reformas porque deliberadamente decidiu não desagradar a nenhum setor que pudesse, por isso, lhe retirar apoio.

Que o presidente da República não mantém boas relações com a adversidade é sabido. Mas que fosse capaz de qualquer temeridade para alcançar seus objetivos políticos é algo que só se revela em sua inteireza nesta antevéspera do fim do segundo mandato.

Quando esteve em jogo sua eleição e, depois, sua sustentação nos dois períodos de governo, prevaleceu a cartilha de êxito já provado, embora anteriormente negada e, quando foi possível, condenada, como no caso do Proer – origem da solidez do sistema financeiro da qual tanto o presidente se jacta.

Agora que a administração do futuro já não lhe pertence, Lula contrata com desenvoltura uma enormidade de passivos a serem resolvidos pelo sucessor. A ausência da expressão “ou sucessora” é proposital e baseada na conduta do próprio Lula. A julgar por ela, o presidente dá por perdida a próxima eleição presidencial. Se por um só instante acreditasse realmente na possibilidade de a ministra Dilma Rousseff vir a assumir a Presidência da República a partir de janeiro de 2011, será que estaria distribuindo facilidades para serem fatalmente herdadas por ela na forma de dificuldades? Certamente não chegaria a esse ponto. A menos que esteja acreditando piamente no milagre da reprodução de recursos, como já se acreditou nos tempos da irresponsabilidade, do calote, da inflação, da administração do Estado como propriedade privada de projetos de poder dos mais variados matizes ideológicos.

Meia-sola

As medidas ditas moralizadoras do uso de passagens aéreas, anunciadas pela Câmara e pelo Senado no máximo reduzem um pouco os disparates. Mas não os eliminam e nem de longe moralizam coisa alguma. Desde quando reduzir em 20% e 25% cotas que variam de R$ 4.700 a R$ 18.700 mensais, na Câmara, e de R$ 13 mil a R$ 25 mil, no Senado, podendo trocar por aluguel de jatinhos e ainda distribuir as passagens para mulher, marido e filhos, é moralizar?

Se era para corrigir, que se começasse por acabar com a farra das tarifas “cheias” e se restringissem as passagens ao parlamentar. Ao que se saiba, o eleitor não vota na família do deputado ou do senador, aos quais cabe sustentar os seus. Ainda mais quando se considera que todas as malfeitorias cometidas até agora ficam anistiadas por decreto. É só uma maneira de produzir artificialmente uma satisfação à sociedade sem reconhecer a distorção de origem e garantindo perdão aos que foram pegos em flagrante transgressão ao decoro.

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