Olhos castanhos
O ESTADO DE SÃO PAULO - 03/04/09
O déficit primário de R$ 926,2 milhões registrado em fevereiro – o pior índice desde 1998 – não foi culpa das elites, do neoliberalismo nem da gente loura de olhos azuis. É responsabilidade do governo que, imprevidentemente, abandonou as reformas e aumentou os gastos federais. Só não se aplica ao caso o lema “como nunca antes neste país”, porque a imprevidência já foi regra no Brasil. Uma época à qual o governo Lula retrocede em muitos aspectos.
Na gastança, na concentração de poder no Estado, na abertura de espaço para os setores políticos mais atrasados, na incapacidade de arbitrar porque entende que governar é agradar a todos sem medir as consequências do dia de manhã.
Pensamento típico de governos com projetos políticos muito bem definidos em termos de metas e meios, mas sem um projeto de país. Nessa ótica, o partido se sobrepõe à coletividade. Quando a conveniência de um coincide com o interesse da outra, tanto melhor. Quando se chocam, prevalece o objetivo particular, imediato, em prejuízo da estrutura garantidora permanente do bem público.
Com o advento da crise econômica, o governo Lula foi obrigado a balizar seus procedimentos. O discurso do presidente logo após a reeleição, defendendo que a hora era de “gastar”, foi substituído por anúncio de cortes, mas não por uma atitude responsável de arbitragem clara das restrições.
Parte do mal está feita e será transferida ao molde de “herança maldita” para o futuro. Reajustes salariais para o funcionalismo são gastos irreversíveis. Aumento da máquina permite retrocesso, mas requer coragem para assumir o custo político. Não apenas em termos de pressão de grupos específicos, mas na comparação que os criadores das facilidades espertamente atribuirão à insensibilidade e à incompetência de quem estiver com o leme das dificuldades nas mãos. Estragar é bem mais fácil que consertar.
Há um exemplo em curso que evidencia a prioridade do foco no projeto político e diz respeito aos prefeitos, figuras essenciais na organização de bons palanques para os candidatos governistas à Presidência da República e aos governos dos estados em 2010.
No momento, estão todos insatisfeitos, cobrando do governo federal uma solução para a queda nos repasses do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) por causa da redução das receitas federais.
Para agradá-los (esperando ser por eles agraciados com adesão eleitoral) há medidas específicas em estudos, mas há também uma medida provisória que, entre outras providências, permite a quebra de limites impostos pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), reconhecidamente um dos grandes, se não o maior, avanços implantados pela gestão anterior no quesito equilíbrio das contas públicas.
Indispensável, por isso, que fosse tratado como cláusula pétrea por qualquer governo referido naquilo que é melhor para o país e não necessariamente no que é mais conveniente aos planos políticos do governante do turno.
No entanto, não é isso o que se vê. Afrouxar a LRF para atender a essa ou àquela necessidade, por mais premente que seja, significa a quebra do princípio da responsabilidade com a gestão dos recursos públicos que só recentemente passou a fazer parte da cartilha dos governantes no Brasil.
Vício insanável
O senador Tasso Jereissati trocou suas cotas de passagens aéreas pelo fretamento de aviões sempre que seu jato particular não esteve disponível. O procedimento é legal, segundo o diretor-geral do Senado, embora o regulamento que dá direito a bilhetes em aviões de carreira não preveja o aluguel de aeronaves.
Assim como não prevê o fretamento de quaisquer outros meios de transportes. Os ofícios mediante os quais o senador Jereissati obteve autorização especial para sustentar seus hábitos de conforto pertencem ao terreno do jeitinho.
A conduta pode ser legal no parâmetro do Senado. Mas, na visão do público, não é normal pagar a conta de jatinho fretado.
Quanto pior
O Congresso não desiste de abrir vaga para mais 7.343 vereadores nas Câmaras Municipais do Brasil. No ano passado a Câmara aprovou as vagas, mas impôs como ressalva uma redução de despesas. A proposta foi para o Senado, que derrubou a ressalva, levando o então presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia, a se recusar a promulgar a emenda.
O então presidente do Senado, Garibaldi Alves, recorreu ao Supremo, mas o sucessor, José Sarney, retirou a reclamação. Partiu-se, então, para a solução interna com nova votação na Câmara que, pela decisão tomada na Comissão de Constituição e Justiça, deve aprovar as novas vagas sem a restrição de despesas.
O Parlamento virou, mexeu e chegou à melhor solução para os vereadores. O fato de ser a pior para quem assiste e financia o espetáculo diz respeito à escala de prioridades da instituição.
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