Meirelles sai em defesa da atuação do BC, que coincide com o seu maior ativo político para 2010
As manifestações contundentes e frequentes do presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, em defesa da política monetária não devem ser confundidas com o que não parecem ser: um balde de água fria na expectativa de continuidade da distensão da taxa de juros.
Outras razões para a sua eloquência tornam improvável que desista de seu melhor momento à frente do BC, já que está entregando juros em queda e não há ameaças relevantes à trajetória da inflação.
Um dos dirigentes mais políticos e hábeis dos muitos que passaram pelo BC, o provável é que Meirelles esteja praticando com a maciça aparição nos últimos tempos em seminários, palestras e entrevistas à imprensa duas funções que sempre exercitou com fluência nos dois mandatos do presidente Lula: o direcionamento das expectativas dos mercados e a orientação dos espaços possíveis da política fiscal.
Uma terceira função começa também a aparecer em suas intervenções — a explicitação do protagonismo da política monetária, portanto, de sua obra no governo Lula, “sem excessos”, ele disse dias atrás, para o sucesso da estabilidade econômica desde 2003.
Esse é o seu ativo para voltar à carreira política, provavelmente como candidato ao governo de Goiás, pelo qual se elegeu deputado federal pelo PSDB em 2002, depois de se aposentar como executivo do Bank Boston, e renunciou para presidir o BC convidado por Lula.
A política lhe entranhou como um desafio. Mas ele é impelido para ela também por setores do arco de partidos da base de apoio a Lula e do empresariado, e não só a banca, que o veem como moderador das incursões mais populistas, sobretudo por encarnar a força do real, ainda o grande trunfo da elevada popularidade de Lula.
Bolsa Família, aposentadorias, salário mínimo, nada ficaria de pé se o poder aquisitivo da moeda fosse corroído pela inflação. Lula lançou a ministra Dilma Rousseff à sua sucessão como “mãe do PAC”. Meirelles poderia ser “pai do dinheiro a mais no bolso” — discurso mais eficaz, assumido integralmente por Lula na eleição de 2006.
Havia outros meios para se obter o mesmo objetivo com menos danos ao crescimento, o que já faz da crítica à vertente monetarista do governo Lula a grande argumentação da pré-candidatura presidencial do governador José Serra. Mas de modo cada vez menos velado também a desconstrução do papel de Meirelles poderá estar nas diretrizes da candidatura de Dilma, se ela der ouvidos ao PT — e é ai que a posição futura de Meirelles no cenário político é considerada.
Contraponto em 2010 Meirelles poderia ser contraponto mais adiante — seja no governo de Goiás, como parlamentar ou vice de uma candidatura presidencial da base aliada — quanto ao receio de viradas abruptas da economia, exercendo influência por meio das coalizões formadas para garantir a governabilidade no Congresso. Esse é um cenário vislumbrado por apoiadores de sua candidatura, não por ele. Por ora, seu discurso vai em direção de valorizar os resultados do BC. Numa palestra em São Paulo, afirmou que o consumo interno crescia antes da crise ao ritmo de 9,3%, e o PIB, a 6,8%, a taxa anualizada do segundo para o terceiro — o que seria evidência, segundo sua lógica, de que “a política monetária não é conservadora em excesso”.
Vacilo após a crise O que está lá atrás, no passado ficou, embora seja difícil negar que se o BC tivesse sido mais ágil na calibragem dos juros o tombo da economia depois de setembro talvez fosse menor. Ele também não usou sua credibilidade para manter elevado o astral, já que sempre foi visto como o mais destacado personagem da política econômica do governo Lula. Nessa função, a oposição externa e a insatisfação do PT — que ganhou força com a substituição de Antonio Palocci por Guido Mantega no Ministério da Fazenda — nunca o ameaçaram.
O BC, porém, perdeu tempo ao esperar até janeiro para começar a tosquiar a Selic, temendo uma pressão de demanda já cadente.
Habilidade com Lula O que mais se valoriza na atuação de Meirelles, no entanto, foi ter conseguido conciliar a mão aberta de Lula no plano fiscal com a mão fechada do monetarismo. Lula fez o que queria, sem ameaçar a inflação, apesar do contrapeso do arrocho dos juros. Mas a dívida pública desinchou. E a própria apreciação do real não derrubou as exportações, graças à febre externa. Tudo deu mais ou menos certo.
A crise acabou com esse idílio, exigindo de Meirelles muito jogo de cintura para defender a lógica do BC. E sua carreira política.
Futuros interligados Tanto quanto a força de Lula para influenciar a sucessão o futuro político de Meirelles depende da volta da economia ao crescimento e de menos juros. Isso está posto, se superar ajustes finos, como da remuneração da caderneta de poupança, tema que ele já atiçou.
O foco sobre o crédito, ainda caro e escasso, foi de algum jeito desviado para os bancos públicos, depois que ele mesmo lançou ao fogo a questão dos spreads cobrados pelo Banco do Brasil e a CEF. O desfecho agradou a Mantega, que pode trocar o presidente do BB por outro mais afinado com ele, e aliviou a pressão sobre o BC. A prática da política monetária não é questão apenas técnica... |
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