Não há como imaginar que o serviço francês tivesse a iniciativa de procurar por Cesare Battisti |
A NOVIDADE QUE o incerto Cesare Battisti apresenta agora sobre si mesmo, entre repetições esperáveis e omissões indispensáveis, não cumpre a finalidade de ajudá-lo (fosse outro o seu propósito, não a incluiria na seleção de afirmações). Diz ele que saiu da França, onde sua permanência ilegal e longa se tornara arriscada, "com a ajuda do serviço secreto francês". A respeito, só isso. Mas não pode ser isso só. Diante do que está dito, ficamos com duas hipóteses. Ou consideramos que o serviço secreto francês tornou-se muito generoso com imigrantes ilegais e fugitivos, contra todas as evidências da administração francesa específica; ou Cesare Battisti recebeu o benefício de uma exceção, o que, sob certas condições, não seria propriamente anormal. Dizem que um serviço secreto, quanto menos citado, mais eficiente pode ser. Do francês ninguém fala e pouco se lê. Sua competência rigorosa espantou os serviços congêneres em dois episódios já deste século. Ambos revelados por documentos de arquivos oficiais dos Estados Unidos abertos nos últimos anos. O primeiro: o próprio Bush e a NSA, Agência Nacional de Segurança, receberam do serviço francês o que é reconhecido como a mais precisa e confiável informação, antes da derrubada das Torres de Nova York, sobre a iminência de um ataque da Al Qaeda aos Estados Unidos. Nenhuma investigação, nem mesmo nos serviços de imigração, decorreu da advertência. Lançada a propaganda preparatória para a guerra, com as afirmações, baseadas na CIA, de arsenais de armas de destruição em massa, gases tóxicos e bombas nucleares no Iraque, Bush e o Departamento de Defesa dos Estados Unidos receberam um aviso do governo francês: é seguro que o Iraque não tem tais armas, desmanchou arsenais e laboratórios e nada pesquisa. Desprezada esta segunda advertência, nos primeiros dias da invasão as televisões do mundo mostraram, todos os dias, as ameaças e notícias da resistência feitas por um iraquiano fardado, de óculos característicos, quase sorridente e quase familiar. Era Naji Sabri. Foi quem proporcionou a informação. Era ninguém menos do que o ministro do Exterior do Iraque. Enforcado depois da derrota. E então reconhecido pelo serviço secreto francês como seu agente. Não há como imaginar que o serviço francês tivesse, de repente e só por tê-la, a iniciativa de procurar por Cesare Battisti para ajudá-lo a fugir. Se ajudou, de fato, é permitido supor que teve razões anteriores para continuar com a proteção ou o fez por motivos futuros. Inimaginável é que o fizesse a troco de nada. Cesare Battisti lançou sobre si uma interrogação onerosa. Ou mais uma. E relançou no noticiário, sem o pretender, o caso dos pugilistas cubanos mandados de volta a Cuba depois do Pan no Rio. O caso é contraposto ao status de refugiado concedido pelo ministro Tarso Genro ao fugitivo italiano. A versão que ficou, sobre o caso, ainda no domingo foi relembrada por Elio Gaspari. Mas referências anteriores motivaram uma busca que me proporcionou versão, a meu ver, mais convincente e sem as brechas das demais. Contatados no Rio por agente de um empresário que promove a fuga e a contratação na Alemanha de atletas cubanos, Guillermo Rigondeaux e Erislandy Lara aceitaram o contrato e abandonaram sua delegação. Receberam do agente a companhia de duas jovens generosas, receberam o segundo atrativo sob a forma de uma boa quantia, e foram levados para uma estadia reservada em Cabo Frio. Entregaram os passaportes ao agente, para a compra das passagens de um percurso indireto e outras providências. Mas, passados alguns dias, despediram as companhias, mudaram de ideia e recorreram a um passante para indicar-lhes a delegacia de polícia, onde se apresentaram. A confusa passagem dos dois pelo Rio, em dependências da Polícia Federal, e o misterioso embarque para Cuba tiveram duas razões. Os dois estavam sem passaportes para embarque, dependendo de salvo-conduto ou autorização especial; e queriam sair depressa, porque deviam dinheiro ao agente e não tinham como ou não queriam pagá-lo (foi noticiado que gastaram tudo, mas talvez não fosse bem assim). Entre os direitos do agente e a desistência dos cubanos, os pugilistas deram o nocaute. Contatado outra vez, Erislandy deixou Cuba pela Alemanha. Rigondeaux continuaria atrelado, como lutador, a um documento que assinou para o agente no Rio. |
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