sexta-feira, fevereiro 20, 2009

FERNANDO GABEIRA

Cortar a própria carne


Folha de S. Paulo - 20/02/2009
 

O caso da brasileira que teria sido atacada por skinheads na Suíça trouxe inúmeras lições.
Assim que soube da notícia, resolvi que daria o mesmo tratamento que dei ao processo da morte de Jean Charles, assassinado em Londres. Visitaria a embaixada, acompanharia as notícias sobre o tema, para que o Congresso tivesse uma posição, se achasse conveniente.
Marquei audiência na embaixada para terça, 17. Era quinta-feira. Alguns acharam o prazo muito longo e, no mesmo dia, levaram nota à embaixada. Recusei. Não por desconfiar da versão de Paula naquela hora. Mas pelo fato de que, em política externa, um tempo de decantação sempre ajuda.
Tive sorte. Nos tempos em que cadeias globais de televisão, CNN, BBC, estão em cena, a diplomacia não apenas se tornou mais transparente. Foi forçada a mudar de ritmo. No entanto, a diplomacia e o jornalismo jamais terão a mesma rapidez. A sintonia precisa acaba nos expondo a gafes.
Outro problema da pressa é anexar os fatos à nossa visão de mundo, como se estivéssemos sempre procurando algo para comprovar uma teoria. A crise econômica vai fortalecer o nacionalismo, em alguns casos, estimular a xenofobia. É a tese. A versão inicial de Paula era uma armadilha, o famoso cqd, como queríamos demonstrar.
É preciso deixar que os fatos aconteçam, respirem, tenham seu desdobramento. No caso de Paula Oliveira, havia muitas máquinas de interpretar, sondando o universo em busca de exemplos. Ela não estava grávida de gêmeos e os cortes poderiam vir de automutilação.
Nesses 200 anos de Darwin, sua visão é um socorro para todos nós: por mais que nos apeguemos a uma hipótese, é preciso abandoná-la sem pena quando as evidências a contestam.

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