Tratar a crise em tom emocional pode ser bom para a popularidade de Lula. Mas o que está em jogo é o Brasil e será necessário mais que um bom discurso
Esta coluna, vocês sabem, é produzida em revezamento. A mim cabem as terças e quintas-feiras. Por conta desse calendário, ainda não tive a chance de escrever sobre o “sifu” pronunciado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva na semana passada. Pode parecer assunto velho, mas não dá para resistir. O palavrão presidencial merece uma análise mais profunda. Ao contrário do que pensa a maioria, não atribuo a arroubos ou escorregões os momentos mais folclóricos dos discursos presidenciais. Lula pensa no que fala. Mesmo quando parece que não.
Vale a pena recapitular o episódio. Na quinta-feira, durante uma cerimônia oficial, o presidente usou uma metáfora para dizer que era necessário manter o otimismo diante da crise econômica internacional. Comparou o papel do governo ao de um médico, para quem é aconselhável dizer que o paciente vai se recuperar. “Ou você diria ao paciente ‘sifu’? Se você chega dizendo a gravidade da doença, acaba matando o paciente.”
A declaração causou constrangimento. A ponto de a Presidência da República tê-la censurado em sua página na internet, na qual são preservados para a posteridade todos os pronunciamentos do primeiro mandatário da nação. A incômoda expressão foi registrada como “inaudível”, embora o país inteiro a tivesse escutado em alto e bom som no Jornal Nacional, da TV Globo.
Seguiu-se, como seria de esperar, uma onda de protestos. Parte veio de gente genuinamente indignada. Parte, de adversários declarados do governo, na política ou na mídia. Toda a crítica foi centrada naquela palavrinha de quatro letras, resumo de uma expressão que não fica bem citar por inteiro em uma coluna familiar. Mas há uma declaração mais grave por trás do sifu. Que passou despercebida na poeira levantada pelos ohs! e uhs! dos moralistas.
O que disse Lula? Que é importante manter o discurso otimista, mesmo se não houver motivos para tanto. É melhor não assustar o doente. Não sei quanto a vocês, mas eu prefiro saber a gravidade do quadro. Até para adotar o tratamento mais adequado. Daqui para frente, vou redobrar a desconfiança quando ouvir o presidente e sua equipe garantirem que está tudo bem e a crise não vai atingir o Brasil. Será que é isso mesmo? Ou eles não querem nos assustar? Talvez seja melhor tirar outra radiografia, ou pedir a opinião de mais um médico. No meu caso, a falta de confiança no doutor é um fator capaz de induzir a crises pesadas de hipocondria.
A declaração revela muito da visão do governo sobre a crise. Lula realmente acredita que ela vai passar. É o que percebo nas conversas que tenho com fontes do Palácio do Planalto. Para ele, o grande perigo está no pânico, que pode contaminar a sociedade e paralisar a economia. É compreensível e será bom se ele estiver certo. Mas o país não compartilha esse otimismo oficial. Não sai da lembrança a frase na qual Lula comparou a uma “marolinha” o tsunami que varre a economia mundial. As notícias cotidianas indicam um quadro preocupante, no qual a crise se estende para a economia real.
Para entender os discursos presidenciais, é preciso saber que eles servem a dois objetivos. O primeiro é o de salvar o doente, no caso a economia brasileira. Lula quer evitar o aumento no medo, identificado por ele como o grande veneno. O outro, é preservar o governo. É preciso demonstrar que a culpa pela crise não é de Lula ou sua administração. Aí se explicam as bravatas lançadas contra o presidente americano George W. Bush e as promessas de que a encrenca não ultrapassaria o Atlântico.
Lula quer demonstrar que está fazendo todo o possível para resolver o problema e que, se isso não aconteceu, é culpa dos outros. Nesse ponto, o discurso em tom populista, com simplificações e o apelo a expressões pouco protocolares, é uma arma. A maior parte do público que assiste à TV pode não compreender as explicações macroeconômicas, mas entende o “sifu.”
Ao que parece, vem dando certo. A pesquisa mais recente do Datafolha mostrou que a popularidade presidencial atingiu um patamar inédito. O trabalho de Lula foi considerado “ótimo ou bom” por 70% dos entrevistados. Isso num momento em que o crédito diminuiu, a produção industrial encolheu e alguns setores já começam a demitir. Na semana passada, amigos inteligentes e a quem respeito sustentavam a tese de que o grande problema da crise era a ação alarmista da imprensa, interessada em piorar a crise para dificultar a vida de Lula. Não adiantou nada argumentar que tal tática seria suicídio, uma vez que a mídia depende diretamente da força da economia. “Eles têm como resistir”, me disse um deles.
Tratar a crise em tom emocional pode ser bom para a popularidade de Lula. Mas o que está em jogo é o Brasil. E será necessário mais que um bom discurso. |
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