O EXAME minucioso do que suas dívidas externas têm de correto e eventualmente de irregular, decidido pelos governos do Paraguai, da Bolívia e da Venezuela, levou o senador Heráclito Fortes a prometer para hoje ou amanhã uma reunião extra da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional. Sentiu-se motivado por texto em jornal que deduziu haver nas auditorias "uma ameaça de US$ 5 bilhões" de "calote" dos três países contra o Brasil. Auditoria assim da dívida externa foi um dos mais enfáticos e reiterados compromissos de Lula em sua campanha para a Presidência. Mas não só de Lula e não só àquela altura. Na fase final da ditadura, a auditoria da dívida externa brasileira foi uma bandeira simbólica da democratização reivindicada. Em parte, por suspeita de transações corrompidas na negociação externa e na destinação interna do dinheiro. Mas também em nome da recuperação da soberania esvaziada pelo FMI e pelos bancos dos Estados Unidos, Citigroup à frente com os lucros inigualáveis extraídos ano a ano do Brasil. Não era reivindicação "da esquerda", não, era de quase toda a oposição ao regime, inclusive parcela importante do empresariado, e encabeçada pelo MDB/PMDB. Caídos os militares, a auditoria logo se tornou uma das reivindicações mais acentuadas, com Ulysses Guimarães como empolgado propagador. Nem por isso se iniciou. Passados dois anos, quando em começo de 1987 o governo Sarney declarou a moratória da dívida externa, a necessidade da auditoria voltou como objetivo indispensável. A consciência de que o Brasil fora vítima de chantagens e extorsões, nos seus piores apertos, era justificada e muito difundida. Nem por isso houve algo próximo de auditoria. Restou o tema nas campanhas do PMDB, dos considerados de esquerda, até de parte do PFL (linha Aureliano Chaves, por exemplo), e o PSDB incorporou vários da causa, como Mário Covas. Auditorias das dívidas externas são obrigações dos governos do Paraguai, da Bolívia e da Venezuela ao menos por dois motivos. Um deles é a conveniente prova de que seus novos presidentes não estavam fazendo bravatas, quando propuseram mudanças ao eleitorado, e não são cínicos como presidentes. Outro, é a probabilidade muito grande de que seus antecessores, em cuja crônica dos últimos mandatos não cabem ressalvas, tenham feito transações financeiras e contratações minadas por impropriedades e, portanto, prejudiciais aos seus países. Se os empréstimos brasileiros não depenaram cofres dos vizinhos com juros multiplicados, em relação aos práticos à época, não será para o Brasil que as auditorias alheias trarão problema. Caso o tenham feito, nada mais justo do que perder, por qualquer modo, o obtido com malandragens perversas. Auditorias de dívida externa não se restringem, forçosamente, a operações de empréstimos, condições e pagamentos. Podem incluir os caminhos dados ao dinheiro, e aí por certo entrariam contratações de empresas brasileiras. Em princípio, como no caso Equador versus Odebrecht, são questões entre governo e empresa, nas quais o país da empresa, como governo e como Estado, não é parte. Esse possível surgimento de contratações de empresas brasileiras, além do problema já consumado com o Equador, recomenda uma observação bem atual: o Tribunal de Contas da União encontra irregularidades nas contratações e obras em dez aeroportos; o mesmo TCU constata "irregularidades graves" nas contratações e obras das novas sedes do Tribunal Regional Federal e do Tribunal Superior Eleitoral, ambos em Brasília; o TCU já constatou irregularidades em contratações e grandes obras do PAC, como a transposição do rio São Francisco, tudo isso em detrimento dos cofres públicos e envolvendo empreiteiras. E agora o TCU encontra irregularidades em 3.000 contratos do PAC com verbas federais repassadas pela Caixa Econômica Federal. Tudo isso de agora. Nem tentemos imaginar o que possa ter-se passado quando essas empresas cruzaram a fronteira, ao encontro dos governos expelidos em nossa vizinhança. |
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