Agora que o ministro José Gomes Temporão já se nivelou por baixo, está tudo de volta aos eixos: ele fica na Saúde, o PMDB fica quieto para não correr o risco de perder a “cota” e não se fala mais em corrupção, insuficiência de desempenho, muito menos se averigua o que a Fundação Nacional de Saúde faz com as verbas que recebe para cuidar das populações indígenas.
Conforme mostrou ontem a repórter Lígia Formenti no Estado, a Funasa recebe o quádruplo dos recursos per capita (R$ 900) destinados ao restante da população (R$ 270) e apresenta os piores resultados: enquanto a taxa de mortalidade geral por desnutrição em bebês com menos de um ano é de 2%, a média nas aldeias é de 12%; entre crianças de até cinco anos a relação é de 5% para 35%.
Uma pequena mostra da ineficiência do serviço de que falou o ministro Temporão na semana passada. No mesmo debate, abordou o tema da corrupção, a respeito da qual falam inúmeros relatórios do Tribunal de Contas da União e do Ministério Público: 157 auditorias e 83 sindicâncias em 2007 e 149 verificações de irregularidades e 41 inquéritos até julho deste ano.
O cenário de óbvia anomalia que o ministro resumiu em algumas frases num momento de irritação é avalizado pelos números e corroborado por sanitaristas especializados na área indígena, o que por si já justificaria alguma providência.
Quando nada, uma atenção especial ao conteúdo da fala e à forma de desabafo, sinal evidente da existência de uma “blindagem” do PMDB em torno da Funasa para mantê-la imune à influência do ministro.
Ali quem manda é o partido. E, pelo visto, com a anuência do presidente da República, cuja prioridade é a preservação do equilíbrio ecológico em sua base parlamentar, na qual o PMDB é o espécime mais vistoso, poderoso e guloso.
Os deputados do partido saíram em defesa do feudo, pedindo a cabeça do ministro com argumentos absurdos, tais como a ausência de apresentação de provas e falta de consciência de José Gomes Temporão de que sua função inclui abrir a agenda para “interagir” com parlamentares e franquear-lhes com mais generosidade as verbas indicadas nas emendas ao Orçamento.
Não sofreram maiores admoestações. A única interferência do Palácio do Planalto foi no sentido de que amenizassem o tom, desistissem do ato público de desagravo ao atual presidente da fundação e de agravo à figura do ministro, marcado para ontem.
No lugar do protesto, realizou-se uma reunião do gabinete de Temporão, para “discutir as insatisfações” do titular da pasta. O ministro acertou ao evitar a cena da foto com todos sorridentes ao final. Não apareceu, deixando o relato ao encargo do líder do PMDB na Câmara, Henrique Eduardo Alves, e do presidente do partido, Michel Temer.
O líder saiu todo feliz. Nem parecia o indignado da semana passada. Chamou Temporão de “grande ministro”, anunciou que haviam fumado o “cachimbo da paz” e feito um “entendimento” sobre as questões da Funasa.
O ministro tem a intenção de “aperfeiçoar” a fundação, informou o deputado, a título de cessão pública de direitos sobre a administração do órgão. Era o bocado do sapo que cabia ao PMDB engolir: sugerir que Temporão saiu ganhando poder com a criação da Secretaria de Atenção Básica e Proteção à Saúde que ficaria com a administração da política de saúde indígena, por enquanto apenas uma idéia.
Ao ministro coube engolir o desabafo feito, os desaforos ouvidos e os brios perdidos. Tudo em público. Em particular, na reunião de ontem, a julgar pelo relato do deputado, engoliu também a falta de escusas e ainda estabeleceu com o partido um “entendimento” para mudanças na estrutura da Funasa.
Traduzindo: a situação por lá, de fato, anda a requerer alterações. É difícil compreender em que bases teria ocorrido o referido entendimento, se o comando continua o mesmo que até outro dia era defendido como o mais probo e eficiente já existente.
Ademais, que acerto é possível quando se fala em corrupção e ineficiência?
Ou fica combinado que um pouquinho de cada não altera a ordem dos fatores nem tampouco abala os interesses envolvidos?
Um teatro, isto sim foi o que se armou a fim de propiciar o recuo das partes sem grandes traumas. Demitisse o ministro, o presidente Luiz Inácio da Silva estaria entregando o mandato ao líder do PMDB na Câmara.
Se desse a ele respaldo para entrar de pau e pedra na Funasa, o PMDB lhe arrancaria pedaços em outras áreas. Feito o acerto, só Temporão ficou no prejuízo, porque era o único a dispor de algo a perder com o pacto de boa convivência com uma dose de corrupção e ineficiência.
Para o PMDB não poderia haver solução mais satisfatória. Não conseguiu se livrar de Temporão, mas pôde assistir com deleite à autodestruição de uma boa imagem de homem público que a partir de agora passa a se integrar de corpo e alma aos estatutos daquela gafie...quer dizer, agremiação partidária.
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