Sete Dias
jornal do brasil
A crise desmoralizada – Sem medo da marolinha, o governo anistia os exploradores da pilantropia
"Qui prodest?", perguntavam em latim, já na abertura da investigação, os encarregados de (ou interessados em) elucidar alguma delinqüência ocorrida nos domínios do Império Romano. "A quem isso aproveita?", continuam ensinando a perguntar, em juridiquês, professores das Faculdades de Direito. "Quem saiu ganhando com essa bandidagem?", deveriam aprender a perguntar, em língua de gente, milhões de brasileiros sucessivamente afrontados por tungas concebidas por punguistas federais em parceria com meliantes disfarçados de empresários.
Se o Brasil fizesse sentido, até as tribos isoladas na Amazônia estariam perguntando aos berros quem sairá ganhando com a Medida Provisória nº 446 (podem chamá-la de MP da Pilantropia que ela atende). Enviada ao Congresso numa sonolenta segunda-feira, destina-se em tese a "organizar o recadastramento das entidades filantrópicas". Na prática, é uma ultrajante prova material de outra ilegalidade bilionária. A assinatura do presidente não o transforma necessariamente em suspeito. Lula não escreve sequer bilhetes pedindo para acordar mais cedo.
A pretexto de esvaziar os armários onde cochilam milhares de pedidos de renovação de certificados de filantropia, o governo juntou culpados e inocentes no mesmo balaio presenteado com a anistia ampla, geral e irrestrita. Tanto instituições respeitáveis quanto entidades menos confiáveis que os 40 do Mensalão ficam liberadas do acerto de contas.
O papelório oficializa a aprovação automática de quase 8.300 pedidos estacionados no Conselho Nacional de Assistência Social. A imensidão de requerimentos contemplada pelo perdão inclui pelo menos 2.274 entidades escancaradamente envolvidas com pilantragens e patifarias que garantem o sono dos exploradores da pilantropia.
Assustados com a possibilidade da perda do direito à isenção fiscal, os filantropos de araque festejam desde a semana passada a MP da Pilantropia. Aprovada a abjeção, estarão dispensados de pagar os mais de R$ 2,1 bilhões que devem aos contribuintes forçados a sustentar governos perdulários. Não é pouca coisa, mas é só parte do desperdício.
Sob a alegação de que o Executivo anda emperrando a pauta do Legislativo com a demasia de medidas provisórias, o presidente do Senado, Garibaldi Alves, decidiu devolver a MP ao Planalto. Mas a esperteza descansa numa comissão, à espera das manobras do Planalto. Se a aliança governista for obediente, Lula vai provar que a crise pode ter cara de tsunami em outras paragens. Por aqui, é uma marolinha. Tanto é que o governo se recusa a receber uma bolada que nem os americanos deixariam de embolsar.
Em 2007, graças à isenção fiscal concedida a 5.630 entidades, saíram pelo ralo R$ 4,4 bilhões. Entre janeiro e setembro deste ano, a generosidade suspeitíssima resultou no sumiço de R$ 3,6 bilhões. Nada demais, explica o deputado Henrique Fontana, líder do governo na Câmara. "Não podemos desconsiderar o princípio da presunção da inocência", declamou. Qui prodest?
Boa pergunta. A resposta está nos gabinetes onde se homiziam figurões federais e nas salas da presidência de empresas que simulam amor ao próximo para lucrar com vigarices.
José Serra acabara de deixar o Ministério da Saúde para disputar a Presidência quando os primeiros casos de dengue anunciaram a epidemia de 2002. Culpa do ex-ministro e do seu chefe FHC, decretou o também candidato Lula. Neste fim de primavera, a doença só não ressurgiu ainda mais musculosa no Estado que Serra governa. Os 44.760 casos registrados em São Paulo no primeiro trimestre de 2007 caíram para 1.297 neste ano. Há cinco meses a dengue não dá as caras na capital. Serra está fora dessa. Lula não abriu o bico sobre a epidemia. O Brasil deduz que, como em 2002, a culpa é do presidente e do seu ministro. Mais de oito anos depois de ter executado Sandra Gomide com uma bala nas costas e outra na cabeça, o jornalista Antonio Pimenta Neves continua em liberdade. Mas não poderá trabalhar como advogado: a OAB negou-lhe a carteirinha que reivindicava. Se foi o começo da grande faxina, o clube dos bacharéis terá de excluir do quadro de associados os milhares de office-boys dos bandos que governam os presídios. Essa multidão garante a eficácia do único serviço de pronta entrega especializado em celulares, mulheres, armas ou sentenças de morte. Como o rábula Pimenta Neves, todos devem ser transferidos da OAB para a cadeia. O relatório do delegado Ricardo Saadi, objetivo e consistente, recolocou as coisas no devido lugar: os holofotes que acompanham as pirotecnias de Protógenes Queiroz e a loquacidade do juiz Fausto De Sanctis devem concentrar-se nas bandidagens promovidas pela quadrilha liderada por Daniel Dantas. Só o advogado Nélio Machado vive jurando, sem ficar ruborizado, que seu cliente jamais delinqüiu. Mas é improvável que o doutor se atrevesse a declamar a enormidade caso estivesse conectado a um detector de mentiras que revidasse com choques cada tentativa de enganá-lo. Já teria sido eletrocutado. Dengue dispensa a ajuda de Serra
Um bandido a menos no clube
Dantas volta ao centro do palco
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