Como veremos nosso presente no futuro?
Depois de 17 anos de jornalismo, vou fazer um filme de época, passado no Rio, no final dos anos 50 (meus inimigos dirão: "Mais um abacaxi..."). Não é autobiográfico, mas contém, claro, detritos de minha vida de adolescente, naqueles anos maravilhosos entre o fim do pós-guerra e a chegada dos anos 60, que o golpe militar derrubou. Por isso, ando pesquisando rostos, gestos, sentimentos daqueles anos remotos. Minhas primeiras pesquisas foram em casa mesmo: minha família, a rua de minha infância profunda, esquinas baldias, quintais com gato, canário e galinheiro, vira-latas mijando nos postes. Meu pai foi aos Estados Unidos e comprou uma máquina de filmar, de 8mm, Kodak. Tenho essa câmera até hoje e, de vez em quando, fico olhando o buraco da lente por onde passou minha vida. Meu pai fez um verdadeiro longa-metragem de nossa família. Minhas primeiras imagens são quase de fraldas, e as últimas mostram-me com 20 anos, recebendo a espada de aspirante da reserva, perfilado no quartel do Exército. Lá estou eu, moleque jogando ioiô, soltando pião, lá estão meus pais, lindos, jovens, se beijando. Minha mãe era a Greta Garbo, e meu pai, um xeque meio Rodolfo Valentino, e eles ainda se beijam, ali na tela, em tênue close up por toda a eternidade. Nas imagens trêmulas, fora de foco, vi minha pobre família de classe média, tentando uma felicidade precária, constrangida, me vi de novo, menino comprido feito um bambu ao vento, com as neuroses que até hoje me crispam a alma. Na tela, vi que minha crise de identidade já estava traçada. Agora, meu filho de 8 anos brinca com a câmera de 8mm; explico-lhe o mistério do buraquinho mágico da câmera, mas ele não se liga nessas falas analógicas - digital, contemporâneo, já na internet. Sozinho, fui atrás de velhos filmes da época. Queria ver, no passado, se havia alguma chave que explicasse meu presente ou revelasse algo que perdi, que o Brasil perdeu... Mas o que me impressionou nos filmes velhos a que assisti foi o décor, foram os exteriores, as ruas do Rio antigo. Ali, estava gravado aquele presente dos anos 50, que me pareceu um presente atrasado, "aquém" de si mesmo. A mesma impressão tive quando vi o filme famoso de Orson Welles "It"s all true", com as cenas do carnaval carioca em Tecnicolor (espantosamente, são as únicas imagens a cores do Brasil daquele tempo). Dava para ver nos corpinhos dançantes do carnaval uma medíocre animação carioca, com pobres baianinhas em tímidos meneios, galãs fraquinhos imitando Clark Gable, todos com uma visível falta de saúde, nos corpos, nos olhos baços, adivinhando-se a alimentação pobre e a informação rala. Dava para ver a fragilidade indefesa e ignorante daquele povinho dançando, iludido pelos burocratas da capital. Dava para ver ali que, como no filme de minha família, faltava muita substância naquele passado. No entanto, se vemos os filmes americanos dos anos 40 e 50, não sentimos falta de nada. Com suas geladeiras brancas e seus telefones pretos, cabelos altos e chapéus, tudo já funcionava como hoje. Mudaram os figurinos, mas eles, no passado, estavam à altura de sua época. A recessão de hoje vai mudar a cara americana, sem dúvida, mas aos poucos tudo vai se voltar, porque seu DNA ianque se recompõe, e eles continuarão sólidos em sua marcha obsessiva. Por outro lado, nós, brasileiros, éramos carentes de alguma coisa que desconhecíamos - aliás, como hoje, pois continuamos "anestesiados, mas sem cirurgia", em nosso subdesenvolvimento endêmico (M. H. Simonsen). Como éramos atrasados naquele "presente". Nos filmes brasileiros antigos parece que todos morreram sem conhecer seus melhores dias. Por que não avançamos do atraso para uma modernização verdadeira? Porque nosso presente é uma mistura de irrelevâncias com raríssimas mudanças estruturais e importantes. O atraso resiste em todas as áreas da vida. O essencial nunca é feito, principalmente neste governo que já boiou por cinco anos nos feitos da administração anterior e na "bolha" financeira que nos mandou dinheiro fácil, mas que agora estourou. E o Lula, o mascote da esquerda "boa-praça", o "operário-padrão" queridinho do G-8, finge que a crise é "coisa de gringos", que não o atingirá, como se fosse um novo "mensalão" global. Nosso presente não tem mais a luz triste, preto-e-branco do passado; tem cores vivas, digitais, internet e progressos aparentes, mas tudo encravado num mar de miséria e atraso. Basta ver o rosto do povo em qualquer rua. O que chamamos de Brasil moderno é uma ilha maldita de "Caras", uma selva de celebridades inúteis, se batendo, se comendo, se exibindo numa ociosidade patética. Como nos veremos do futuro, daqui a décadas? Não veremos os ridículos fracotes mal alimentados dos anos 40 e 50; mas veremos um show de mediocridades travestidas de "avançadas". O Brasil está tonto, perdido entre novidades técnicas, cercadas de miséria e estupidez. Somos um gigante com os pés metidos na lama, na corrupção, na violência, mas posando de tecnológicos e cibernéticos. Como criaremos um presente moderno sem reformas no Estado e no Judiciário? Como ser "moderno" com freiras assassinadas e matadores soltos? Como - se os colarinhos brancos riem na cara do país, impunes para sempre? Assistimos a chacinas diárias entre chips e websites. Temos Ferraris nas ruas e tiroteios em Ipanema. "High School musical" na TV e crianças esquartejadas na vida real. Vivemos um narcisismo brega, desinformado, balbuciando reclamações vagas, sem união para protestos, sem desejos claros para vocalizar. Nosso atraso cria a utopia de que, um dia, chegaremos a algo definitivo. Mas ser subdesenvolvido não é "não ter" futuro; é nunca estar no presente. |
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