quinta-feira, setembro 04, 2008

Ambigüidades presidenciais

Celso Ming
Estadão


A ambigüidade é uma notória característica dos políticos e o presidente Lula é um político. Nos últimos 40 dias, Lula foi especialmente ambíguo em relação à Petrobrás.
Para justificar a elaboração de um projeto de mudança do marco regulatório do petróleo, sentiu-se na obrigação de rebaixá-la. Avisou que o petróleo pré-sal é do povo e não dela; passou para a opinião pública o ponto de vista de que os interesses da Petrobrás atropelam os interesses nacionais, na medida em que mais de 60% do seu capital pertence a acionistas privados do Brasil e do exterior; e deixou escapar do Palácio do Planalto seu desconforto com o que entende ser excesso de poder da estatal, por ter ela se recusado a cumprir determinações do governo na área do gás e dos biocombustíveis.
Terça-feira, a bordo da plataforma P-34, enquanto se lambuzava com o óleo extraído do pré-sal no Campo de Jubarte, Lula mudou seu discurso e enalteceu a Petrobrás, como se considerasse como não dito o que dissera ou deixara vazar anteriormente.
É possível que essa mudança reflita algo mais do que vacilações presidenciais. Suas idéias podem ter amadurecido e, com elas, se formado a percepção de que não dá para explorar o pré-sal sem dar à Petrobrás um papel proeminente. Não há empresa que detenha mais informações, experiência e melhor tecnologia do que ela para explorações a grandes profundidades.
Do debate confuso e desencontrado travado nas quatro últimas semanas dá para extrair pelo menos três conclusões.
A primeira é a de que para obter os benefícios pretendidos pelo governo Lula não é preciso nem criar uma nova estatal nem mudar as regras do jogo. O governo quer mais dinheiro para aplicar em educação e em infra-estrutura? Basta ajustar as alíquotas das participações especiais, como a lei prevê. E, se quer mais dinheiro mais rapidamente, melhor é manter o regime de concessões hoje adotado, por meio do qual poderia embolsar polpudos bônus de assinatura, instrumento pelo qual o concessionário adquire o direito de explorar e produzir nas áreas sob concessão. A nova estatal atenderia mais a objetivos políticos do que técnicos.
O outro regime, o de partilha (Production-Sharing Agreement, PSA), pressupõe que as primeiras receitas para o governo só viriam sete ou oito anos depois, quando começasse a produção e já tivessem sido deduzidos os investimentos feitos (cost oil) - e esta já é a segunda conclusão. De mais a mais, se o governo quer evitar que os acionistas privados da Petrobrás se beneficiem da produção do petróleo pré-sal, terá de se conformar com remunerar outras empresas, desta vez inteiramente estrangeiras. E, se quer aproveitar o desenvolvimento dos campos de petróleo para desenvolver a indústria de base ligada ao setor, a melhor maneira de fazê-lo ainda é por meio da Petrobrás.
Terceira conclusão: o setor público brasileiro não dispõe das centenas de bilhões de dólares necessárias para os investimentos no pré-sal. Terá de recorrer ao capital privado para trazê-las. A idéia de que esses recursos podem ser adiantados (securitizados) implica aumento do endividamento público em grandes proporções, o que não parece recomendável.

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