segunda-feira, julho 01, 2019

Um juiz pra chamar de seu - LUIZ FELIPE PONDÉ

FOLHA DE SP - 01/07

O excesso de demandas ao judiciário é índice de retardo mental social em escala

Às vezes tenho dó dos juízes e juízas (para que não digam que não reconheço o sexo na magistratura). Logo terão de decidir se um casal em “conchinha na cama”, e ela se esfregando de costas no cara, se ela queria ou não transar. É evidente que logo surgirão centenas de casos envolvendo cães, gatos, passarinhos, larvas de estimação e afins. O mundo segue sua trajetória irrevogável em direção a infantilização.

Quem tem o direito de decidir o lugar da escova de dentes na pia do banheiro? Como decidir quem deve decidir a marca da pasta de dente? Com a emancipação masculina em curso, os homens portadores da nova masculinidade (ou deveria dizer novas masculinidades, já que existe uma masculinidade para cada homem?), seguramente exigirão o direito de decidir a marca da pasta de dente.

As mulheres, por sua vez, já há décadas nessa estrada da maioridade ou emancipação, se queixarão da suposição de que escolher a marca da pasta de dente seria “função do gênero feminino” —“@s juízes” decidirão?

Na verdade, marchamos para uma situação em que pessoas exigirão o direito, enquanto cidadãos, de ter um juiz para cada uma delas. Um juiz do trabalho, cível, criminal, e por aí vai.

Claro que deverá ser um algoritmo. No futuro próximo, terão acesso a um juiz app para baixar no celular e decidir quem tem o direito de escolher o vinho no restaurante e se você tem ou não direito de comer carne numa mesa ao lado de um vegano. Cometer esse ato poderá ser considerado irresponsabilidade afetiva para com as emoções do cidadão da mesa ao lado, que se sentirá ofendido com a indiferença alimentícia praticada pelo carnívoro boçal.

Há pouco dias me contaram que numa muito importante universidade dos Estados Unidos, mandar um email num grupo de pesquisa virou um inferno. A questão é: como usar a gramática diante do fato de que você poderá ofender a um transgênero caso haja um (ou uma?) na equipe que recebe o email?

Quem ainda acha que o politicamente correto é “necessário” é porque ganha dinheiro com ele ou porque não percebeu ainda que essa prática é uma forma de censura destruidora da capacidade de pensar, agir, escrever e falar. A desarticulação que o politicamente correto causa na educação, na ciência, na publicidade, na política é indicativo de que ele se transformou num mercado em si.

Pela primeira vez na história uma forma de censura se fez mercado: o politicamente correto é uma forma de inquisição ao portador. E o linchamento constante típico das redes sociais torna o politicamente correto uma arma contra patrocinadores, profissionais do esporte, da arte (esses, normalmente, já vendidos ao politicamente correto), da mídia, da política, do Poder Judiciário, enfim, toda forma de atividade pública.

O mercado jurídico cresce para advogados que adoram esse inferninho. Se você pode ser processado por respirar para o lado errado, os advogados adoram. Já os juízes, não sei. Trabalhar como juiz numa sociedade de retardados mentais sociais não me parece a coisa mais fácil do mundo.

As pessoas se recusam ao uso da autonomia ou do senso comum e decidiram que precisam de um “juiz para chamar de seu”. Ninguém assume nada, apenas terceirizam. Já terceirizavam filhos, idosos, animais, agora vão terceirizar o ato de decidir questões cotidianas. O excesso de demandas ao judiciário é índice de retardo mental social. Os advogados ganharão mais dinheiro com esse retardo mental social.

A própria gestão da cidade cede a infantilização do convívio social. Exemplo: na região da praça Panamericana, na zona oeste da cidade de São Paulo, numa das esquinas de maior trânsito do local acima citado, uma daquelas empresas que investem no “brincar de Amsterdã” instalou suas bicicletas para riquinhos usarem, fechando uma faixa inteira da rua.

Em vez de simplesmente proibir as pessoas de pararem o caro ali, como paravam, e assim, desafogar o acesso complicado à praça Panamericana nos horários de pico, a gestão pública investiu no “brincar de Amsterdã”. Qual seria a causa de ato tão regredido em nome das modinhas de comportamento?

Uma hipótese possível é o puro e simples retardo mental social como fenômeno crescente nas sociedades ocidentais. Talvez como forma decorrente do consumismo e do individualismo. Se sou poderoso como consumidor, serei como cidadão que só quer o mundo aos seus pés. Consumir a condição infantojuvenil como parte dos direitos civis. Um parque temático de retardados descolados.

Luiz Felipe Pondé
Escritor e ensaísta, autor de “Dez Mandamentos” e “Marketing Existencial”. É doutor em filosofia pela USP.

Aprovado o plano de internet das coisas - RONALDO LEMOS

FOLHA DE SP - 01/07

Brasil é exímio elaborador de planos, mas ainda não os conseguimos executar

No dia 25 de junho foi publicado o decreto que cria o Plano Nacional de Internet das Coisas no Brasil. O termo internet das coisas (ou IoT, internet of things) diz respeito à onda crescente de dispositivos, sensores e outros aparelhos que estão progressivamente se conectando à internet.

IoT é a camada que faz a intermediação entre o mundo digital e o mundo real. É a partir da IoT que dados do mundo real são coletados para o digital e também por meio dela que decisões tomadas no mundo digital (inclusive automaticamente) são concretizadas no mundo real.

Em síntese, estamos falando de uma questão que tem impacto direto no desenvolvimento de qualquer país e que permitirá a implementação de temas como cidades inteligentes, GovTechs etc.

Se bem utilizado, pode até levar a saltos de produtividade na indústria, à melhoria de serviços públicos e ao aumento da competitividade no campo, com a chamada agricultura de precisão.

Por tudo isso é muito positivo que o Brasil tenha agora um plano de IoT para chamar de seu. O plano consagra a livre concorrência e a livre circulação de dados como seus pilares, respeitados os princípios da segurança da informação e da proteção de dados pessoais.

Esses princípios estão fundamentados em um estudo que desenvolve cada um deles de forma ampla, tendo em vista sua implementação pelo poder público.

O estudo foi elaborado por um consórcio de organizações a pedido do Ministério das Comunicações, Ciência, Tecnologia e Inovação e do BNDES (vale mencionar que participei da sua elaboração).

Além disso, o decreto prioriza quatro temas para implementação da IoT no país: saúde, cidades, indústrias e aplicações rurais.

O plano também amplia a definição de sistemas de comunicação chamados de “máquina a máquina”, que são o pilar da IoT. Essa definição é importante, porque permite reduzir o valor das taxas pagas para o Fistel (Fundo de Fiscalização das Telecomunicações), criando assim condições tributárias mais favoráveis a esses dispositivos.

O decreto cria também um órgão responsável por implementar todas as medidas, chamado de Câmara IoT. Esse órgão é formado por representantes de cinco ministérios, incluindo Economia e Saúde.

Nesse ponto o decreto foi insuficiente. O modelo mais adequado para implementar um plano como esse é sempre o do multissetorialismo.

A Câmara IoT deveria ser formada de forma permanente por representantes de diversos setores da sociedade, incluindo o setor privado e a comunidade científica.

O setor público sozinho pode fazer muito pouco em processos complexos de implementação tecnológica, como é o caso da IoT.

Cabe agora executar o plano. Nos últimos anos, o Brasil tornou-se um exímio elaborador de planos, que no papel são incríveis. No entanto, ainda não nos tornamos executores dos planos que elaboramos. A maior parte deles logo é abandonada ou é deixada de lado em nome do improviso e de mudanças de última hora.

Para um país se desenvolver, a premissa é simples. É preciso ter um plano. E depois é preciso seguir esse plano. Que a área de IoT se torne um exemplo positivo também na sua execução.

Reader

Já era Grandes cidades sem veículos compartilhados

Já é Compartilhamento de carros, bicicletas e patinetes

Já vem Compartilhamento de pula-pulas (como o Cangoroo.tech)

Ronaldo Lemos
Advogado, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro

Reduzir imposto tem o seu preço - MARCIA DESSEN

FOLHA DE SP - 01/07

Cuidado para não pagar, em taxa de administração, a economia de Imposto de Renda

A renda de Theo aumentou! Recém-aposentado, agora recebe o teto do benefício do INSS, além do salário da empresa em que continua trabalhando.

Como ambas as rendas são tributáveis, a má notícia é que passou a pagar mais imposto. Antes, recebia restituição na declaração de ajuste anual. Em abril deste ano, não gostou nem um pouco de desembolsar valor equivalente a dois meses de aposentadoria em pagamento de imposto adicional ao retido na fonte.

Para reduzir a mordida do leão, Theo precisa aumentar as despesas dedutíveis, neutralizando o aumento da renda tributável. O PGBL, plano de previdência privada com incentivo fiscal, pode ser a saída para ele.

Entretanto, é preciso avaliar, principalmente, os custos do plano, caso contrário a despesa pode apenas mudar de nome, mas continuar a mesma: ele pagará para a seguradora, em taxas administrativas, o que paga atualmente, de imposto, para a Receita Federal.

Aderir a um PGBL permitirá a Theo adiar o pagamento do IR sobre o valor depositado no plano para a data de resgate e, também, reduzir a carga tributária dos atuais 27,5% para 10%.

Para isso, deve optar pelo regime de tributação definitiva (tabela regressiva) e esperar dez anos, prazo mínimo exigido para ter direito a essa alíquota. Se o resgate é feito no curto ou médio prazo, a estratégia não funciona.

Se sacar em até dois anos (IR de 35%) ou entre 2 e 4 anos (IR de 30%), o tiro sairá pela culatra.

A alíquota de 20%, para saques entre 6 e 8 anos, pode ser considerada o ponto de equilíbrio em relação à situação fiscal atual. O benefício virá a partir de dez anos (contados a partir da data de cada depósito), com a alíquota reduzida de 10%.

Supondo renda anual de R$ 100 mil, alíquota de 27,5% e parcela a deduzir de R$ 10.432 (tabela progressiva vigente em 2019) e inexistência de despesas dedutíveis, Theo pagará IR de R$ 17.068.

Se aportar R$ 12 mil (limite de 12% da renda tributável) em um PGBL, sua renda tributável em 2019 será de R$ 88 mil, e o IR devido, R$ 13.768. O imposto diferido será de R$ 3.300.

No resgate em prazo superior a dez anos, sobre a renda diferida (R$ 12 mil) incidirá IR de 10%, ou seja, R$ 1.200. Theo economizará R$ 2.100 de IR, ou seja, redução de imposto de 12 pontos percentuais, após parcela a deduzir e diferimento do PGBL.

Porém parte dessa economia será despendida considerando a diferença entre o custo de investir em um PGBL ou em outras aplicações, sem incentivo fiscal.

Suponha taxa de administração de 1% ao ano no PGBL e de 0,25% ao ano no Tesouro Direto. Theo terá custo adicional de 0,75 ponto percentual —em dez anos, 7,5% sobre o capital corrigido.

Comparando os dois investimentos, depois de pagar taxas administrativas e IR, o ganho de Theo será de aproximadamente 4,5%, após dez anos, carência necessária para a estratégia funcionar.

A economia aumentará se adicionarmos a essa conta outras despesas e tributos que podem ser evitados em razão do plano de previdência, tais como custos de inventário (em todos os casos) e incidência do ITCMD (dependendo da legislação de cada Estado), se o plano for mantido e usado para sucessão patrimonial.

Vale lembrar que o IR das aplicações em renda fixa, sem incentivo fiscal, é 15% a partir de 721 dias. Entretanto, existem também opções isentas de imposto que podem ser avaliadas.

A estratégia é boa, mas não é de graça, tem o seu custo. Faça as contas para saber se você pode se beneficiar dela também, assim como Theo.

Se não puder esperar dez anos, lembre-se de que está pagando mais imposto porque está ganhando mais.

Marcia Dessen
Planejadora financeira CFP (“Certified Financial Planner”), autora de “Finanças Pessoais: O Que Fazer com Meu Dinheiro”.

Entenda reportagem e diálogos que mostram que Lula foi condenado sem provas - REINALDO AZEVEDO

UOL-30/O7


Acabou a conversa mole, e está revelada a patranha. Reportagem publicada pela Folha neste domingo, em parceira com o site "The Intercept Brasil", evidencia que os procuradores da Lava Jato sempre souberam que não havia provas para condenar o ex-presidente Lula no caso do tríplex. Este post é longo, sim, leitor! Vai ajudá-lo a entender a reportagem da Folha. O assunto me é especialmente caro porque entrei na mira dos idiotas quando afirmei, tão logo Deltan Dallagnol apresentou a denúncia contra Lula, no dia 14 de setembro de 2016, que não havia provas. E fiz o mesmo quando o Moro expediu a sentença condenatória, em 12 de julho de 2017.

Se você ler a sentença de Moro que condenou Lula, não vai encontrar os fatos — NESSE CASO, TAMBÉM CHAMADOS DE PROVAS — que justificam a denúncia apresentada pelo MPF. E a culpa não será sua, leitor. Não se trata de um déficit de entendimento. É que as tais provas não foram apresentadas pelo MPF porque os procuradores não as tinham.

Se você pertencer à seita morista, a exemplo dos que vão "protestar a favor" (!?) do ex-juiz neste domingo, faça como o seu herói: dê de ombros, não ligue, olhe para o outro lado. Afinal, o doutor eternizou nos autos esta maravilha:


"Este juízo jamais afirmou, na sentença ou em lugar algum, que os valores obtidos pela Construtora OAS nos contratos com a Petrobras foram usados para pagamento da vantagem indevida para o ex-Presidente".

Entenderam? O glorioso Sérgio Moro transformou a condenação sem provas, alicerçada em suposições que nada têm a ver com os autos, numa nova categoria da Justiça brasileira. E alguns bocós saem por aí a dizer: "Ah, mas a sentença foi referendada pelo TRF-4 e pelo STJ". É mesmo? A Terra se tornará quadrada se tribunais de segunda e terceira instância resolverem comprar de um juiz de primeira instância a versão da quadratura do planeta?

Ora, se o próprio juiz diz que o apartamento não tem origem nos contratos da OAS com a Petrobras, cabem duas perguntas:

1: por que ele chamou para si um caso que nada tinha a ver com a Petrobras se ele era o juiz designado para cuidar apenas dos casos que tinham vínculos com a… Petrobras?

2: o doutor, então, condenou Lula com base em quê?


AS RESPOSTAS

A pergunta número um não tem resposta. Moro, então, não era o juiz do caso. Ademais, a primeira leva de diálogos revelada pelo site "The Intercept Brasil" deixa clara a manobra para levar para Curitiba a investigação do tal tríplex do Guarujá, que se dava em São Paulo e estava relacionada ao caso Bancoop. Não sei se lembram: ao tratar do assunto, Dallagnol usou até a palavra "tesão".

Esse mundo é vasto e variado, e as pessoas têm o direito de sentir tesão por porco-espinho, cabo de guarda-chuva e suco de jiló. O tesão é livre em relações consensuais, desde que não incluam crianças. Recomendo também que se excluam os bichos, coitadinhos! O que não pode é uma inclinação erótica contribuir para prender pessoas sem provas.

A pergunta número dois tem resposta, e ela nos conduz, então, à reportagem deste domingo publicada na Folha. Moro explicou por que condenou Lula:

"A corrupção perfectibilizou-se com o abatimento do preço do apartamento e do custo da reforma da conta geral de propinas, não sendo necessário para tanto a transferência da titularidade formal do imóvel"

DE VOLTA À REPORTAGEM

"Conta geral de propinas?" Mas qual "conta geral de propinas"?

Isso simplesmente não estava nos autos e era um assunto ignorado pelos senhores procuradores que cuidavam do caso. E agora isso fica ainda mais claro nas conversas dos valentes, publicada pela Folha:

26.ago.2016
Anna Carolina 19:52:1
1 Tinha isso de conta clandestina de Lula?
19:52:19 Esses Advs não valem nada
Jerusa 19:53:02 Nao que eu lembre
Ronaldo 20:45:40 Também não lembro. Creio que não há.
Sérgio Bruno 21:01:10 Sobre o Lula eles não queriam trazer nem o apt. Guaruja. Diziam q não tinha crime. Nunca falaram de conta.


A reportagem evidencia que os procuradores desconfiavam das versões apresentadas por Léo Pinheiro. Os elementos que levaram o juiz Sérgio Moro a condenar Lula, pois — QUE NADA TINHAM A VER COM OS CONTRATOS COM A PETROBRAS (logo, ele nem era juiz da causa) — foram a tal conta geral de propina, de que os procuradores nunca tinham ouvido falar ao longo da investigação, e uma suposta orientação de Lula para o empresário destruir provas. E isso? Já havia aparecido nos autos? Deixemos a resposta com a procuradora Jerusa Viecili:

Jerusa 13:32:25 Houve ordem para destruição das provas. Nisso a empresa foi desleal, pois nunca houve afirmação sobre isso. Salvo quando leo falou no interrogatório sobre destruição de provas, não houve menção a este assunto.
14:09:21 Leo parece que está escondendo fatos também


UM INTERROGATÓRIO, UMA CONDENAÇÃO, UM PRÊMIO

Como se nota, na fala acima, há uma menção ao interrogatório. Informa a Folha:

Em seu depoimento, em 24 de abril, o empreiteiro [Léo Pinheiro] afirmou que tinha uma conta informal para administrar acertos com o PT, introduzindo pela primeira vez o tema em sua versão. Além disso, acusou Lula de orientá-lo a destruir provas de sua relação com o partido após o início da Lava Jato.
O depoimento foi decisivo para o desfecho do caso do tríplex, porque permitiu a Moro conectar o apartamento à corrupção na Petrobras, justificando assim a condenação do ex-presidente Lula pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
Mensagens trocadas por Deltan com seus colegas e Moro nessa época, publicadas pelo Intercept no início do mês, revelam que a força-tarefa se preocupava com a fragilidade dos elementos que tinha para estabelecer essa conexão, essencial para que o caso ficasse em Curitiba e fosse julgado por Moro.


Entenderam?

Ao longo de toda a investigação, nem Léo Pinheiro nem seus advogados haviam mencionado a tal "conta geral de propinas" ou a destruição de provas. Isso só veio a público no depoimento dado pelo empreiteiro no dia 24 de abril de 2017. Informa a Folha:
"No mês seguinte, o Ministério Público pediu a Moro que reduzisse pela metade a pena do empreiteiro no caso do tríplex, como prêmio pela colaboração no processo. Em julho, o juiz o condenou a 10 anos e 8 meses de prisão, mas o autorizou a sair quando completasse 2 anos e 6 meses atrás das grades."

Como não há limites para a falta de decoro e como parece haver na Força Tarefa mais a determinação de parecer honesto do que a de ser honesto, Deltan Dallagnol, sempre ele, se preocupava, então, com as aparências. Moro condenou Lula no dia 12 de julho de 2017. No dia seguinte, Deltan conversava com seus pares:

13.jul.2017
Deltan 17:10:32 Caros, acordo do OAS, é um ponto pensar no timing do acordo com o Léo Pinheiro. Não pode parecer um prêmio pela condenação do Lula


Vale dizer: não podia parecer aquilo que, de fato, era: um prêmio! Até porque, ora vejam, Pinheiro já havia feito antes uma delação, mas foi suspensa por Rodrigo Janot. E as negociações só foram oficialmente retomadas depois que o empresário acusou a existência de uma suposta conta geral de propinas — DE QUE NÃO SE TEM PROVA NENHUMA — e de uma suposta orientação de Lula, também impossível de ser demonstrada, para esconder provas.

Vejam acima o diálogo de 26 de agosto. Nas tratativas para a primeira delação, Léo Pinheiro já havia sido indagado sobre o apartamento e sustentava, segundo o procurador Sérgio Bruno, "que não havia crime".

O "JURISTA REINALDO AZEVEDO"

É por isso, leitor amigo, que, caso você decida ler a denúncia do Ministério Público Federal e a sentença de Moro — os links estão neste texto —, não vai encontrar as provas. Elas não existem. Como os diálogos evidenciam, Lula foi condenado em razão de um único depoimento de Léo Pinheiro a Sérgio Moro.

Deltan Dallagnol apresentou a denúncia contra Lula no dia 14 de setembro de 2016. Dois dias depois, como revelou "The Intercept Brasil", ele trocou mensagens com Sérgio Moro. Reproduzo trecho:

No dia seguinte, quarta-feira, 14, a Lava Jato mostraria sua primeira denúncia contra Lula, numa entrevista coletiva em uma sala de reuniões de um hotel de luxo em Curitiba. O triplex – segundo a Lava Jato, reformado pela OAS e doado ao político como propina em contratos da empreiteira com a Petrobras – era a peça central da denúncia por corrupção passiva e lavagem de dinheiro.

Dallagnol voltaria ao assunto numa conversa privada com o então juiz Sergio Moro, em 16 de setembro, dois dias após a denúncia. O procurador estava sendo duramente criticado por parte da opinião pública, que alegava fragilidade na denúncia. Tinha virado, também, alvo de chacotas e memes pelo PowerPoint que apresentou na entrevista coletiva.

O coordenador da Lava Jato escreveu a Moro: "A denúncia é baseada em muita prova indireta de autoria, mas não caberia dizer isso na denúncia e na comunicação evitamos esse ponto." Depois, entrou em detalhes técnicos: "Não foi compreendido que a longa exposição sobre o comando do esquema era necessária para imputar a corrupção para o ex-presidente. Muita gente não compreendeu porque colocamos ele como líder para imperar 3,7MM de lavagem, quando não foi por isso, e sim para inputar 87MM de corrupção."

Em privado, Dallagnol confirmava a Moro que a expressão usada para se referir a Lula durante a apresentação à imprensa ("líder máximo" do esquema de corrupção) era uma forma de vincular ao político os R$ 87 milhões pagos em propina pela OAS em contratos para obras em duas refinarias da Petrobras – uma acusação sem provas, ele mesmo admitiu, mas que era essencial para que o caso pudesse ser julgado por Moro em Curitiba.

Preocupado com a repercussão pública de seu trabalho – uma obsessão do procurador, como demonstra a leitura de diversas de suas conversas –, ele prossegue: "Ainda, como a prova é indireta, 'juristas' como Lenio Streck e Reinaldo Azevedo falam de falta de provas. Creio que isso vai passar só quando eventualmente a página for virada para a próxima fase, com o eventual recebimento da denúncia, em que talvez caiba, se entender pertinente no contexto da decisão, abordar esses pontos", escreveu a Sergio Moro.

Dois dias depois, Moro afagaria o procurador: "Definitivamente, as críticas à exposição de vcs são desproporcionais. Siga firme." Menos de um ano depois, o juiz condenaria Lula a nove anos e seis meses de prisão.


CONCLUINDO

Como fica evidente, a pantomima do PowerPoint buscava apenas disfarçar a falta de provas, que já era apontada por este "jurista". O espetáculo foi só um jeitinho de tentar transformar o apartamento em prova de propina, O QUE SERGIO MORO IGNOROU EM SUA SENTENÇA.

Para acusar Lula, ele recorreu ao depoimento de Léo Pinheiro, com afirmações que não tinham como ser comprovadas.

Os diálogos dos procuradores evidenciam de forma cabal que, ao longo das investigações, nunca se havia falado em conta geral de propinas e em orientação para destruir provas.

E assim se mandou um ex-presidente para a cadeia e se elegeu um presidente da República.

E assim se fez um ministro da Justiça.

Este mesmo que está sendo incensado nas ruas neste domingo.

Em nome do combate à corrupção.

Não é uma bela história?

A Libra na balança dos reguladores - GUSTAVO LOYOLA

Valor Econômico - 01/07

São relevantes os riscos de assimetrias regulatórias resultantes do ingresso das "bigtechs" nas finanças



O lançamento pelo Facebook do seu projeto de moeda digital - a Libra - provocou uma imediata reação das autoridades responsáveis pela regulação dos mercados financeiros, seja no âmbito internacional, seja no âmbito doméstico de diferentes países. Não poderia ter sido diferente. Seria ingênuo pensar que o ingresso das "bigtechs" no mercado de pagamentos internacionais pudesse passar sem resposta dos reguladores, tendo em vista os riscos envolvidos.

Vale notar que a preocupação dos governos com as chamadas moedas digitais já existia bem antes da apresentação do projeto da Libra. Os criptoativos como o bitcoin já vinham sendo motivo de grande preocupação não porque fossem vistos como possíveis substitutos das moedas soberanas, mas principalmente pelo seu potencial uso na lavagem de dinheiro sujo. No caso da Libra, as preocupações vão além, passando por questões como estabilidade financeira sistêmica, privacidade de dados pessoais e abuso de poder de mercado pelas "bigtechs".

Nesse sentido, o teor da carta do vice-presidente do Fed e "chairman" do FSB (Conselho de Estabilidade Financeira), Randal Quarles, aos líderes do G-20 não deixa dúvidas sobre a atitude que os reguladores pretendem adotar em relação aos criptoativos em geral, especialmente aqueles que possam ter repercussões sistêmicas. A carta antecipa a necessidade da existência de padrões internacionais para esses ativos e de sua inclusão no perímetro regulatório dos supervisores financeiros. O uso mais amplo de criptoativos para pagamentos no varejo exigirá, segundo Quarles, "uma análise detalhada pelas autoridades para garantir que estejam sujeitos a altos padrões de regulação". No mesmo sentido, manifestaram-se autoridades regulatórias do Reino Unido, da França e da Comunidade Europeia, entre outras.

Outro importante documento que indica a postura das autoridades de supervisão em relação ao tema foi recentemente divulgado pelo BIS como parte de seu Relatório Anual, sob o título "Big tech in finance: opportunities and risks". Nesse documento, que merece leitura, o BIS explicita o entendimento de que a presença das "bigtechs" no sistema de pagamentos as tornará sistemicamente relevantes e as sujeitará ao tipo de regulação hoje aplicável às grandes instituições bancárias.

Nesse caso, tratar-se-ia da aplicação do princípio da "mesma atividade, mesma regulação" que deve ser observado, independentemente de se tratar de bancos ou de instituições não bancárias. Contudo, salienta o BIS, as normas hoje existentes podem não ser suficientes, tendo em vista a possibilidade de que as inovações coloquem as atividades das "bigtechs" fora do escopo do atual arcabouço regulatório.

Além dos aspectos prudenciais diretamente ligados à preservação da estabilidade financeira, a criação de moedas virtuais pelos gigantes da tecnologia traz outros desafios para as autoridades governamentais, principalmente no campo concorrencial. Como salienta o citado "paper" do BIS, por causa das externalidades de rede, plataformas como o Facebook se tornam dominantes e podem explorar seu poder de mercado para criar barreiras à entrada e aumentar o custo de migração de seus clientes para os concorrentes. Outro aspecto potencialmente negativo é a possibilidade do mau uso dos dados massivos que detém em práticas não competitivas de mercado, como discriminação de preços.

Desse modo, em tal contexto são relevantes os riscos de assimetrias regulatórias potenciais resultantes do ingresso das "bigtechs" no campo das finanças. Um exemplo disso relaciona-se à tendência dominante na maioria dos países, inclusive no Brasil, de restringir o uso pelos bancos de informações de clientes em seu poder. Se as "bigtechs" ficarem à margem dessas restrições, podendo utilizar livremente os dados adquiridos em suas plataformas para ofertar produtos financeiros, será criada uma vantagem competitiva indevida.

Ademais, um aspecto igualmente desafiador se refere à necessidade de coordenação entre as autoridades de regulação financeira, concorrência e proteção de dados, não apenas no âmbito doméstico, mas também internacional. Não é uma questão trivial, por vários motivos. Por um lado, as diversas agências regulatórias podem ter agendas conflitantes no curto prazo que dificultam a obtenção de um denominador comum. De outro, a coordenação a nível internacional tende a ser um processo longo e demorado, haja vista o histórico de dificuldades para a implementação de marcos regulatórios globais, como Basileia III, que têm escopo mais reduzido por não abrangerem questões concorrenciais e de proteção de dados.

Adicionalmente aos temas acima referidos, iniciativas como a Libra do Facebook suscitam questões relevantes sob o ponto de vista monetário e cambial, notadamente para países cujas moedas não são internacionalmente aceitas. Porém, este é um tema para um próximo artigo.

Fatos versus percepções - CARLOS ALBERTO DI FRANCO

Gazeta do Povo - PR/ESTADÃO 01/07

A ferramenta de trabalho dos jornalistas é a curiosidade. A dúvida. A interrogação. Há um ceticismo ético, base da boa reportagem investigativa. É a saudável desconfiança que se alimenta de uma paixão: o desejo dominante de descobrir e contar a verdade.

Outra coisa, bem diferente, é o jornalismo de suspeita. O profissional suspicaz não tem “olhos de ver”. Produz muita espuma e pouca informação. Não admite que possam existir decência, retidão, bondade. Tudo passa por um crivo negativo que se traduz numa incapacidade crescente de elogiar o que deu certo. O jornalista não deve ser ingênuo. Mas não precisa ser cínico. Basta ser honrado, trabalhador, independente.

A vida é feita de luzes e sombras. Privilegiar as luzes é fazer jornalismo cor-de-rosa. Não serve para nada. Mas só destacar as sombras é sonegar parte substancial da verdade factual.

Será que o Brasil está no bico do corvo? Será que a economia está a um passo do abismo? Será que o momento atual é pior do que os anos marcados pela maior pilhagem do patrimônio público da nossa história? Nada como olhar para os fatos e não para as recorrentes profecias dos economistas de plantão. Fui atrás do noticiário. Simples assim. Confesso que foi um árduo trabalho de garimpagem. Informações difíceis de encontrar, publicadas quase que com um pedido constrangido de desculpa, mostram uma realidade bem menos sombria. Vamos lá, amigo leitor.


A espuma da desinformação não vencerá a força dos fatos e o vigor da informação de qualidade

Mercado Livre vai investir R$ 3 bi no Brasil em 2019 e abre centro em Cajamar, São Paulo. Investimento 50% maior do que o do ano passado será usado para logística e serviços financeiros; operação em Cajamar melhorará entregas.

Brasil vence a China e recebe nova fábrica de motor. A Fiat-Chrysler vai instalar uma nova planta em seu complexo industrial de Betim, em Minas Gerais, para começar a produzir motores turbo para o mercado nacional e para exportação. A nova linha de produção estava sendo disputada pela fábrica do Brasil e da China. O presidente Jair Bolsonaro informou em sua conta no Twitter que o grupo anunciou investimentos de R$ 16 bilhões no Brasil até 2024. Segundo ele, trata-se do “maior ciclo de investimento da história da empresa em nosso país”. O presidente disse ainda que os investimentos devem gerar 16 mil novos empregos diretos e indiretos.

Scania anuncia investimento de R$ 1,4 bilhão em fábrica de caminhões em São Paulo. Montante será aplicado entre 2021 e 2024 em São Bernardo do Campo.

O grupo Carrefour Brasil prevê investimentos de R$ 2 bilhões no País e aposta em abertura de novas lojas. Segundo Noël Prioux, presidente do grupo, pelo menos 20 lojas do atacadão serão abertas este ano.

O grupo Boa vista Energia investe R$ 1,64 bilhão em leilão para fornecimento energético de Roraima. De acordo com o Ministério de Minas e Energia, com o leilão Roraima terá 42% de energia renovável e 43% de geração de gás com projetos híbridos inéditos de biocombustível e solar. Outro destaque é que a menor participação do diesel no leilão com contratação de apenas 15% da fonte, o que torna a matriz do estado mais limpa e reduz o custo da energia que é paga por todos os brasileiros.

Honda investe R$ 500 milhões na fábrica de motos de Manaus. Aportes serão aplicados até 2021 para modernizar e elevar a produtividade da planta.

Momento de investir no Brasil é agora, afirma diretor-geral da Ambev. Independentemente do compasso de espera, “ciclo de crescimento recomeçou”, diz Bernardo Paiva.

Grupo dono da Air Europa vai abrir empresa aérea no Brasil. Anúncio foi feito pelo ministro da Infraestrutura Tarcísio Gomes de Freitas no Twitter. Será a primeira após a publicação da medida provisória que abre o setor aéreo ao capital estrangeiro.

Empresas do Japão querem investir no Brasil, diz embaixador. Na semana em que o presidente Jair Bolsonaro isentou os japoneses da exigência do visto de turismo e de negócios, o embaixador do Japão no Brasil, Akira Yamada, disse que aumentou o número de executivos japoneses interessados em vir para o Brasil conhecer os projetos e investir no País.

A espuma da desinformação não vencerá a força dos fatos e o vigor da informação de qualidade.

Carlos Alberto Di Franco é jornalista."

'Povo na rua não substitui articulação política' - VERA MAGALHÃES

O Estado de S. Paulo - 01/07

Deputados e senadores não vão se intimidar diante de uma falsa narrativa que tenta imputar ao Congresso, por exemplo, o atraso na reforma da Previdência

Pela segunda vez em pouco mais de um mês apoiadores do governo Jair Bolsonaro foram às ruas em sua defesa. Se no dia 26 de maio houve ruído quanto à pauta – inicialmente de confronto com Legislativo e Judiciário, para depois passar por um “retrofit” e tirar seu caráter autoritário –, desta vez desde sempre se fixaram duas linhas-mestras: apoio à Lava Jato e a Sérgio Moro e à reforma da Previdência. Mas qual o efeito concreto que esse apelo recorrente ao povo na rua pode ter?

É claro que congressistas e mesmo ministros do STF não são impermeáveis à pressão popular. Muito provavelmente o apoio a Moro e à Lava Jato contou de alguma forma para que a Segunda Turma do Supremo não soltasse Lula com base em uma liminar sem analisar o mérito do habeas corpus de sua defesa, o que jogaria querosene no paiol da manifestação deste domingo.

Mas é pouco provável que palavras de ordem sejam definidoras quando os ministros forem analisar a suspeição de Moro. A Segunda Turma vai esperar a fotografia concreta dos vazamentos do The Intercept Brasil e, então, decidir se alguns atos da Lava Jato devem ser revistos.

Da mesma maneira, o apelo à voz rouca da rua não exime o governo de fazer a articulação política em que vem fracassando há seis meses. Deputados e senadores não vão se intimidar diante de uma falsa narrativa que tenta imputar ao Congresso, por exemplo, o atraso na reforma da Previdência.

Há uma tentativa de submeter os demais Poderes mantendo as ruas aquecidas. Mas o apoio a Bolsonaro, por mais que seja ruidoso, não é majoritário na sociedade, e as instituições são ciosas de suas prerrogativas.

Brasil retoma a lentidão do século 19 - VINICIUS MOTA

FOLHA DE SP - 01/07

Tendência de estagnação da renda per capita lembra centenária paralisia do Oitocentos

No decênio que se encerrou em 2018, a renda por habitante no Brasil ficou estagnada. “Cresceu” algo como 0,3% ao ano.

Não se trata de um daqueles resultados estatísticos que, por envolver um período de intensa variação da atividade, falseia o que ocorre de fato.

Esse tem sido o ritmo de evolução desde que a economia parou de mergulhar, em 2017. Neste ano de 2019, a melhor perspectiva é crescimento zero do indicador.

Nunca, até onde há registros mais confiáveis, a renda do brasileiro cresceu tão pouco quanto nas quase quatro décadas que nos separam de 1980. A média anual não chega a 1%.

Certamente o pouco desvendado Brasil do século 19 conheceu uma catástrofe maior. Foram 100 anos de estagnação. Não se tratou da paralisia de um país de poderio econômico mediano, como o de hoje. Foi o congelamento prolongado de um nanico.

O notável esforço do projeto Maddison, da Universidade de Groningen (Holanda), de esboçar o que for possível da longa trajetória econômica dos povos, mostra que o Brasil inicia o século 19 com uma renda
per capita equivalente a 30% da dos Estados Unidos.

Dez décadas depois essa relação teria caído para menos de 10%. Dez por cento, se tanto, é também tudo o que a renda do brasileiro teria crescido, acumuladamente, durante o Oitocentos. Enquanto isso, a produção norte-americana por cabeça triplicou.

O século 20 se inicia, e a história muda. Embora os EUA tenham sustentado um ritmo vigoroso de prosperidade, a do Brasil corre ainda mais, 50% mais depressa de 1901 a 1980. O PIB per capita brasileiro se decuplica no período.

Então bateu a depressão brasileira, uma interminável noite de volta à paradeira do século 19. Mas o que era um anão adormecido com menos de 20 milhões de almas se tornou um gigante sonolento com 210 milhões, sujeito a pesadelos terríveis.

Uma isca para fazer gastar - SAMY DANA

O GLOBO - 01/07

Muitos sites e vendedores criam ofertas intermediárias para não vender. O efeito? Você gasta mais achando que levou vantagem

Você vai entrar na fila do cinema, mas antes resolve comprar pipoca. Depois de esperar um pouco, chegou a sua vez. É quando se vê diante de uma questão de economia. Há três opções de pipoca, um saco pequeno por R$ 15, o médio por R$ 19 ou o grande, um balde de pipoca por R$ 20. Sua fome indica o saco médio, você não está com tanta vontade de comer pipoca. Mesmo assim, sem titubear, apanha o saco grande.

É bem provável que ache que fez economia, afinal é muito mais pipoca por apenas R$ 1 a mais, não é? Mas mesmo que coma até pouco mais da metade, a exata quantidade do saco médio, dificilmente, vai se dar conta de que no fim das contas jogou esses R$ 1 fora. Por quê?

Em um estudo clássico, publicado em 1993 no Human Decision Processes, Ariely, autor de vários livros de economia comportamental e professor do MIT, e o colega Thomas Wallstein explicam que comprar a pipoca maior mesmo sem ter fome é um ato irracional, mas você não deve se culpar. Essa promoção foi arquitetada para colocar você em confusão mental.

Uma terceira – e irrelevante – alternativa nos atrai a gastar mais devido ao que a dupla de pesquisadores chama de efeito-isca ou ancoragem. Se o dilema fosse entre a pipoca pequena e a grande, o mais provável seria você escolher a pipoca mais barata, afinal custa R$ 5 a menos. Ou um plano de internet mais adequado ao seu uso, quando a operadora faz uma oferta parecida. Mas se uma terceira opção não parece muito melhor do que a mais cara, nos atrapalhamos para avaliar o custo real do que estamos pagando.

Os dois economistas demonstraram esse efeito numa série de experimentos. Em um deles, 60 estudantes optaram entre produtos com três preços e dimensões diferentes, em condições parecidas com nosso dilema da pipoca: bicicletas, microondas, TVs, tênis de corrida e computadores. Por exemplo, a TV. Imagine que você está em dúvida entre dois aparelhos.
R$ 1 mil
Tela 32”
(HD)
R$ 2,9 mil
Tela 40”
(FULL-HD)
Tela 55”
R$ 3 mil
(4K)
Fonte: Seeking Subjective Dominance in Multidimensional Space:
An Explanation of the Asymmetric Dominance Effect

Você não quer gastar três vezes mais numa TV. Mesmo que a mais barata seja menos sofisticada, economizar R$ 2 mil na compra é razão para muitas pessoas fazerem essa escolha. Mas então o vendedor ou o site, tanto faz, oferece uma terceira opção.

A TV nº 2, pelas regras do estudo, não é uma opção de verdade. Como muitas promoções que encontramos, foi incluída para confundir as escolhas dos participantes. Em uma das etapas do estudo, quando o aparelho intermediário custava quase o mesmo, o mais barato era o preferido. Mas quando a faixa de preço era próxima do mais caro, as escolhas se invertiam e as pessoas escolhiam pagar mais.

Isto é, o efeito-isca tanto serve para o produto mais caro como para o produto em oferta. E não importa o produto. Em outro estudo, de 2018, Chunhua Wu (Universidade de British Columbia) e Koray Cosguner (Universidade de Indiana), dois professores de ciência comportamental, examinaram os dados de um dos principais marketplaces de venda de diamantes e jóias pela internet.

O negócio leva em consideração características como tamanho, cor, claridade e acabamento das pedras Os vendedores oferecem seus produtos, optando pelos preços sem interferência da plataforma. Isso, notaram os pesquisadores, cria uma imensa ancoragem, já que cada um cria a sua. Em quase sete mil vendas diárias, a “isca” era escolhida entre 1,7% e 2,5% das vezes, mas sua presença ajudou os vendedores a faturar 21% a mais.

Como se proteger? Uma opção é perguntar a si mesmo: eu preciso mesmo disso? Ajuda a decidir se o gasto é mesmo necessário. Vale para TVs, celulares, roupas ou qualquer coisa, até um saco de pipocas no cinema. Mesmo que aquele grandão pareça tão atraente.

Um governo que namora com a morte - FERNANDO GABEIRA

O GLOBO - 01/07

Em vários temas, nos inspiramos na Alemanha e outros países europeus aos quais Bolsonaro quer dar lições


Acabara de escrever um artigo sobre esses estranhos seis meses em que o Brasil é conduzido pela direita. Pensei em mudar de assunto, mas surgiu a notícia da prisão de um sargento da Aeronáutica em Sevilha.

Trinta e nove quilos de cocaína num avião de apoio à comitiva presidencial. Segundo os jornais, o sargento Manoel Silva Rodrigues fez várias viagens oficiais, inclusive com outros presidentes. Aparentemente, era uma prática antiga. Mas foi descoberta na viagem de Bolsonaro. Isso significa um arranhão em sua imagem internacional. É inevitável.

Internamente, a repercussão num país polarizado transforma-se logo numa troca de acusações que dificulta uma abordagem mais séria do problema. Sem dúvida, por partir também de um ministro da Educação, a frase de Abraham Weintraub foi a mais infeliz. Ele sugere que os aviões de Dilma e Lula eram mais pesados.

Além de não se basear em nenhuma evidência (portanto, uma acusação falsa), Weintraub passa uma terrível impressão ao mundo exterior. Um ministro sugere que os aviões do passado levavam mais cocaína, e o Brasil conseguiu reduzir a carga para 39 quilos. Uma ética medida em peso.

Tudo isso acontece no momento em que Bolsonaro, à frente de uma política ambiental desastrosa, afirma que o Brasil pode dar lições à Alemanha.

Nós sabemos que Bolsonaro ignora os esforços que a Alemanha faz nesse campo, seu avanço tecnológico, e jamais visitou as florestas do país. Mas e os outros, o que pensarão dessa abordagem agressiva e tosca? Num tema que obriga à cooperação, internacional, Bolsonaro quer competir.

Na conclusão do artigo em que analisava alguns pontos dos seis meses de governo, afirmei que Bolsonaro está inspirando uma oposição que envolve mais que a democracia. Uma frente pela vida.

As pesquisas já indicam como o capital político de Bolsonaro escorre pelos dedos. Ele está longe de perceber como a extrema direita é minoritária.

No momento, sua agenda espontânea já indica uma linha condutora. É um flerte com a morte: das armas ao agrotóxicos, estradas sem radares, leis mais frouxas no trânsito.

Na Espanha da Guerra Civil, os adeptos de Franco expressavam essa tendência de uma forma mais nítida: “Viva la muerte.”

É uma luta inglória, um programa sob o signo de Tânatos. Suas manifestações não se limitam à destruição das espécies. Mas também da diversidade humana.

Na Rio-92 houve dois focos: a defesa da diversidade das espécies e, num outro palco, da diversidade cultural. São interligadas.

Para completar a semana, a notícia de que, recuando de nossas posições internacionais, o Brasil deixa de reconhecer as pessoas que se sentem mulheres, apesar do órgão sexual masculino, ou homens, apesar do órgão feminino. É uma visão de mundo que despreza a felicidade humana em nome de suas rígidas regras de vida.

Nosso consolo é que Tânatos, o deus da morte, inspira apenas uma política de governo. A sociedade é cheia de vida, diversa; dentro das limitações, centenas de experiências ambientais se desenvolvem no Brasil.

De fato, temos uma grande floresta em pé, por razões históricas e econômicas. Parte da destruição de nossas matas conseguimos conter com a legislação. Isso talvez seja uma conquista.

Bolsonaro deveria se lembrar de que foi contra muitas dessas leis. Participei delas, sinto desapontá-lo: em vários temas, nos inspiramos na Alemanha e outros países europeus aos quais ele quer dar lições.

Finalmente, o caso da cocaína merece uma investigação profunda e transparente. É uma questão nacional. O que o general Heleno disse também é um espanto: foi falta de sorte a droga ter sido descoberta numa viagem para a reunião do G-20. Segundo o jornal “El País”, a mala de cocaína sequer estava escondida junto à roupa. Droga nua. Não era falta de sorte, mas de controle.

Em qualquer circunstância que uma carga dessas fosse descoberta num avião presidencial, seria um grande azar para o Brasil. Em matéria de sorte, a gente vai levando, mas a fase, francamente, é de fechar o corpo, enquanto ainda temos nossos pais e mães de santo.

Os músicos de metrô já perdemos por inspiração de um dos filhos de Bolsonaro. Gostava de ouvi-los na Praça Nossa Senhora da Paz tocando “There Will Never Be Another You”.

Falta apurar quem comandou desastre no crédito externo - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 01/07

De 2003 a 2015, governos Lula e Dilma usaram BNDES para emprestar dinheiro a países ‘amigos’

Há 60 meses a Operação Lava-Jato expõe o sistema de subornos construído por cartéis privados em parceria com agentes públicos para fraudar contratos com o governo, empresas como Petrobras, Eletrobras, Caixa, BNDES, BB e os seus fundos de pensão.

No entanto, até agora quase nada se conhece sobre o processo de decisões no Palácio do Planalto e nos ministérios que alavancou a concessão de créditos a governos estrangeiros por razões essencialmente políticas — em condições extraordinárias e com garantias do Tesouro brasileiro.

É uma lacuna ainda aberta nas investigações sobre os danos ao setor público causados pela influência político-partidária em contratos feitos na última década e meia.

É preciso apurar os motivos e os resultados efetivos da política de subsídios a negócios investigados por corrupção na América Latina e na África. De 2003 a 2015, os governos Lula e Dilma usaram o BNDES para emprestar dinheiro a países “amigos”, como Venezuela, Cuba, Angola e Moçambique. Multiplicaram-se por dez os desembolsos anuais do banco, sempre com garantia do Tesouro. Somente para esses quatro países foram US$ 12,5 bilhões no período. Comparado ao movimento de empréstimos do BNDES nessa etapa (mais de 3% do Produto Interno Bruto), pode-se argumentar que tal volume de crédito é relativamente reduzido.

As implicações dessas operações, porém, são graves: para cada US$ 1 bilhão desembolsado aos “amigos” na América Latina e na África, tem-se cerca de US$ 400 milhões em inadimplência —debitada no Tesouro, a conta é paga pelos brasileiros.

Essa política não apenas se provou insustentável como, também, abalou a imagem do BNDES, vítima da falta de zelo com a própria independência institucional: aceitou passivamente ordens para dar créditos de US$ 5,7 bilhões a governantes da Venezuela, de Cuba, Angola e Moçambique, e acabou enredado em investigações policiais, devassas dos órgãos de controle e sucessivas comissões parlamentares de inquérito — há uma nova na Câmara.

O foco no BNDES lança luz sobre alguns negócios, mas mantém na escuridão o processo de decisões e os responsáveis por essa política de favores no período entre 2003 e 2015.

Um exemplo é o socorro de US$ 4,9 bilhões a Cuba, equivalente a 10% do PIB do país na época. Foi aprovado em fevereiro de 2010 pelo conselho de ministros da Câmara de Comércio Exterior (Camex), organismo da Casa Civil da Presidência.

Outro caso é o da chancela ao crédito para a obra de um porto no Caribe com lastro (parcial) na venda de charutos cubanos. Não houve estudos prévios de viabilidade ou justificativa jurídica, comprovou o TCU, e sobram evidências de manipulação dos critérios bancários.

Falta apurar, esclarecer e responsabilizar toda a cadeia de comando desse desastre bilionário.

As razões das críticas - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 01/07

A crítica será necessária sempre que um presidente demonstrar descaso pelos preceitos republicanos ainda que se alegue ser este o preço a pagar para impedir o “mal maior”

Este jornal, como reiterado no editorial A serventia da imprensa, publicado ontem, não renunciará jamais a seu papel de crítico de governos que se desviam dos princípios da boa administração e desrespeitam as instituições democráticas. Para o Estado, não há argumento que justifique qualquer complacência com chefes de governo cujas decisões agridam o bom senso – sem falar das leis – e causem prejuízos ao País. Não se espere, portanto, que o Estado venha a contrariar seu histórico compromisso com os valores liberais, republicanos e democráticos e, em nome de sabe-se lá quais imperativos ideológicos e moralistas, condescenda com governos que afrontem tudo o que é mais caro a uma sociedade que se pretende civilizada.

A crítica pública será necessária sempre que um presidente demonstrar descaso pelos preceitos republicanos, por mais comezinhos que sejam, ainda que se alegue ser este o preço a pagar para impedir o “mal maior” – seja o “petismo”, o “comunismo” ou outro fantasma qualquer.

Quando um governo comete agressões sistemáticas à Constituição, que o presidente da República jura respeitar quando toma posse, deve-se deixar claro que se trata de uma atitude inaceitável. A qualidade da democracia sofre considerável degradação quando um presidente, por exemplo, se julga no direito de editar medidas provisórias e decretos que desrespeitam de maneira cristalina diversos dispositivos constitucionais. Ademais, tal atitude inconsequente tende a causar natural reação dos demais Poderes, com vista a restabelecer a normalidade institucional ferida pelo voluntarismo presidencial, e isso consome precioso tempo e esforço de autoridades que deveriam estar totalmente dedicadas a resolver os gravíssimos problemas nacionais.

Essa mobilização inútil de energias indica ominoso pouco-caso com as instituições. Tal quadro agrava-se quando se alega articular supostos pactos entre os Poderes, mas, na verdade, o que de fato se pretende é submeter as instituições às veleidades de um grupo. Não é assim que a democracia representativa funciona.

Também não se pode silenciar diante da tentativa sistemática de desmoralizar a política e o Congresso, pilares da democracia representativa, com o indisfarçável intuito de governar por decreto, dispensando-se a negociação democrática. É certo que os políticos colaboraram para a deterioração da imagem de sua atividade, depois que vários deles, muitos em posição de destaque, entregaram-se à mais desbragada corrupção nos últimos anos. Mas nada disso justifica a presunção de que basta estar do “lado certo” – isto é, o do Executivo, suposto campeão da pureza de propósitos contra os vilões corruptos – para que sua vontade seja convertida em lei.

Além disso, não se pode fechar os olhos quando a necessária impessoalidade no exercício do poder, demanda de qualquer democracia digna do nome, perde espaço para as relações familiares e de amizade, tornando as decisões emanadas desse núcleo tão imprevisíveis como desastradas. Esses obscuros critérios de governança acabam por permitir que o governo seja tomado por tipos exóticos e aduladores ansiosos para dar sentido a decisões destrambelhadas e desimportantes, tomadas ao sabor de conveniências inalcançáveis para os cidadãos.

Enquanto isso, a tramitação de reformas cruciais, como a da Previdência – que poderia estar mais adiantada se o governo tivesse aproveitado o projeto que estava em tramitação –, ressente-se da ausência de um norte político, em meio a questiúnculas ideológicas. Não fosse sua resistência a tudo o que lhe antecedeu, o atual governo também poderia ter aproveitado projetos deixados pela gestão anterior para estimular a retomada do crescimento. Não o fez porque está mais empenhado em fazer tábula rasa do passado – e assim fazer-se notar por suas virtudes messiânicas.

Isso resulta da percepção equivocada de que a maioria do eleitorado queria uma liderança que livrasse o País do “comunismo”, luta exótica em nome da qual parece valer tudo. Na verdade, os eleitores manifestaram nas urnas um sonoro protesto contra a politicagem que condenou muitos brasileiros à miséria e o País ao atraso crônico, de modo que resta ao governo trabalhar para reverter esse quadro, em vez de agravá-lo com bravatas.