segunda-feira, setembro 08, 2014

A vida e nosso tempo - FABIO GIAMBIAGI

O GLOBO - 08/09


Vivemos em um país onde o Executivo não executa, o Legislativo não legisla e a Justiça não julga. O Brasil clama por reformas. Não podemos continuar a perder tempo


Nasci em 1962 e tenho 52 anos. Creio que o espírito do que vou expressar é representativo de uma parte da geração que vai dos 40 aos 70 anos e que acompanha de perto os problemas do país. Por que essa faixa etária? Porque antes dos 40 o tempo tende a ser visto como infinito na vida do jovem. Já depois dos 70, são poucos os que contarão ainda 20 ou 25 anos de caminhada pela frente. O grupo etário entre 40 e 70 anos representava 19% da população em 1980 e hoje é de 30%. Trata-se de um contingente expressivo.

Sendo filho dos anos 60, vivenciei alguns momentos importantes e esperançosos da vida nacional: a luta pela anistia no fim dos anos 70 e a expectativa pelo retorno dos exilados; a campanha pelas eleições diretas em 1984 e a consequente eleição de Tancredo no Colégio Eleitoral, pondo fim ao ciclo de mais de 20 anos de governos militares; as passeatas pelo impeachment de Collor em 1992; e os primeiros passos da estabilização em meados dos anos 90. Finalmente, acompanhei com interesse cívico a eleição de Lula em 2002 e o processo político-social da década passada, caracterizado como uma etapa de inclusão social e que explica a elevada popularidade com que ele concluiu sua gestão em 2010.

Cada uma dessas etapas da vida do país testemunhou avanços: com a anistia e o retorno dos exilados, encerrou-se uma etapa de segregação entre brasileiros; o fim do regime militar distendeu a vida do país e em 1989 levou à retomada das eleições diretas para presidente depois de quase 30 anos; os eventos políticos de 1992, conquanto expressassem um arrependimento amargo da maioria da população em relação ao voto que tinha dado pouco antes, foram sinal de vitalidade e de vigência plena das instituições; a estabilidade implicou deixar atrás a hiperinflação que corroía a auto-estima nacional, além de ser um transtorno na vida de todos; e o Brasil atual é um país socialmente melhor e mais justo que o do começo da década passada.

Apesar de tudo isso, para quem chega à meia-idade e acompanha as mazelas da realidade nacional desde que começou a ficar antenado para a realidade — no meu caso, nos tempos de Geisel — o sentimento de angústia pelo avanço do tempo é a cada dia mais nítido. Não falo de angústia aqui no sentido existencial, pela consciência individual de que o fim da caminhada de cada um vai se aproximando — falo da mistura de tristeza, desconforto e exasperação pela percepção de que nosso tempo vai se esgotando, sem que nos tenha sido dada a chance de conhecer o país com o qual todos sonhamos em nossa juventude. É então que o sentimento de urgência se torna mais palpável. E é aqui, justamente, que o contraste entre essa percepção individual e a ausência total e absoluta de qualquer sentimento de urgência na classe dirigente do país se torna mais dramática para quem compartilha essa idade e foi partícipe daqueles movimentos que antes citei.

Nesse contexto — e não falo isso para expor meu caso pessoal e sim porque considero representar um ânimo difuso e compartilhado, provavelmente, por muitos leitores — lembro-me de conversas, por vezes intensas, com meu falecido pai, nos anos 80, quando eu começava a perceber que mudar o mundo e o Brasil não era tão simples. Naquela ocasião, nos primórdios da minha vida cívica, eu com 20 e poucos anos e ele a caminho dos 60, quando discutíamos sobre o Brasil, eu era otimista pela possibilidade de chegar a ver um país desenvolvido, 30 anos depois. Tive que envelhecer para, retrospectivamente, entender o motivo da irritação do meu pai com aquele raciocínio: é que ele, simplesmente, não dispunha de mais 30 anos pela frente para esperar esse dia chegar. Hoje, o sentimento que me acomete é o mesmo: o tempo está passando — e o Brasil com o qual minha geração sonhou está demorando a chegar.

Costumo dizer em minhas palestras que o Brasil avançou muito nos últimos 20 anos, mas continua sendo um país que não funciona bem. Por quê? Em poucas palavras, porque vivemos em um país onde o Executivo não executa, o Legislativo não legisla e a Justiça não julga. O Brasil clama por reformas. Não podemos continuar a perder tempo e a protelar a solução dos problemas. Seria bom que os candidatos à Presidência tomassem ciência disso.

Vista grossa - VALDO CRUZ

FOLHA DE SP - 08/09


BRASÍLIA - De como funcionava o esquema, pelo visto, ela não sabia. De detalhes, também não. Mas ela sabia que a pedra preciosa de seu governo estava sendo dilapidada por grupos nada republicanos.

Sua margem de manobra, contudo, era estreita no início de seu mandato. Tanto que, a princípio, deixou tudo como havia herdado de seu antecessor e criador. Aos poucos, porém, fez uma limpeza na área.

Não por outro motivo virou alvo da ira de petistas e peemedebistas, acostumados com as benesses milionárias da Petrobras, símbolo da política de Estado forte na economia da presidente Dilma Rousseff.

Daí que ninguém no Palácio do Planalto pode se dizer surpreendido com as revelações da delação premiada do ex-diretor da estatal Paulo Roberto da Costa. Talvez com sua magnitude e nomes envolvidos.

Por que, então, o governo Dilma não mandou fazer uma auditoria geral na empresa? Um amigo responde: a ela nunca chegou denúncia de um esquema concreto, mas a presidente fez o que estava a seu alcance. Mudou toda diretoria.

Um empresário diz que ela fez mais. Contratos suspeitos foram revistos e tiveram valores reduzidos. Por que não foram investigados? Aí a resposta talvez esteja nos compromissos entre criador e criatura.

Pessoalmente, o risco de envolvimento da presidente Dilma com o esquema é inexistente. Sua conduta foi no sentido contrário. Fica a dúvida se a petista não fez vista grossa diante de negócios bem suspeitos.

Tal questão será explorada na eleição. Potencial para causar estragos na candidatura petista ela tem. Dilma mandava na Petrobras --como ministra da Casa Civil e, depois, como presidente da República.

Enfim, as negociatas na Petrobras eram um escândalo à espera de um delator. Seus sócios confiavam que nenhum louco estouraria esquema tão rentável, mas surgiu um preso sem vocação para virar um novo Marcos Valério no país.

A velha cultura da nova política - MARTINIANO BORGES

CORREIO BRAZILIENSE - 08/09

O "sonhatismo marinístico", termo recém-criado para designar a vitória dos bons sobre o apocalipse, interpreta a vida como um cosmos que se despedaça e definha não apenas no campo ecológico mas, acima de tudo, no campo da metafísica, da cultura, das raízes mais profundas da existência social. Sua sacerdotisa refere-se à nossa medíocre conjuntura política como um problema de, pasmem, "crise civilizatória". Ao ressoar das trombetas, o povo desolado só encontrará razão para viver na consumação da "nova política".

Sobre o significado dessa nova política, muito já foi falado - por uma única pessoa - e muito pouco entendido. A interpretação, como de praxe, cabe ao ouvinte-eleitor que, por boa vontade ou desespero, busca se reencantar pelo brilho melódico do chavão "mudança" que tudo abarca e com nada se compromete. 

Dizer o que não se pode classificar para que signifique qualquer coisa, criticar "tudo o que está aí" como ranço de um passado torpe, apontar que algo precisa ser feito sem nunca responder ao empobrecedor "como" e, sobretudo, denunciar polarizações e propagandear-se como a única possibilidade de unir o Brasil é o método em vigor. Estratégia tão copiada por todos que, na história brasileira, reivindicaram a condição de "salvador da pátria".

Como uma arapuca, a nova política é a porta que se abre para o que há de mais atrasado na cultura política brasileira. A aparência de novo camufla o arcaico e esconde a armadilha. É o governo do predestinado, daquele que se encontra acima do bem e do mal. É o governo do messias que, favorecido pela fortuna, projeta encarnar-se numa candidatura todas as virtudes sacrificiais do amor ágape, do politicamente correto e a única ética digna de ser chamada de boa. Esse é o discurso consagrado de todo messias brasileiro. Nossa história é repleta de acontecimentos trágicos que hoje renovam o repertório em forma farsesca.

Arisca e fugidia, a candidata ganhou o benefício da ingenuidade popular. Ao abdicar o uso da lógica prática, só recebeu a condescendência embasbacada. Ao ser questionada sobre como se definiria dentro do espectro político, bradou: "Eu não sou nem de esquerda nem de direita, mas, sim, para a frente!". Seu projeto não poderia se enquadrar em qualquer definição utilizada por terráqueos no reino da realidade. Marina finge que explicou e o interlocutor finge que entendeu. 

Não bastasse o discurso de tonalidade messiânica que a candidata sempre postulou, somado à negativa de submeter-se ao debate nos termos usados por gente de carne e osso, mais a estratégia de tratar da vida sublime para não ser obrigada a lidar com esta, as características mais nefastas de seu messianismo ganharam materialidade na trágica queda do avião de Eduardo Campos. Para uma cultura política condicionada a revelar salvadores da pátria, a mitificação da sucessora foi automática.

O eixo do programa marinista messiânico baseia-se na formação de uma massa de eleitores que se entregue a um plano que não existe e não existirá fora do campo do discurso. Em um possível governo, após ligar o piloto automático, aquilo que acontecer será tido como obra da visionária. O que der errado, caracterizará incompetência do povo, que insiste em viver na velha política. Será o governo dos "novos" contra os "velhos". Dos bons contra os maus. Qual demagogo ou populista também não utilizou as mesmas categorias?

Um governo de bons é o governo de moral inquestionável. No panteão dos bons, a ética terá endereço certo: habitará no Estado sonhático, que não apenas terá a responsabilidade de uso legitimo da força mas, principalmente, o uso exclusivo da ética. Só a salvadora da pátria terá o seu monopólio. O messianismo que propõe a nova política como projeto de superioridade moral e ética, no fundo, esconde seu real engodo: o de politizar a ética.

Perguntas impertinentes DENIS LERRER ROSENFIELD

O ESTADO DE S.PAULO - 08/09


Marina Silva já está colocada como alternativa efetiva de poder. Suas ideias, porém, têm se caracterizado por extrema generalidade, como se a prática de governar não exigisse atitudes concretas e bem orientadas. Ela oscila entre um liberalismo do ponto de vista da política econômico-financeira e posições de convicção anticapitalista, atentando contra o direito de propriedade, passando por hesitações entre posturas conservadores ou ditas progressistas em relação aos costumes.

Apesar disso, vem usufruindo extrema complacência de certos setores de jornalistas e formadores de opinião, como se fosse uma desconhecida que apenas agora deveria apresentar suas ideias. Outros ainda falam de sua inexperiência, quando há toda uma experiência dela envolvida, realizada quando de sua passagem pelo Ministério do Meio Ambiente (2003-2008) e como senadora (1994-2002). É aí precisamente que devermos buscar suas ideias, que contrastam com atitude recente, como quando disse, sem ruborizar, no Jornal Nacional que nunca foi contra os transgênicos. Basta consultar os jornais da época para expor a falsidade de tal afirmação.

Se for coerente com suas ideias, há vários setores econômicos que serão prejudicados: agricultura, pecuária, agronegócio, mineração, construção civil, shopping centers, hotelaria em zonas rurais e litorâneas, estradas e rodovias, hidrelétricas e empresas de energia em geral, empresas de transgênicos, de tabaco e sua cadeia de agricultura familiar de cultivo, armas e munições e bebidas alcoólicas em geral. O impacto econômico dessas ideias pode ser grande, em todo distinto de suas posições "liberais". Seria um liberalismo sustentado pela relativização do direito de propriedade! Vejamos alguns desses pontos.

Movimentos sociais - Marina Silva é egressa desses movimentos, que apoia, compartilhando os mesmos princípios. Sua posição, neste quesito, é anticapitalista. Sustentou no passado as invasões do MST, sendo firme partidária do que essa organização política entende como "reforma agrária". Isso significa que, caso vença a eleição, voltam à pauta a questão dos índices de produtividade, como já foi anunciado em seu programa de governo, e a desapropriação de imóveis rurais, praticamente parada nestes anos de governo Dilma. Note-se que no atual governo a ênfase foi corretamente posta na qualificação dos assentamentos da reforma agrária e em soluções negociadas de conflitos. Ainda no tocante aos movimentos sociais, considera a candidata apoiar o MTST, cuja política é voltada para o "acúmulo de forças" na luta contra o capitalismo, como reconhece seu líder, na sua cruzada contra a economia de mercado e o direito de propriedade? As invasões de propriedades urbanas seriam "justificadas"?

Código Florestal - Marina foi e continua sendo fervorosa adversária do novo código. Tudo fez, com apoio de ONGs nacionais e internacionais, para que não fosse aprovado. Consumada a aprovação, considera-o um retrocesso que deveria ser corrigido. Logo, se eleita presidente, passaria a rever a nova legislação, apregoando uma volta ao passado, com todas as suas restrições e limitações? As ONGs, então, voltariam com toda a força, resgatando o poder que tiveram quando ela esteve à frente do Ministério do Meio Ambiente? Convém lembrar que seus auxiliares mais diretos e influentes foram recrutados em ONGs, nacionais e internacionais. A situação, caso eleita, se repetirá?

Questão indígena - Marina Silva é firme partidária da atual política indigenista conduzida pela Funai, com forte viés anticapitalista e profundo desrespeito ao direito de propriedade. Esse órgão não hesita em ir contra o Estado Democrático de Direito, tampouco segue a jurisprudência estabelecida pelo Supremo Tribunal Federal quando do julgamento do caso da Raposa-Serra do Sol. Marina presidente só faria, então, intensificar essa orientação, com a multiplicação de invasões no País e a expropriação de terras? (Desapropriações indígenas não pagam pela terra nua, só pelas benfeitorias.) É favorável a que a Funai permaneça como está, uma espécie de Estado dentro do Estado?

Energia - A candidata já se manifestou inúmeras vezes contra a construção de usinas hidrelétricas na Amazônia, vitais para o desenvolvimento do País. Belo Monte tornou-se um símbolo desses confrontos. Qual a sua posição agora? Deve esse empreendimento parar, obedecendo às injunções de movimentos sociais e ONGs ambientalistas e indigenistas? Outras usinas seriam construídas na região?

Ciência e transgenia - Quando ministra do Meio Ambiente, a candidata foi inimiga dos transgênicos, advogando por sua não produção e comercialização, até se opondo à pesquisa, na CTNBio. Frise-se: contra a pesquisa, independentemente de sua comercialização. Sua posição era claramente contra a ciência. E tudo o que se refere à transgenia foi demonizado. Defendia-se dizendo ser favorável ao princípio da precaução, quando se tratava de nada mais que uma justificativa baseada no princípio da inação. Se foi favorável a algo, consistiu na multiplicação de trâmites burocráticos que terminariam tornando inviável qualquer investimento.

Campanha - Na campanha política de Marina, assim como no estatuto de sua Rede, há uma interdição ao apoio financeiro de empresas de tabaco, armas e munições e bebidas alcoólicas. Logo, se eleita, tudo faria para restringir legal e comercialmente (via impostos) a atividade de empresas desses setores? Convém lembrar que são setores com ampla cadeia produtiva, de forma que o impacto sobre eles se disseminaria para vasta gama de outros setores, da produção à comercialização. Ademais, são atividades econômicas legais, constitucionalmente reconhecidas. O que, então, têm de "sujo", como se as doações pudessem manchar sua candidatura?

Crise de confiança - PAULO GUEDES

O GLOBO - 08/09

O escândalo da Petrobras revela o desvirtuamento das empresas estatais e aumenta a indignação com a velha política
A confissão da roubalheira na Petrobras é mais uma contundente evidência da vergonhosa degeneração de nossas práticas políticas. A delação de importantes lideranças políticas, grandes empreiteiros e partidos da base de sustentação do governo que estariam envolvidos em bilionário esquema de corrupção é uma bomba eleitoral a atingir a candidatura de Dilma Rousseff. "É um novo Mensalão. Estamos disputando estas eleições contra um grupo que usa o dinheiro sujo da corrupção e assalta nossas empresas públicas para se manter no poder", acusa o candidato Aécio Neves.
Há uma enorme crise de confiança no establishment. Essa crise se desdobra em duas dimensões. A primeira é a dimensão política, a perda de confiança e a indignação com as práticas de governabilidade que alimentam uma interminável sucessão de escândalos. O Supremo tribunal Federal, sob a presidência de Lewandovski, afirmará nesta crise da Petrobras a independência do Judiciário exercida por Joaquim Barbosa no episódio do Mensalão? A indignação dos eleitores com a velha política derrubará um establishment que perdeu a decência no trato da coisa pública, buscando a regeneração pelas urnas? 
A segunda dimensão desta enorme crise de confiança já se instalou há tempos na economia. A ponto de o candidato tucano ter indicado antecipadamente Armínio Fraga como seu futuro superministro da área econômica. O que levou Dilma a garantir a não permanência de Guido Mantega. Marina Silva, ainda surfando na onda de desconfiança na velha política, não precisou se comprometer com nomes específicos, mas teve de assegurar a estabilidade monetária, a responsabilidade fiscal e a flutuação cambial.

Em meados do ano passado, em meio à inflação elevada e ao baixo crescimento, examinei um corolário da insatisfação dos eleitores de uma sociedade aberta com a perspectiva de anos de estagflação: "Ou a equipe econômica muda sua política, ou a presidente muda a equipe, ou o país vai mudar de presidente." O escândalo da Petrobras agudiza a crise de confiança na velha política. Agrava também a crise de confiança na economia ao revelar o desvirtuamento da atuação das empresas estatais. Malfeitos nas dimensões da ética e da economia podem derrubar as intenções de voto em Dilma nesta reta final.

Dispendiosa caixa-preta - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 08/09


Já virou tediosa — não por desimportante, mas pelo renitente descaso do lulopetismo com a coerência de ideias defendidas antes da chegada ao poder — a discussão sobre o abandono de princípios defendidos pelo PT quando o partido, e suas bases aliadas, eram contra “tudo isso que aí está”. Nesse bolo entravam, por exemplo, o bombardeio contra a CPMF, críticas à voracidade do sistema tributário e à preservação, na estrutura trabalhista do país, de um emaranhado de dispositivos herdados do getulismo. Neste caso, a legislação que sobreviveu a seu criador e às conjunturas que a engendraram — inclusive à ditadura militar de 64, deflagrada, entre outras justificativas, para livrar o país do “perigo da implantação de uma república sindicalista”.

Nessa revisão programática, a CPMF, de combatida, virou tábua de salvação no primeiro mandato de Lula, a ponto de as gestões para sua extinção terem sido tachadas, por PT e aliados, de golpe contra as finanças do país. Também assim se deu com a oposição a dispositivos anacrônicos, criados pelo Estado Novo ou nele inspirados — caso do chamado Sistema S, uma hipertrofiada rede de siglas, 11 no total, abastecida por dinheiro público e por deduções legais nas folhas de pagamento do comércio, da indústria e de atividades rurais. Entre as mais conhecidas entidades nele reunidas estão o Sesi, o Sesc e o Senai.

Estima-se que, por ano, abasteçam o caixa desse sistema algo em torno de R$ 15 bilhões — quantia que, por si só, a exemplo do imposto sindical, outrora combatido, e hoje “cláusula pétrea” na legislação abençoada pelo lulopetismo, explica a ferrenha defesa que dele fazem os aliados do Planalto. Afinal, de combativo adversário dessa eficaz máquina arrecadadora, o PT no governo passou a guardião da chave do cofre. E tem sido generoso ao girá-la em favor dos companheiros.

Tanto é assim que o Sistema S tem sido alvo de denúncias de malversação de recursos, corrupção, apadrinhamento, contratação de parentes de amigos do poder e pagamento de altos salários a companheiros petistas. Recente reportagem da revista “Época”, por exemplo, afirma que a Controladoria Geral da UNião (CGU) detectou alguns desses “malfeitos” na gestão do Serviço Social da Indústria (Sesi). Entre as irregularidades, fruto do aparelhamento da sigla, estão a contratação de funcionários que recebem sem trabalhar, aí incluídas uma nora do ex-presidente Lula e a mulher do ex-deputado e mensaleiro João Paulo Cunha.

Também engordam o prontuário do sistema denúncias de superfaturamento na compra de imóveis — um deles, a aquisição de uma propriedade em Mato Grosso, pela qual o Sesc pagou dez vezes o valor de mercado. Isso sem contar a presença, desde o primeiro mandato de Lula, do ex-deputado e ex-líder sindicalista Jair Meneguelli na cadeira de presidente do Sesi, e de uma sindicalista amiga do ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares na folha de pagamento do órgão. São fatos que, a par da discussão sobre seu papel, põem em xeque o Sistema S, uma caixa-preta que precisa ser aberta e um penduricalho no custo das empresas, com bons propósitos, mas impenetrável para a sociedade.

O SAQUE DA PETROBRAS - EDITORIAL ZERO HORA

ZER0 HORA - 08/09


Alvo de duas ações penais por corrupção e uma outra por destruição de documentos, o ex-diretor de Abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa denunciou à Polícia Federal e ao Ministério Público a participação de três governadores, um ministro, seis senadores e pelo menos 25 deputados federais num esquema de recebimento de propinas subtraídas dos cofres da estatal. As revelações fazem parte de um acordo de delação premiada proposto por Costa para reduzir sua pena, o que ainda depende de aprovação do Supremo Tribunal Federal. Mas as informações já conhecidas, embora ainda carentes de comprovação, têm potencial para se transformar num escândalo sem precedentes, com impacto direto na campanha eleitoral em andamento.

Conforme a denúncia, grandes empreiteiras do país formaram um cartel dentro da Petrobras, pelo qual compartilhavam contratos milionários e repassavam o equivalente a 3% de comissão aos políticos e a seus partidos _ todos integrantes da base aliada do governo. Costa ocupou a diretoria de Abastecimento da estatal de 2004 a 2012 e foi preso por facilitar negócios para o doleiro Alberto Youssef, que também está na cadeia desde março último, sob a acusação de comandar um esquema de lavagem de dinheiro que movimentou cerca de R$ 10 bilhões em quatro anos, com ramificações na Petrobras, no Ministério da Saúde e nos partidos políticos.

A roubalheira existe, não é invenção do marketing político destinado a causar prejuízos eleitorais aos denunciados. Foi descoberta pela Polícia Federal, a partir de uma investigação de lavagem de dinheiro e evasão de divisas no Paraná, que acabou se estendendo a outros Estados na chamada operação Lava Jato. Lamentavelmente, confirma o saque à maior empresa estatal do país, que já vinha sofrendo desgaste por causa da má gestão e, principalmente, por causa do prejuízo de US$ 792 milhões decorrentes da equivocada compra da refinaria de Pasadena, nos Estados Unidos _ operação que, segundo o delator, também envolveu pagamento de propinas.

Diante do novo escândalo, justifica-se plenamente o pedido da oposição para que a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito que investiga a Petrobras convoque o ex-diretor denunciante, a fim de que detalhe o nome dos beneficiados pelo esquema de corrupção, o que se recusou a fazer em depoimento anterior. Mais do que isso, é impositivo que o Supremo Tribunal Federal e o Tribunal Superior Eleitoral também se pronunciem sobre a delação premiada e sobre os políticos suspeitos, pois a população brasileira precisa de respostas rápidas no momento em que se prepara para eleger novos governantes e parlamentares.

A corrupção na eleição da Ficha Limpa - EDITORIAL CORREIO BRAZILIENSE

CORREIO BRAZILIENSE - 08/09
Em menos de um mês, o Brasil realizará as primeiras eleições gerais sob a vigência da Lei da Ficha Limpa. Mas a questão é: até que ponto o eleitor está tranquilo de que esse será um pleito limpo, à parte a lisura do processo em si, com a votação e a apuração dos votos há anos conduzidas sob extremo controle pela Justiça Eleitoral do país? 
As dúvidas já começam pela articulação das alianças, com os tantos interesses em jogo, incluindo a distribuição do tempo de propaganda no rádio e na tevê. Seguem com a arrecadação de verbas e a prestação de contas das campanhas, portas de entrada da corrupção, de controle praticamente fictício. Basta ver a quantidade de casos de desvios apurados em operações anticorrupção executadas pela Polícia Federal. 

Conhecido o resultado das urnas, a montagem dos governos, com a livre nomeação de cargos comissionados, é outro problema histórico. E por aí vai, numa escalada sem fim, enquanto o Brasil galga vergonhosos degraus no ranking da ONG Transparência Internacional, que mede a percepção da corrupção em 177 países. Ali figuramos no 72º lugar entre as nações menos corruptas.

Essa triste história tem outros capítulos igualmente vexaminosos. Um exemplo é o fato de a Câmara dos Deputados dar as costas à questão. Segundo o coordenador da Frente Parlamentar de Combate à Corrupção, deputado Francisco Praciano (PT-AM), há seis anos o plenário da Casa não vota um só projeto ligado ao tema. E nada menos do que 141 proposições estão em tramitação, 20 delas há mais de uma década -  uma desde 1990. 

Ressalve-se que lei anticorrupção sancionada um ano atrás pela presidente Dilma Rousseff, prevendo pena para pessoas jurídicas envolvidas em ilícitos com a administração pública, foi iniciativa não do Legislativo, mas do próprio Executivo, proposta pela Controladoria-Geral da União. Mais: continua pendente de regulamentação. E também a Lei da Ficha Limpa nasceu fora do Congresso Nacional, como proposição da sociedade civil, elaborada por um grupo de juristas e apresentada com a assinatura de 1,6 milhão de eleitores.

Não se tem a ingenuidade de imaginar que eficiente arcabouço legal bastará para acabar com a corrupção no Brasil. Há que ter condições também para que as instituições funcionem na direção de assegurar o pleno atendimento ao anseio de limpeza ética reclamado nos quatro cantos do país, ou seja, é preciso fazer valer a lei, fechando as brechas a desmoralizantes recursos judiciais que costumam torná-la letra morta.

A praga da corrupção faz mais do que tirar dinheiro da saúde, da educação, da segurança e dos transportes, para citar quatro áreas essenciais da administração pública, que mais de perto afligem os direitos do cidadão. Ela também violenta a iniciativa privada. Ao encarecer o investimento, com a propina acrescentada ao orçamento das obras, rouba a competitividade do empresariado, desestimula os negócios, reduz a oferta de empregos. O eleitor precisa, pois, estar muito consciente do voto que depositará nas urnas - do presidente da República ao deputado estadual ou distrital.

Adiamento de inspiração eleitoral - EDITORIAL O ESTADÃO

O ESTADO DE S.PAULO - 08/09

As razões técnicas alegadas pelo Ministério de Minas e Energia não são fortes o bastante para afastar a suspeita de que o adiamento, de 30 de setembro para 28 de novembro, do maior leilão de energia nova a ser realizado neste ano decorreu da crescente preocupação do governo com as chances de reeleição da presidente Dilma Rousseff. Não parece ser mera questão técnica a marcação, para depois de conhecidos os resultados da eleição presidencial (em 5 de outubro, em primeiro turno; e em 26 de outubro, se necessário o segundo turno), do leilão em que os participantes do mercado de energia tenderão a demonstrar a desconfiança criada pelas imensas falhas do programa de energia do atual governo. Caso se mantivesse a data original, a comprovação, às vésperas do primeiro turno da eleição, do fracasso do plano que tem sido uma das bandeiras da campanha de Dilma poderia ter impacto desastroso sobre as possibilidades eleitorais da candidata à reeleição - caso ela consiga preservá-las até lá.

O leilão adiado é da modalidade conhecida no mercado como A-5, por meio do qual se contrata com cinco anos de antecedência a energia elétrica a ser gerada por novos empreendimentos. Ou seja, desta vez será leiloada energia a ser fornecida a partir de 2019. Dessa forma, procura-se garantir a segurança necessária para empreendimentos de longo prazo de maturação, como uma usina hidrelétrica, bem como o fornecimento para os grandes consumidores. Por suas características, é um leilão que tende a mostrar a confiança, ou a desconfiança, no futuro do programa energético.

A principal explicação do governo para o adiamento é a possibilidade de, com o novo prazo, entrar no leilão a energia de hidrelétricas prestes a obter o licenciamento de construção, e que acrescentarão 460 megawatts (MW) de potência ao sistema gerador, além da energia de fonte eólica. Com esse argumento, o governo deixa claro, mais uma vez, que planeja mal suas diferentes ações no campo da energia.

Ao programar o leilão, o governo já deveria dispor dos elementos necessários para fixar seus limites e estabelecer suas regras. As diretrizes do leilão foram publicadas no dia 16 de abril. Pouco depois, o presidente da Empresa de Pesquisa Energética, Maurício Tolmasquim, anunciou que mais de mil projetos - totalizando 50.906 MW - se inscreveram, destacando-se termoelétricas a gás natural e usinas eólicas. Depois de tudo pronto, o governo agora fala em acrescentar novas hidrelétricas.

O interesse nas termoelétricas é justificável. Ele se deve à necessidade de assegurar fontes alternativas às hidrelétricas, cuja operação depende do regime de chuvas. A seca em importantes regiões produtoras colocou em risco a regularidade do abastecimento - e o racionamento de energia seria a última coisa que o governo Dilma desejaria neste ano eleitoral. Já as novas hidrelétricas previstas na nota em que o Ministério anunciou o adiamento do leilão pouco acrescentarão à oferta já conhecida.

Mas, muito além das razões técnicas, o que deve ter levado o governo a adiar o leilão de energia nova foi a situação crítica em que se encontra o setor energético - e que decorre justamente do modelo que a administração Dilma lhe impôs. Esse modelo, baseado na redução de tarifas, levou à crise financeira das empresas distribuidoras, obrigadas a comprar energia a preço de mercado - num período de pouca chuva, que forçou o acionamento de todas as usinas termoelétricas, cuja operação é bem mais cara do que a das hidrelétricas - e a fornecer ao consumidor a preços severamente contidos.

Na área de geração, os critérios para renovação das concessões impuseram pesadas perdas para as empresas que os aceitaram, sobretudo a Eletrobrás. Algumas, porém, não concordaram com as regras.

Novos problemas somaram-se a antigos - como atrasos em obras e investimentos nas áreas de geração e transmissão -, prejudicando ainda mais o setor. Quanto às tarifas, artificialmente contidas, já começam a ser corrigidas, como era previsível.