domingo, setembro 23, 2012

Desliguem as câmeras no STF já - GUILHERME FIÚZA

REVISTA ÉPOCA 


O julgamento do mensalão está pondo a democracia em risco, porque está todo mundo vendo. O alerta do se­cretário de comunicação do PT, André Vargas, deputado pelo Paraná, é preocupante. Ele denuncia as transmissões ao vivo do Supremo Tribunal Federal como um perigo para as instituições, as pessoas e os partidos. Esse negócio de ficar mostrando as coisas como elas são, na hora em que aconte­cem, ainda vai dar problema.

Tudo era muito melhor antes de Roberto Jefferson abrir a janela e deixar a luz entrar. Na penumbra, sem ninguém de fora ver nada, a democracia estava mais protegida. Os negócios patrióticos que corriam de lá para cá pelo valerioduto teriam prosperado, e certamente haveriam pula­do da casa dos milhões para a dos bilhões. No que a TV mostrou e a imprensa publicou, aquele promissor proje­to nacional escorreu pelo ralo. Um prejuízo incalculável.

André Vargas diz que o julgamento no STF virou “quase um Big Brother da Justiça”. Com a habilidade de comuni­cador que fatalmente tem um secretário de comunicação, ele sugere que aquilo que se passa na corte suprema do país é uma palhaçada. Sua imagem nos permite imaginar que, a qualquer momento, os juizes tirarão suas capas e mergulharão de sunga na piscina, exibindo seus músculos, seus planos para a festinha de logo mais e suas intrigas para jogar o colega ao lado no paredão.

É uma sólida argumentação. Realmente, fora do circo, as palhaçadas só deveriam ocorrer entre quatro paredes. Sem transmissão ao vivo. A palhaçada da cúpula do PT, com Marcos Valério transferindo dinheiro do Estado para o partido, não tinha nada de vir a público. Era um assunto privado deles, ninguém tinha nada com isso. E o fato de a operação envolver dinheiro do povo não tinha o menor problema. Eles tinham sido eleitos por esse povo para fa­zer o que sabiam fazer. Estavam, portanto, cumprindo seu compromisso democrático. Tanto que, depois disso, foram eleitos novamente duas vezes para dirigir o país. Cada povo tem os palhaços que merece.

Só não fica bem, como disse André Vargas, botar essas coisas na televisão. Se a família está jantando, a comida pode não cair bem. E um risco para a democracia e para o estômago dos brasileiros. Para que viver perigosamente?

Democratas deste Brasil grande, interrompam ime­diatamente a transmissão das sessões do Supremo. De­tenham enquanto é tempo esse atentado às instituições e às pessoas de bem. Não é preciso tanta pressa para saber o que se passa no Tribunal. Vamos deixar as coisas se acalmar, a febre baixar e o povo se distrair com outra coisa. Papai Noel não demora, depois tem o Carnaval, e aí começa a contagem regressiva para a Copa do Mun­do no Brasil. Ninguém vai querer que este país sedie o maior evento do mundo com sua democracia em risco. Desliguem as câmeras no STF já!

Outro brasileiro que subiu o tom em defesa da de­mocracia foi o senador Jorge Vianna, do PT do Acre. Ele era um político moderado, equilibrado, conhecido pela sensatez. Mas tudo tem limite. Depois que o nome de Luiz Inácio da Silva começou a circular no Supremo, e que declarações atribuídas a Marcos Valério colocaram o ex-presidente no topo da palhaçada, o senador mansinho virou bicho. Assim como seu colega André Vargas, pôs o dedo na ferida: isso é um golpe da elite preconceituosa.
Para os não iniciados, é bom esclare­cer: “elite”, no dicionário do PT, é um ter­mo figurativo muito importante para os ladrões do bem, que os mantém na condição de milionários oprimidos. Eles têm o poder - mas “elite” são os outros.

É um conceito que funciona bem há bastante tempo, e em time que está ganhando não se mexe. A outra palavra- chave desse dicionário é “preconceito”. Luiz Inácio da Silva é o filho do Brasil, vítima da “elite”. Se você tiver “preconceito” contra a montagem de um governo qua­drilheiro, esqueça. Você estará sempre discriminando o pobre homem bom. Não importa quantos valeriodutos atravessem a biografia dele.

Como já decretara o nosso Delúbio, o mensalão é um gol­pe da direita contra o governo popular. Jorge Vianna, André Vargas e grande elenco petista estão dizendo: pelo amor de Deus, continuem acreditando nisso, senão estamos fritos.

Buscando a excelência - LYA LUFT


REVISTA VEJA


"A mediocridade reina, assustadora, implacável e persistente. Autoridades desinformadas, alunos que saem do ensino médio semianalfabetos e assim entram nas universidades, que aos poucos vão se tornando reduto de pobreza intelectual"


Quando falo em excelência, não me refiro a ser o melhor de todos, ideia que me parece arrogante e tola. Nada pior do que um arrogante bobo, o tipo que chega a uma reunião, seja festa, seja trabalho, e já começa achando todos os demais idiotas. Nada mais patético do que aquele que se pensa ou se deseja sempre o primeirão da classe, da turma, do trabalho, do bairro, do mundo, quem sabe? Talento e discrição fazem uma combinação ótima.

Então, excelência para mim significa tentar ser bom no que se faz, e no que se é. Um ser humano decente, solidário, afetuoso, respeitoso, digno, esperançoso sem ser tolo, idealista sem ser alienado, produtivo sem ser viciado em trabalho. E, no trabalho, dar o melhor de si sem sacrificar a vida, a família, a alegria, de que andamos tão carentes, embora os trios elétricos desfilem e as baladas varem a madrugada.

Estamos carentes de excelência. A mediocridade reina, assustadora, implacável e persistente. Autoridades, altos cargos, líderes, em boa parte desinformados, desinteressados, incultos lamentáveis. Alunos que saem do ensino médio semianalfabetos e assim entram nas universidades, que aos poucos - refiro-me às públicas - vão se tornando reduto de pobreza intelectual. As infelizes cotas, contra as quais tenho escrito e às quais me oponho desde sempre, servem magnificamente para alcançarmos este objetivo: a mediocrização também do ensino superior. Alunos que não conseguem raciocinar porque não lhes foi ensinado, numa educação de brincadeirinha. E, porque não sabem ler nem escrever direito e com naturalidade, não conseguem expor em letra ou fala seu pensamento truncado e pobre. Professores que, mal pagos, mal estimulados, são mal preparados, desanimado e exaustos ou desinteressados. Atenção: há para tudo isso grandes e animadoras exceções, mas são exceções, tanto escolas quanto alunos e mestres. O quadro geral é entristecedor.

E as cotas roubam a dignidade daqueles que deveriam ter acesso ao ensino superior por mérito, porque o governo lhes tivesse dado uma ótima escola pública e bolsas excelentes: não porque, sendo incapazes e despreparados, precisassem desse empurrão. Meu conceito serve para cotas raciais também: não é pela raça ou cor, sobretudo autodeclarada, que um jovem deve conseguir diploma superior, mas por seu esforço e capacidade, porque teve ótimos 1° e 2° graus em escola pública e/ou bolsas que o ampararam. Além do mais, as bolsas por raça ou cor são altamente discriminatórias: ou teriam de ser dadas a filhos de imigrantes japoneses, alemães, italianos, que todos sofreram grandemente chegando aqui, e muitos continuam precisando de esforços inauditos para mandar um filho à universidade.

Em suma, parece que trabalhamos para facilitar as coisas aos jovens, em lugar de educá-los com e para o trabalho, zelo, esforço, busca de mérito, uso de sua própria capacidade e talento, já entre as crianças. O ensino nas últimas décadas aprimorou-se em fazer os pequenos aprender brincando. Isso pode ser bom para os bem pequenos, mas já na escola elementar, em seus primeiros anos, é bom alertar, com afeto e alegria, para o fato de que a vida não é só brincadeira, que lazer e divertimento são necessários até à saúde, mas que escola é também preparação para uma vida profissional futura, na qual haverá disciplina e limites - que aliás deveriam existir em casa, ainda que amorosos.

Muitos dirão que não estou sendo simpática. Não escrevo para ser agradável, mas para partilhar com meus leitores preocupações sobre este país com suas maravilhas e suas mazelas, num momento fundamental em que, em meio a greves, justas ou desatinadas, projetos grandiosos e seguidamente vãos - do improviso e da incompetência ou ingenuidade, ou desinformação -,se delineia com grande inteligência e precisão a possibilidade de serem punidos aqueles que não apenas prejudicaram monetariamente o país, mas corroeram sua moral, e a dignidade de milhões de brasileiros. Está sendo um momento de excelência que nos devolve ânimo e esperança.

Dilma e os fatos da vida - ROLF KUNTZ


O Estado de S.Paulo - 23/09


Com 20 meses de atraso a presidente Dilma Rousseff lançou um programa de governo. A promessa, agora, é conduzir o País a um "novo ciclo de desenvolvimento". Para isso, admitiu, será preciso cuidar da competitividade, um "novo conceito", segundo ela, acrescentado às três "palavrinhas mágicas" até agora adotadas como diretrizes - estabilidade, crescimento e inclusão. O compromisso foi oficializada no discurso de 6 de setembro, véspera da festa da Independência. O conceito é bem conhecido. A única novidade é o reconhecimento parcial, pela presidente, de alguns fatos apontados por vários analistas há muito tempo e teimosamente ignorados ou menosprezados pelo governo:

1. Falta à economia brasileira potencial para crescer de forma sustentável acima da média dos últimos 10 anos. Estimativas de economistas respeitáveis apontam uma capacidade média de crescimento de uns 4% ao ano, talvez pouco menos que isso;

2. Os principais problemas de competitividade e, portanto, de crescimento, estão associados a fatores bem conhecidos e geralmente indicados pelo rótulo "custo Brasil". Esse conjunto inclui, entre outros itens, infraestrutura deficiente, tributação pesada e irracional, excesso de burocracia, instabilidade de regras e insegurança jurídica, além de uma escassez crescente de mão de obra qualificada ou até sem condições de ser treinada no trabalho. Estudos periódicos do Banco Mundial, do Fórum Econômico Mundial e de grandes empresas de consultoria têm explorado seguidamente esses problemas. O mau desempenho dos estudantes brasileiros em testes internacionais - e até nacionais - comprova a baixa qualidade do ensino e, mais que isso, os erros do governo ao eleger as prioridades da política educacional.

Deu-se muita ênfase à abertura das portas das faculdades, embora os grandes problemas estivessem nos níveis inferiores e o gargalo mais apertado fosse obviamente situado no ensino médio. Uma espiada nos dados do IBGE confirmaria facilmente essas afirmações. Nos últimos tempos, a propaganda oficial começou a alardear investimentos em escolas técnicas. Os fatos mostram outra história;

3. A presidente e seu ministro da Fazenda gastaram muito tempo acusando as autoridades do mundo rico de promover uma guerra cambial e de inundar o mundo com um tsunami monetário. O desajuste cambial de fato ocorreu, mas apenas agravou os problemas estruturais, O câmbio melhorou, mas a importação continuou, durante meses, crescendo mais que a exportação. Só a competitividade do agronegócio impediu um resultado pior.

Câmbio faz diferença, de fato, mas no Brasil a depreciação cambial serviu por muitos anos principalmente para mascarar as muitas ineficiências nacionais. Boa parte do empresariado acostumou-se ao conforto dessa proteção extra, numa economia já superprotegida. Por isso brigou muito pelo câmbio e bem menos do que devia contra os problemas estruturais. A Confederação Nacional da Indústria já produziu bons trabalhos sobre a competitividade, mas passou, recentemente, a dar maior destaque ao tema em seu portal.

Os planos de logística, de desoneração da folha de salários e de barateamento da eletricidade são apenas um começo. Falta muito para a montagem de uma política de competitividade. Mesmo com a convocação do setor privado para os investimentos em infraestrutura, a ineficiência do governo continuará sendo um entrave importante. Nada melhor que o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) para evidenciar a baixa qualidade da gestão federal.

Política & negócios - DENISE ROTHENBURG


CORREIO BRAZILIENSE 23/09

Alguns encontros servem para medir a quantas anda a confiança em determinados setores dentro de um país. E se comparados com edições anteriores, indicam quanto servem para embalar a política. A Rio Oil & Gas é um desses casos. O evento é o maior da América Latina do setor do petróleo. Ocorre de dois em dois anos, atraindo empresas de todo o mundo. Este ano, foi mais tímido. No dia de sua abertura, por exemplo, a cúpula do governo tratava de obras de plataformas da Petrobras no estaleiro de Rio Grande (RS), bem longe dos empresários que foram ao Rio de Janeiro para a conferência.

Aqueles experientes homens de negócios do setor, que não perdem uma edição, registraram os detalhes das mudanças de prioridade do governo. Em 2008, a conferência do petróleo foi aberta pelo ministro de Minas e Energia, Edison Lobão. No ano seguinte, o governo Lula anunciou a implantação do sistema de partilha para exploração do pré-sal. A então toda-poderosa ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff — que àquela altura já era apontada como pré-candidata do PT à sucessão de Lula — brilhou apresentando o pacote de medidas, falando da necessidade de investir a riqueza do pré-sal em educação. Para a solenidade, o governo reservou o Centro de Convenções, em Brasília. Ali, um vídeo e vários discursos deram aos brasileiros aquela ideia de “agora vai”, de “Brasil pra frente”.

No embalo do marco regulatório do pré-sal, a Rio, Oil & Gas 2010, ano eleitoral, bateu recordes de negócios. Naquele ano, os jornais mencionaram R$ 176 milhões em negócios fechados durante a feira. Este ano, na primeira feira do governo Dilma Rousseff, as projeções do setor indicam R$ 152,8 milhões nessas rodadas de negócios. E só não foi menor, porque, em meio à Conferência, o governo anunciou que, em 2013, vai retomar as rodadas de licitação de áreas para exploração de petróleo. Esses certames estão suspensos desde 2008, quando o governo preparou o marco regulatório do pré-sal. A votação daquelas medidas não foi concluída até hoje no Congresso Nacional, por causa da batalha em torno dos royalties do petróleo.

Dentro do governo, há a nítida sensação de que, se nada for feito ainda este ano para tirar a roda do petróleo do atoleiro, a imagem de “agora vai”, criada naquela solenidade de 2009, será o feitiço contra o feiticeiro. Por isso, o governo e, por tabela, o Congresso, terão que enfrentar esse debate dos royalties tão logo termine as eleições municipais. Há um consenso geral de que nesse setor que serviu de combustível à candidatura de Dilma não pode patinar.

Na conferência do petróleo de 2012, entretanto, chegou ao ponto de a presidente da Petrobras, Graça Foster, usar o seu discurso no encerramento da feira para cobrar o cumprimento de prazos. Para bons entendedores, está claro que o momento não é de festa. Afinal, encerrar um evento com cobranças em vez de agradecimentos indica que algo está fora do script. E, mais adiante, a conta virá. Se o eleitor chegar ali na frente e achar que essa história de exploração do pré-sal foi apenas marketing, a popularidade de Dilma pode sofrer alguns abalos no futuro. E é justamente isso que o governo pretende evitar a partir de agora.

Enquanto isso, na sala de Dilma…
A presidente da República não vai deixar que citem seu nome no julgamento do mensalão sem que ela rebata o que considerar abusivo. A primeira foi a nota divulgada na última sexta-feira, em que Dilma rebateu a conclusão do relator Joaquim Barbosa sobre o fato de ela ter ficado surpresa com a aprovação do marco regulatório da energia em tempo recorde. Se houver novas colocações a respeito, serão respondidas. Talvez não esta semana, quando a presidente passará três dias em Nova York. Estaremos lá para acompanhá-la.

Os bancos centrais mudaram? - HENRIQUE MEIRELLES

FOLHA DE SP - 23|09


A atuação dos bancos centrais tem gerado, em círculos especializados, intensa discussão sobre o seu papel.


Esse debate é mais importante do que parece. O sucesso ou o fracasso de decisões recentes do Banco Central Europeu (BCE) e do Federal Reserve (Fed, o BC dos EUA) terá impacto direto na vida de milhões de pessoas. Poderá significar mais emprego ou desemprego e mesmo fome para muita gente no mundo.

O BCE decidiu comprar dívidas dos países do sul da Europa em dificuldades desde que aceitem reformas estruturais visando maior competitividade. Já o Fed anunciou mais apoio ao setor imobiliário e o prolongamento de outros estímulos.

A conclusão de alguns analistas é que isso significa mudança radical do papel dos BCs, já que, no passado, eles buscavam controlar a inflação e, agora, agem com força para manter o emprego e a atividade econômica, o que seria uma guinada de 180 graus em seu papel e forma de atuação.

Alguns aplaudem essa mudança radical, dizendo que o mundo se livrou de BCs preocupados só com inflação dentro do pressuposto de que isso poderia levar a maior crescimento a médio e longo prazo. Outros denunciam a mudança como caminho ao desastre, prevendo inflações ou hiperinflações destrutivas.
Minha visão é bastante diferente dessas abordagens. De fato, os BCs reagem, hoje, de forma diferente das últimas décadas. Mas a situação também é muito diversa e demanda ações diferentes. A questão é saber se isso muda o papel e a missão dos BCs. Eu acho que não.

Os BCs, em situação normal, têm por fim manter o poder aquisitivo da moeda dentro da visão de que essa é a maior contribuição que podem dar ao crescimento e à melhora na vida da população. Como as condições econômicas hoje não são normais e os canais de execução das políticas do BC estão emperrados, Fed e BCE atuam para restaurar o bom funcionamento do sistema. Isso não é novo, apesar de não ser usual, como a situação econômica não é usual.

Um exemplo pode deixar as coisas mais claras. Um médico especializado em circulação tem pacientes com pressão alta. Ele está sempre procurando baixar a pressão ou controlá-la, mantê-la na meta recomendada. Se um paciente sofre parada cardíaca, o médico age para restaurar a circulação e elevar a pressão. Mudou o papel do médico? Não é mais o mesmo médico? Não, ele ainda é o mesmo, só está reagindo a um momento anormal. É a mesma coisa com os bancos centrais, hoje procurando reavivar o pulso da economia e a circulação dos recursos.

Mas, se a pressão voltar a subir e a saúde for restabelecida, seria um erro grave o médico insistir em continuar elevando a pressão.

Além da fronteira do Cosmos - MARCELO GLEISER

FOLHA DE SP - 23|09


A ideia de que o Universo se expande a partir de um ponto central, embora intuitiva, está errada



Onde termina o Universo? A resposta depende de muitos fatores. Quando os cosmólogos afirmam que o Universo está em expansão, as pessoas imaginam uma espécie de explosão a partir de um ponto central, feito uma bomba. As galáxias que se afastam são como os detritos da bomba, voando pelo espaço.

Embora seja intuitiva, essa imagem está errada. A expansão do Universo é uma expansão do próprio espaço, o qual, após a teoria da relatividade geral de Einstein, ganhou plasticidade: ele pode se expandir, contrair-se ou se dobrar como um balão de borracha.

As galáxias -que, feito ilhas num oceano, são os marcos cósmicos de distância- são carregadas pela expansão do espaço. Se elas têm um movimento adicional, por exemplo, quando duas próximas se atraem gravitacionalmente, ele é superposto ao seu afastamento inexorável, causado pela expansão do espaço. Uma das consequências imediatas dessa expansão é que o Universo não tem um centro.

Imagine que você, da sua galáxia, observa outras à sua volta. Com a expansão do espaço, todas estão se afastando. A conclusão seria que a sua galáxia deve ser o centro de tudo -mas não é. Um observador numa outra galáxia vê todas as galáxias, inclusive a nossa, afastando-se dele. O mesmo com todas as galáxias. No Universo, todos os pontos são igualmente importantes.

Mas, se isso é verdade, como explicar a contração do espaço perto do Big Bang? Se o Universo agora está em expansão, no passado as distâncias eram menores. Astrônomos podem medir as velocidades de afastamento das galáxias e, passando o filme ao contrário, projetar quando elas estariam amontoadas em um volume mínimo.

Esse momento marca o início da nossa história cósmica, quando tudo começou -cerca de 13,7 bilhões de anos atrás, aproximadamente o triplo da idade da Terra.
Quando juntamos a história cósmica com a velocidade da luz, chegamos ao conceito de horizonte cósmico. Como a velocidade da luz define a da informação que recebemos, num Universo com idade finita só podemos receber informação de objetos situados até a distância que a luz percorreu nesse tempo. Feito a linha do horizonte, que marca quão longe enxergamos da praia.

Mas o mar não termina no horizonte. E o Universo? Também não. Se o Universo não estivesse em expansão, a distância até o horizonte seria de 13,7 bilhões de anos-luz. Como o espaço estica com o tempo, ondas de luz pegam uma carona e podemos ver mais longe: o horizonte cósmico fica a cerca de 46 bilhões de anos-luz de distância.

Para além desse horizonte, podemos apenas especular. Pode ser que o Universo seja espacialmente infinito com uma geometria plana (feito o topo de uma mesa, mas em três dimensões) ou aberta (feito o topo de uma sela de cavalo, mas em três dimensões, difícil de visualizar).

O Universo também pode ser fechado, feito a superfície de um balão (mas em três dimensões), ou ter uma forma ainda mais estranha.

A existência do horizonte sugere uma limitação séria: somos parcialmente cegos no que tange à estrutura cósmica. Além do horizonte pode até haver um multiverso. Mas nos certificar disso parece, ao menos por ora, muito difícil, se não impossível.

Risco de indulto para mensaleiros - VINICIUS SASSINE


O GLOBO - 23/09

Benefício de Natal poderia ir para pelo menos três réus do mensalão, avaliam procuradores

Integrantes do Ministério Público que tentam limitar o alcance do indulto — o perdão da pena a partir de uma decisão do presidente da República — temem que os próximos decretos presidenciais beneficiem réus do mensalão condenados à prisão. Um grupo de promotores de Justiça e procuradores da República propôs ao Ministério da Justiça a proibição para conceder indulto a condenados por corrupção, lavagem de dinheiro e crimes contra o sistema financeiro nacional, principais acusações debatidas na ação penal do mensalão em julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF). Réus presos por esses crimes podem ser indultados em casos de penas inferiores a 12 anos de reclusão. Os decretos preveem ainda reduções gradativas das penas, as chamadas comutações.

Diante das enormes chances de prisão a partir das condenações no STF, promotores e procuradores que integraram um grupo de trabalho constituído no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) apontam chances reais de réus do mensalão serem beneficiados com o perdão presidencial.

O indulto é uma atribuição do Executivo. A cada fim de ano, o presidente publica um decreto em que garante o perdão ou a redução da pena, com base em critérios definidos pelo próprio governo. Primeiro, o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) — vinculado ao Ministério da Justiça — recebe sugestões em audiências públicas e elabora uma minuta do decreto. O documento, então, é encaminhado ao ministro da Justiça, que o remete à Casa Civil da Presidência. Ao fim do debate, o presidente publica o decreto em dezembro, em alusão ao Natal.

O decreto atual — o primeiro assinado pela presidente Dilma Rousseff e pelo ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo — permite que presos condenados a até oito anos de detenção sejam indultados, desde que tenham cumprido um terço da pena.

Pessoas sentenciadas a penas entre oito e 12 anos também podem receber o benefício, caso o crime tenha sido praticado "sem grave ameaça ou violência” Há ainda possibilidades de perdão seguindo critério de idade ou a necessidade de tratamento médico.

MEDIDA VEM SENDO FLEXIBILIZADA

Os decretos presidenciais passaram a abarcar cada vez mais possibilidades de perdão de pena ao longo dos anos. Em 2002, o último ato do presidente Fernando Henrique Cardoso permitiu indulto a condenados a menos de seis anos de prisão e vetou o benefício a sentenciados por crimes contra o sistema financeiro. Já o primeiro decreto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2003, permitiu o indulto no caso de crimes contra o sistema financeiro. O então ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, assinou o decreto junto com Lula. Hoje, Bastos é advogado do ex-diretor do Banco Rural José Roberto Salgado, já condenado pelo STF por gestão fraudulenta — um crime contra o sistema financeiro. Em 2010, o benefício foi estendido aos presos que cumpriram um terço de penas de até 12 anos.

Três casos analisados pelos procuradores, com base no decreto vigente e nos indicativos de pena já apontados no julgamento do mensalão, mostram como os réus podem se beneficiar.

Presidente nacional do PTB e delator do esquema de compra de votos no Congresso, Roberto Jefferson seria indultado automaticamente, em caso de condenação a pena privativa de liberdade. O atual decreto prevê perdão a presos que "exijam cuidados contínuos que não possam ser prestados no estabelecimento penal”! O ex-deputado enfrenta um câncer no pâncreas. A pena do deputado federal João Paulo Cunha (PT-SP), condenado por corrupção passiva, peculato e lavagem de dinheiro, pode ser inferior a 12 anos, o que o habilitaria ao indulto.

É também o caso do ex-diretor de Marketing do Banco do Brasil Henrique Pizzolato, condenado pelos mesmos crimes. A dosimetria aplicada pelo ministro Cezar Peluso, que se aposentou em meio ao julgamento, indica uma pena de 12 anos e um mês de reclusão em regime fechado. Se o plenário reduzir minimamente essa pena, Pizzolato poderá ter perdão de dois terços do tempo.

O procurador da República no Rio Luiz Fernando Voss, que integrou um grupo de trabalho no CNMP responsável por fazer sugestões para o decreto presidencial, cita o caso do ex-banqueiro Salvatore Cacciola. Ele recebeu o indulto da Vara de Execuções Penais do Rio neste ano por ter mais de 60 anos e por ter cumprido um terço da pena de reclusão. Cacciola, protagonista do escândalo do Banco Marka, foi condenado a 13 anos de prisão por crimes contra o sistema financeiro nacional. A sentença está extinta.

— Os decretos sempre mudam para facilitar a concessão do indulto, para favorecer os apenados — diz Luiz Fernando.

O procurador regional da República Douglas Fischer, com atuação no Rio Grande do Sul, afirma haver "muitos casos de indultados condenados por corrupção”. O Ministério da Justiça não tem dados estatísticos de indultos por tipo de crime.

— É possível que réus do mensalão sejam beneficiados por indulto. As chances são muito grandes, inclusive de progressão da pena — afirma Fischer, que auxiliou o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, com um estudo sobre a responsabilização de réus em casos de provas indiretas de participação no crime.

O procurador da República Daniel de Resende Salgado, com atuação no estado de Goiás, concorda com a "grande possibilidade” de os réus do mensalão cumprirem apenas uma parte da pena.

— A presidente da República assina compromissos internacionais de combate à corrupção e a crimes contra o sistema financeiro, mas passa um sinal contrário à sociedade quando indulta esses crimes — critica o procurador Daniel Salgado.

SAIBA AS REGRAS
SEM DIREITO A INDULTO


Casos de terrorismo, tortura e tráfico de drogas; todos os crimes hediondos e os previstos no Código Penal Militar
CASOS POSSÍVEIS de PERDÃO OU REDUÇÃO DE PENA
Lavagem de dinheiro, corrupção, peculato e gestão fraudulenta (crime contra o sistema financeiro nacional)

Imprensa da liberdade - JANIO DE FREITAS

FOLHA DE SP - 23/09


A liberdade de debate cultural, e mesmo religioso, não se confunde com a liberdade de pregar racismo 

O autor do filmeco e os extremistas da idolatria islamista deram-nos, a nós ocidentais, mais uma oportunidade de fazer o que não faremos: refletir sobre a liberdade de imprensa sem ideias prefixadas.
O tema é dificílimo em dois sentidos. Por si mesmo, é claro, e pela resistência ainda intransponível à busca de sua conceituação sem interesses e sem hipocrisias.
Não sou adepto da ideia de liberdade de imprensa plena: tenho convicção de que a imprensa não possui a liberdade de difundir o que ponha em risco pessoas inocentes. A decisão do semanário francês "Charlie Hebdo", de redobrar o ataque à intolerância do extremismo islamista, não foi defesa e afirmação do princípio da liberdade de imprensa.
Foi provocação utilitária, com a qual os dirigentes e acionistas da publicação obtiveram, como poderiam esperar, resultado financeiro e promocional muito acima do seu histórico (a publicação esgotou em horas). Os editores de "Charlie" aliaram-se ao autor do filmeco de origem suspeita, causa do assassinato miseravelmente covarde do embaixador dos Estados Unidos em Benghazi, na Líbia que ele ajudou a livrar de Gaddafi.
A edição anti-islamista de "Charlie Hebdo" não trouxe nem uma só contribuição positiva, por mínima que fosse, a não ser para o seu comando. Mas forçou o governo francês à humilhação de fechar suas embaixadas no mundo islâmico afora, para salvaguardar a vida de funcionários posta em risco pelas respostas à provocação do semanário.
O argumento é admissível: ainda que em nome da vida inocente, a restrição à liberdade de imprensa plena pode abrir caminho a restrições por causas deploráveis. A que liberdade de imprensa, porém, se refere o argumento, eis o problema.
Está sujeito à punição legal o jornalista que chamar de ladrão a quem não o é. Se punido pelo que fez, é porque não tinha a liberdade de fazê-lo. Abusou daquela que lhe foi concedida, mas concedida sob limitação legal -e quase sempre com desconsideração pelas especificidades do jornalismo, que ficam pendentes da sagacidade e da isenção do juiz.
A liberdade de imprensa plena, parte da plena liberdade de expressão, é alimentada também por doses variáveis de hipocrisia. O governo dos Estados Unidos e a justiça da Califórnia disseram não agir contra o tal filmeco em respeito à liberdade de expressão. Mas só um tolo acreditará que, se em vez de Maomé, o filmeco retratasse do mesmo modo George W. Bush, por exemplo, o governo americano deixaria as cenas correndo o mundo pelo YouTube. E o autor isentado de processo.
A França da "Charlie Hebdo" proibiu, judicialmente, as fotos do topless de Kate Middleton, mulher do príncipe William, e fez a polícia buscar os originais na revista "Closer" (cujo valor para a liberdade de imprensa é mensurável pela propriedade de Silvio Berlusconi).
Jornalistas e "scholars" americanos, poucos embora, deixaram e ainda fazem trabalhos sobre a violação da Primeira Emenda, a da liberdade de imprensa na Constituição dos Estados Unidos, por medidas impostas pelo governo Bush a partir da derrubada das Torres Gêmeas. A própria história do 11 de Setembro ainda tem partes sob censura, como o ocorrido com o quarto avião, "caído".
"A possibilidade de crítica ampla" e "manifestações que poderiam ser classificadas como provocação" relacionam-se de modo diferente com a liberdade de imprensa, sem paralelismo algum entre crítica e provocação -razão da discordância em que me situo diante do editorial "Subdesenvolvimento puro", da Folha de 21/9/12.
A liberdade de crítica, de debate cultural, político ou científico, e mesmo religioso, não se confunde com a liberdade de pregar racismo, de incentivar arbitrariedades, de provocar impulsos criminosos. Aquelas práticas são a grandeza da imprensa. E as últimas, o lixo.

A educação está no ar - MARTHA MEDEIROS

ZERO HORA - 23/09


Em geral, as pessoas levam o concreto mais a sério do que o abstrato, mas é necessário repartir essa conta. Na hora de educar um filho, por exemplo, regra é o que mais existe: ensinar a agradecer, a dizer por favor, a se desculpar.

Determinar o tempo para ficar em frente ao computador, cobrar as lições da escola. Isso e mais uma sequência de eteceteras civilizatórios. Porém, sempre acreditei que esse manual de instruções terá pouco efeito se a atmosfera do lar for ruim. É imprescindível uma casa leve, em que os pais não faltem com o respeito um com o outro, em que as pessoas não engrossem por qualquer bobagem, onde ninguém humilhe as crianças, em que não se esbanje xingamentos descabidos e grosseiros.

Uma casa em que haja música boa tocando, com muitos livros, revistas e jornais, um ambiente arejado no mais amplo sentido: não só com janelas abertas, mas também com cabeças abertas. Uma casa onde os amigos possam chegar a qualquer hora e serem bem recebidos, uma casa com cheiro de comida vindo da cozinha e onde os funcionários não sejam submetidos à tirania.

Uma casa onde os membros da família sejam afetuosos entre si e que tratem os conflitos de forma apropriada: conversando. Ou até brigando, se for inevitável, mas em privado, sem acordar os vizinhos e preservando as crianças. Creio que um ambiente desestressado educa mais do que um regulamento rígido: “Isso pode, isso não pode”.

Dentro dessa linha de raciocínio, tenho reparado também na importância do tom de voz com que falamos uns com os outros, principalmente com os filhos. Podemos dizer a mesma frase com fúria, com ódio, com impaciência – ou com serenidade, com segurança, com amor. A mesmíssima frase: dependendo do tom de voz, serão duas formas totalmente distintas de se comunicar, e com resultados também diferentes.

Há muitos subentendidos no tom de voz. A pessoa que nos ouve percebe o nosso grau de comprometimento com o que estamos dizendo. Um simples “não”, se dito de forma vacilante, não será obedecido. Ficará clara a ausência de seriedade daquela ordem. Já diante de um “não” categórico, ninguém discute: é rapidamente assimilado.

Vale também para quando os filhos nos pedem algo de que não estão certos de serem merecedores, ou que desconfiam que não lhes fará bem. Sentimos na voz deles que o que eles querem, na verdade, é que imponhamos limite. Estão apenas testando nosso amor. Que desespero quando um filho nos pede algo absurdo com uma voz hesitante, quase implorando pelo nosso não, e os pais dizem um sim automático só para se livrar do assunto, sem reparar na sutileza do jogo que está se estabelecendo.

Por não saberem escutar, muitos pais abandonam seus filhos dentro da própria casa em que vivem. O tom de voz. A atmosfera do lar. Prestemos mais atenção no que o abstrato nos informa.

Paralimpíadas é a mãe - JOÃO UBALDO RIBEIRO


O Estado de S.Paulo - 23/09


Certamente eu descobriria no Google, mas me deu preguiça de pesquisar e, além disso, não tem importância saber quem inventou essa palavra grotesca, que agora a gente ouve nos noticiários de televisão e lê nos jornais. O surpreendente não é a invenção, pois sempre houve besteiras desse tipo, bastando lembrar os que se empenharam em não jogarmos futebol, mas ludopédio ou podobálio. O impressionante é a quase universalidade da adoção dessa palavra (ainda não vi se ela colou em Portugal, mas tenho dúvidas; os portugueses são bem mais ciosos de nossa língua do que nós), cujo uso parece ter sido objeto de um decreto imperial e faz pensar em por que não classificamos isso imediatamente como uma aberração deseducadora, desnecessária e inaceitável, além de subserviente a ditames saídos não se sabe de que cabeça desmiolada ou que interesse obscuro. Imagino que temos autonomia para isso e, se não temos, deveríamos ter, pois jornal, telejornal e radiojornal implicam deveres sérios em relação à língua. Sua escrita e sua fala são imitadas e tidas como padrão e essa responsabilidade não pode ser encarada de forma leviana.

Que cretinice é essa? Que quer dizer essa palavra, cuja formação não tem nada a ver com nossa língua? Faz muitos e muitos anos, o então ministro do Trabalho, Antônio Magri, usou a palavra "imexível" e foi gozado a torto e a direito, até porque ele não era bem um intelectual e era visto como um alvo fácil. Mas, no neologismo que talvez tenha criado, aplicou perfeitamente as regras de derivação da língua e o vocábulo resultante não está nada "errado", tanto assim que hoje é encontrado em dicionários e tem uso corrente. Já o vi empregado muitas vezes, sem alusão ao ex-ministro. Infutucável, inesculhambável e impaquerável, por exemplo, são palavras que não se acham no dicionário, mas qualquer falante da língua as entende, pois estão dentro do espírito da língua, exprimem bem o que se pretende com seu uso e constituem derivações perfeitamente legítimas.

Por que será que aceitamos sem discutir uma excrescência como "paralimpíada"? Já li alguns protestos na imprensa e na internet, mas a experiência insinua que paralimpíada chegou para ficar e ter seu uso praticamente imposto. Ao contrário dos portugueses, parecemos encarar nossa língua com desprezo e nem sequer pensamos em como, ao abastardá-la e ao subordiná-la a padrões e usos estranhos a ela, vamos aos poucos abdicando até de nossa maneira de ver o mundo e falar dele, nossa maneira de existir. Talvez isso, no pensar de alguns, seja desejável, mas o problema é que, por esse caminho, nunca se chegará à identificação com o colonizador que tanto se admira e inveja, mas, sim, à condição cada vez mais arraigada de colonizado, que recebe tudo de segunda mão, até suas próprias opiniões e valores.

Mas há um pequeno consolo em presenciar esse tipo de vergonheira servil. Consolo meio torto, mas consolo. Refiro-me ao fato de que nossa crescente ignorância não se limita a estropiar nossa língua, mas faz o mesmo com idiomas que consideramos superiores em tudo, como o inglês. Hoje isto caiu em desuso, mas smoking já foi aqui "smocking" durante muito tempo. Assim como doping já foi "dopping". Quanto a este, assinale-se que o som, digamos fechado, do O, em inglês, foi trocado aqui por um som aberto, é o dópin. O mesmo tipo de fenômeno ocorreu com volley, cuja primeira vogal em inglês é aberta, mas em brasinglês é fechada e já entrou no português assim.

No setor de nomes próprios, a vingança é mais completa. Em primeiro lugar, transformamos os sobrenomes deles em prenomes nossos e enchemos o País de jeffersons, washingtons, edisons (aliás, em brasinglês, Edson, como Pelé), lincolns, roosevelts e até mesmo kennedys e nixons. E não perdoamos os contemporâneos. Não só trocamos o H por E em Elizabeth, como até hoje há publicações que se referem a Margareth Thatcher, ou à princesa Margareth. Esse nome nunca teve H no fim, mas aqui é assim não só em muitos jornais quanto no caso de nossas meninas, como atesta o exemplo da minha linda e talentosa conterrânea Margareth Menezes. E das Nathalies que assim foram batizadas em homenagem a Natalie Wood. E dos Phellipes, inspirados no príncipe Philip, das Daianes da Diane, a lista não acaba.

De maneira semelhante, também alteramos não somente a pronúncia, mas as regras gramaticais do inglês. Por exemplo, é quase unânime, entre todos os numerosos militantes do brasinglês, a convicção de que qualquer plural inglês terminado em S deve ter essa letra precedida de um asterisco. Acho que é barbada apostar que, em todas as cidades brasileiras de médias para cima, serão encontrados pelo menos uma placa e cinco cardápios anunciando "Drink's". É mais chique e até o Galeão, não há muito tempo, tinha armários (lockers) de aluguel, encimados pelo letreiro "Locker's", o que fazia os falantes de inglês entender que os armários eram propriedade de um certo Mr. Locker. No Galeão, aliás, gate (portão) já soou como gay tea (chá gay) e shuttle service (ponte aérea) como chateau service (o que lá seja isso). Agora mudou, mas to (para) deu para sair um prolongado tchuu, que, a um ouvido americano, há de soar como uma onomatopeia de espirro ou partida de maria-fumaça.

Mas, até mesmo por causa ("por causa", não, por conta; agora só se diz "por conta", vai ver que vem do inglês on account of) dessas paralimpíadas, receio que as contraofensivas nacionais não serão suficientes para neutralizar a subordinação de nossa cabeça, através do incalculável poder da língua. Acho que, coletivamente, aspiramos a essa subordinação. Tem sido muito lembrado o complexo de vira-lata de que falou Nélson Rodrigues. Pois é, é isso mesmo e é também caminho seguro para sermos vira-latas de verdade.

Recorde de audiência - DANUZA LEÃO

FOLHA DE SP - 23/09


O resultado do julgamento vai encher de júbilo uma parte da população e frustrar a outra parte


O mensalão está causando mais frisson do que "Avenida Brasil". Talvez a quantidade de público seja menor -talvez-, mas o interesse pela trama é muito maior, sem dúvida -e olha que os capítulos são longos e os diálogos (mais para monólogos), em grande parte do tempo, difíceis de serem compreendidos.

Mas quem está ligado cancela tudo e passa as tardes de segundas, quartas e quintas ligado à emocionante novela, a mais genuinamente brasileira que jamais houve no Brasil. Ao vivo e em cores. Esses se telefonam para trocar impressões sobre um voto que às vezes não entenderam bem e torcem pelos juízes que vão votar a favor ou contra.

A plateia que lê os jornais e é mais informada sabe -ou acha que sabe- quem vai votar pela absolvição ou pela condenação, quem vai condenar os bagrinhos, com a intenção de parecerem imparciais, e absolver os tubarões. Salvo imprevisto, dá para intuir o voto de cada ministro, mas que os votos podiam ser mais curtos, lá isso podiam.

Não sei como é cabeça de juiz, mas imagino que se pareça com a de qualquer mortal. Quando vão julgar -sobretudo em um processo como esse, que levaram anos estudando (só para revisar, o ministro Lewandowski levou seis meses, e se não fosse o ministro Ayres Britto, estaria revisando até hoje), penso que já têm opinião formada sobre os crimes que estão julgando. Um detalhe aqui, mais uma nota fiscal ali, já sabem se se trata de 38 inocentes ou de uma quadrilha, conforme denúncia do procurador. E, a não ser que surja uma nova interpretação de algum fato, dificilmente vão mudar de opinião.

Algumas frases marcaram: quando a ministra Cármen Lúcia disse que "o dinheiro está para o crime como o sangue está para as veias"; quando o ministro Gilmar Mendes disse que faltava "uma alma ao processo", e a fala do ministro Luiz Fux. Disse que se perguntasse a um filho se ele tinha feito alguma coisa errada e a resposta fosse não, seria uma coisa. Se respondesse "não há nenhuma prova contra mim", seria completamente diferente; grande ministro, Luiz Fux.

O resultado desse julgamento, seja ele qual for, vai encher de júbilo uma parte da população e frustrar as esperanças de uma outra parte.

Nesse campo não existe ninguém neutro, nem ninguém que não esteja acompanhando, "porque tem mais o que fazer".

Vai ser preciso ter paciência e esperar, mas para quem esperou durante sete anos, três ou quatro semanas não vão fazer diferença. E quando terminar o julgamento da ação penal 470 -eles não gostam que se use a palavra mensalão-, será hora de retomar a CPI do Cachoeira, que tem andado meio esquecida.

Há os que têm certeza de tudo -para um lado ou para o outro. Os que juram que serão todos condenados e os que asseguram que vai acabar tudo em pizza. Os que dizem que mais sabem são os que menos sabem.

Falta pouco para o último capítulo, e a temperatura está esquentando. Novidade, novidade mesmo, é o novo ministro indicado pela presidente, Teori Zavascki, que será sabatinado na terça, com a providencial ajuda do senador Calheiros.

Nunca antes neste país -pelo menos do primeiro governo Lula até agora- um ministro para o Supremo foi indicado com tal rapidez, e a sabatina no Senado marcada, também, com tamanha rapidez.

O compromisso com o erro - JOÃO BOSCO RABELLO


O ESTADÃO - 23/09


Sob perspectiva histórica, a nota assinada pelos partidos da base aliada em solidariedade a Lula é um desastre completo. Por mais que se esforcem para dar ao conteúdo o limite da solidariedade ao ex-presidente, os dirigentes signatários da carta comprometeram suas biografias políticas ao emprestarem apoio à tese de que o julgamento do mensalão é um golpe contra a democracia, sentença que alcança o Supremo Tribunal Federal.

O texto vai além do desagravo a Lula, acusado por Marcos Valério, na revista Veja, de chefiar o esquema, para insistir na negação de um fato que já produziu mais de uma dezena de condenações. O PT amplia seus ataques à mídia e ao STF como recurso eleitoral para reduzir a repercussãonegativa dojulgamen-to nas campanhas País afora.

A iniciativa, portanto, atende apenas ao PT e, se algum efeito positivo tiver, é restrito ao eleitorado histórico do partido. Já os que se associaram ao manifesto nada têm a ganhar, mas muito a perder, principalmente os que vinham conseguindo cumprir uma pauta que passa ao largo de tema tão desgastante, caso do governador de Pernambuco e presidente nacional do PSB, Eduardo Campos.

Em curto e médio prazo, é quem mais perde: varrido pelo arrastão de solidariedade a Lula, entrou na agenda negativa. De olho no apoio doPTà sua candidatura presidencial, seja lá quando se der, vestiu a saiajusta e assinou o papel.

Associar sua imagem ao mensalão é desastroso no momento em que o gover-nadorbusca a visibilidade nacional. Afi-nal,oPT tem muitos culpados para seus erros, entre os quais a “mídia golpista”. Mas o réu é ele.

“A cada dia o seu mal”
Roberto Jefferson, presidente do PTB

SOBRE SUA IMINENTE CONDENAÇÃO PELO STF

Jantar indigesto

O bom desempenho do PSB na campanha municipal, especialmente nas capitais, foi o prato principal no jantar da cúpula do PMDB com o vice-presidente Michel Temer, na última terça-feira, no Palácio Jaburu, transformado em quartel-general da legenda. O diagnóstico - e a preocupação - é de que a performance do partido fortalece o governador Eduardo Campos já para 2014. A sobremesa foi a inconformação do ex-ministro Geddel Vieira Lima com a entrada da presidente Dilma Rousseff na campanha em Salvador, onde seu candidato, o radialista Mário Kertész, está em terceiro lugar. A disputa está polarizada entre ACM Neto (DEM), que lidera as pesquisas, e Nelson Pellegrino, do PT.

Prefeito, não

Terceiro colocado nas pesquisas para prefeito de Teresina, o senador Wellington Dias (PT), tem, porém, 62% das intenções de voto para governador, segundo sondagem interna. O índice expõe o receio do eleitor de que ele deixe o mandato no meio para disputar o governo em 2014.

Mais do mesmo

Condenado por corrupção passiva, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha pelo relator do mensalão, Joaquim Barbosa, o deputado Valde-mar Costa Neto (PR-SP) responde a mais dois inquéritos no STF.

Num deles, é investigado junto com o ex-ministro dos Transportes, senador Alfredo Nascimento (PR), por suspeita de fraude a licitações na Valec, estatal de ferrovias vinculada à pasta. Na segunda investigação, em andamento desde 2008 e com mais de 4 mil páginas, é suspeito de crimes eleitorais e contra a administração pública.

Caixa 2

O deputado estadual Álvaro Guimarães (PR), da Mesa Diretora da Assembleia de Goiás, recebeu R$ 30 mil de Cachoeira, pela empresa Alberto & Pantoja. O dinheiro entrou em 2010, reforçando suspeitas de caixa dois em campanhas País afora por meio de empresas fantasmas.

Direito no centro da atenção - MIRIAM LEITÃO

O GLOBO - 23/09


O rapaz chamado para consertar uma televisão na redação conseguiu normalizar o aparelho. A TV mostrava o julgamento do mensalão. Ele grudou a atenção na tela e mal respondia o que lhe perguntavam. Ficou de olho no ministro Joaquim Barbosa, que lia seu voto naquela linguagem difícil dos juristas. O técnico deu seu veredito apontando para o ministro: "Esse é o cara."

Um motorista que me leva ao trabalho de manhã também acompanha o que pode das sessões que julgam o mensalão no Supremo. Sempre foi eleitor de Lula, vibrou com a vitória da presidente Dilma e costuma comemorar com entusiasmo as vitórias do governo. Perguntei o que ele acha do julgamento, e ele explicou. Continua gostando dos governos Lula-Dilma, quer ver corruptos na cadeia e acha que o ministro Joaquim, quando brigou no começo dos trabalhos, tinha razão. Estava, segundo ele, evitando tentativas de "melar" o julgamento.

Vai demorar até que se avalie todo o efeito do que está acontecendo no STF sobre a política, o desempenho eleitoral do PT, e a ordem jurídica nacional. É acontecimento grande e impactante.

A compreensão do Direito avança no julgamento para teorias que fecham as brechas pelas quais os acusados de corrupção têm conseguido escapar da punição. Mas não estão descartados retrocessos.

Joaquim Barbosa foi criticado por faltar às sessões nos seus sucessivos e conhecidos problemas de saúde ou por desentendimentos com colegas. Nunca buscou a popularidade e tem reações vistas como ásperas. Entretanto, é chamado de "o cara" por um técnico de eletrônica e apoiado em suas brigas pelo motorista eleitor do PT. Tem sido parado na rua para fotos e autógrafos e em alguns restaurantes que vai é aplaudido.

Do ponto de vista da substância, seu voto tem sido considerado robusto por colegas e especialistas. Não por condenar, mas pela estratégia da montagem e da construção do lógica jurídica. Seu caminho do fatiamento e sua escolha da ordem do voto torna tudo mais compreensível. Foi por isso que, quando brigou para manter sua estrutura de voto, ele disse que se fosse de outra forma haveria o caos.

Não exagerava. O caso é espantosamente complexo, as teias do esquema são intrincadas, os acusados são muitos. O STF precisava julgar explicando o funcionamento do mensalão. Até jornalistas que têm por dever acompanhar o noticiário estavam confusos sete anos depois do estouro do escândalo sobre o papel de cada um dos réus. Ainda que a defesa discorde dos votos, métodos e condenações, esse caminho tem evitado a generalização da culpa. Não são todos igualmente culpados e já há absolvidos.

O projeto do PT, ao chegar ao poder em 2003, era ficar no mínimo 20 anos. Isso foi dito publicamente. Tem conseguido. Ao final deste governo já serão 12 anos, com grande chance de virarem 16. Esse tempo de poder não foi conseguido nas transações com as quais os arquitetos políticos do partido pensavam estar construindo as base da longa permanência.

A aprovação ao governo se alimentou dos acertos na administração do país. Primeiro, ao manter o arcabouço que garantiu a estabilidade monetária, e, depois, ao promover avanços nas políticas sociais. A lista de erros é significativa. Mas o que agrada ao eleitor é a estabilidade econômica com avanços sociais.

O eleitor não militante que vota no PT aprova o julgamento do mensalão e apoia o governo. Não vê nisso contradição. O que está sendo julgado é uma prática política e não um partido político. Resta ao partido - a todos eles - entender os sinais eloquentes da sociedade brasileira.

BCs se animam e vão à luta - ALBERTO TAMER


O Estado de S.Paulo - 23/09


Depois de muita hesitação e cansados de esperar pelos seus governos, os bancos centrais dos Estados Unidos e do Japão decidiram injetar grande liquidez nos mercados, na tentativa de reanimar a economia. Pode equivaler a trilhões de dólares. Sim, trilhões. No Japão serão U$ 126 bilhões agora, mas o programa anunciado esta semana pelo seu banco central é mais amplo, US$ 1 trilhão neste e no próximo ano. E pode ser mais.

O mais ousado parece ter sido o Federal Reserve, que vinha hesitando há mais de um ano. Numa decisão surpreendente, Ben Bernanke anunciou que o banco vai injetar US$ 40 bilhões por mês, aos quais se somam outros US$ 40 bilhões em outras operações, não por um ano ou dois, mas pelo tempo que for necessário para que a taxa de desemprego recue dos 8,1% atuais para os níveis anteriores de 5%. Quando? A análise do mercado de trabalho de setembro, do próprio Fed, divulgada há alguns dias, prevê que o desemprego deverá estar entre 6,7% e 7,3% até mesmo depois de 2013.

Ou seja, o que o Fed anuncia é a emissão de mais alguns trilhões de dólares nos próximos dois anos porque a prioridade é criar empregos para voltar a crescer mais do que os 1,7% que ele prevê para este ano.

Vai dar certo? O principal editorialista do Financial Times, Martin Wolf, diz que Bernanke conseguiu uma grande vitória ao obter 11 votos a favor e apenas 1 contra no Comitê de Mercado Aberto. Tem risco, mas o risco pior era não agir.

Os bancos centrais do Japão e dos Estados Unidos tentam agora recuperar o tempo que perderam à espera de ações dos governos, que não vieram.

No Brasil foi diferente. Há contrastes entre o que está acontecendo nesses países e no Brasil. Eles têm desafios para os quais já estávamos preparados aqui.

O Federal Reserve vai injetar liquidez no mercado, emitir dólares para animar o consumidor americano; o objetivo principal do Banco do Japão é estimular as exportações, essencial para sair da estagnação que dominou sua economia por mais de uma década e ainda resiste. O Banco Central Europeu luta para enfrentar a crise financeira na zona do euro. O crescimento, se vier, será em 2014. Este ano é evitar a recessão.

No Brasil, o cenário é outro. Não há endividamento excessivo dos consumidores ou do governo, há demanda interna, espaço fiscal, recursos acumulados para enfrentar falta de liquidez. Há também coordenação entre políticas monetária e fiscal, estímulos oficiais e ações do Banco Central.

Em consequência, enquanto eles se desesperam com taxas crescentes de desemprego, entre 8 e 11% da força de trabalho, no Brasil, com apenas 5,4%, se vive em clima de pleno emprego. O PIB recua para menos de 2% este ano, mas existe aqui o que falta nos EUA, no Japão, na União Europeia: condições monetárias fiscais que já estão sendo sentidas para crescer 4% no próximo ano.

Quais são? Da parte do governo, novas desonerações que avançam; da parte do Banco Central, intensificar a política monetária reduzindo um pouco mais a taxa básica de juros, já no menor nível histórico real, e criando condições no mercado para ampliar o crédito.

E foi isso que o BC fez em meio a ações dos bancos centrais americano e japonês. Eles vão emitir mais dinheiro, aqui vão ser liberados recursos do depósito compulsório. Não será preciso emitir títulos, aumentar endividamento do governo, criar reais. Nos primeiros sinais de agravamento lá fora, o Banco Central liberou apenas uma pequena parte do compulsório que havia recolhido dos bancos para administrar a liquidez no sistema, mas, acima de tudo, para enfrentar essa nova situação.

Em dezembro do ano passado, o Banco Central tinha em seus cofres RS$ 448 bilhões em depósito compulsório; agora tem RS$ 380 bilhões. Desde janeiro, o Banco Central já liberou RS$ 60 bilhões e tudo indica que essa política deve ser implementada, como deu a entender o diretor de Política Monetária do banco, Aldo Mendes. Os depósito atuais de US$ 380 bilhões, disse, correspondem a cerca de 9% do PIB, vai cair para 8,5%, mas ainda é excessivo nos padrões internacionais, confirmou à coluna, neste fim de semana. "É o que estamos buscando num processo de médio prazo. Os R$ 30 bilhões liberados agora são uma primeira medida, outras mais poderão vir."

E vamos à guerra. O protesto é válido, mas Bernanke certamente vai repetir o que disse na primeira injeção maciça de dólares, em 2008. "Quem se sentir prejudicado que se defenda." O Brasil soube se defender naquele momento. Comprou dólares, aumentou as reservas e impôs o IOF no auge da entrada de dólares que saíam do Fed e entravam no país.

Agora a pressão do fluxo de dólares será menor porque não há mais a atração do rendimento da taxa de juros de mais de 12%. Mesmo assim, o ministro Guido Mantega ameaça: se for preciso, vamos de novo ao IOF. Se há guerra, estamos para ela, diz. E, pelo que vimos na coluna, não só no descampado cambial, mas no monetário e fiscal também. Mas se lá fora vai se travar uma batalha campal, aqui pode ser apenas uma luta secundária...

A arte de nosso tempo - FERREIRA GULLAR

FOLHA DE SP - 23/09


É que assim são as coisas, na vida como na arte: fruto das probabilidades que se tornam ou não necessárias



Uma leitura possível da história das artes visuais -de que resultaram as manifestações contemporâneas- identificará a invenção da fotografia como um fator decisivo desse processo.

A crítica, de modo geral, há muito associa ao surgimento da fotografia a mudança da linguagem pictórica, de que resultou o movimento impressionista.

É uma observação pertinente, desde que se tenha o cuidado de não simplificar as coisas, ou seja, não desconhecer a existência de outros fatores que também influíram nessa mudança. Um desses fatores foi a descoberta da cor como resultante da vibração da luz sobre a superfície das coisas.

Noutras palavras, o surgimento do impressionismo -que constituiu uma ruptura radical com a concepção pictórica da época- estava latente na pintura de alguns artistas de então, como, por exemplo, Eugène Delacroix e Édouard Manet, que já anunciavam a superação de certos valores estéticos em vigor. Não resta dúvida, no entanto, que a invenção da fotografia, por tornar possível a fixação da imagem real com total fidelidade, impunha o abandono do propósito de conceber a pintura como imitação da realidade.

Se tal fato não determinou, por si só, a revolução impressionista, sem dúvida alguma libertou a pintura da tendência a copiar as formas do mundo real e, assim, deixou o pintor livre para inventar o que pintava.

Pretendo dizer com isso que, se a cópia da realidade, pela pintura, se tornara sem propósito, isso não implicaria automaticamente em pintar como o fez Monet, ao realizar a tela "Impression, Soleil Levant", que deu origem ao impressionismo. Poderia ter seguido outro rumo.

Mas, se o que nasceu naquelas circunstâncias foi a pintura impressionista, houve razões para que isso ocorresse. E essas razões, tanto estavam implícitas na potencialidade da linguagem pictórica daquele momento, como no talento de Monet, na sua personalidade criadora. É que assim são as coisas, na vida como na arte: fruto das probabilidades que se tornam ou não necessárias.

A verdade, porém, é que, se não houvesse surgido uma maneira de captar as imagens do real de modo fiel e mecânico, o futuro da pintura (e das artes visuais em geral) teria sido outro. A pintura, então, livre da imitação da natureza, ganha autonomia: o pintor então podia usar de seus recursos expressivos para inventar o quadro conforme o desejasse e pudesse.

Como consequência disso, não muito depois, nasceram as vanguardas artísticas do século 20: o cubismo, o futurismo, o expressionismo, o dadaísmo, o surrealismo -todos eles descomprometidos com a imitação da realidade.

Mas essa desvinculação com o mundo objetivo terá consequências: a liberdade sem limites levará, de uma maneira ou de outra, à desintegração da linguagem artística, particularmente a da pintura.

Os dadaístas chegam a realizar quadros mais determinados pelo acaso do que por alguma qualquer intenção deliberada do autor. E se a arte podia ser fruto de tamanha gratuidade, não teria mais sentido pintar nem esculpir. O urinol de Marcel Duchamp é resultado disso. Por essa razão, ele afirmou: "Será arte tudo o que eu disser que é arte". Ou seja, tudo é arte. Ou seja, nada é arte.

Por outro lado, a fotografia, que nasceu como retrato do real, foi se afastando dessa condição e, como a pintura, passou também a inventá-lo. Por outro lado, ela ganhou movimento e se transformou em cinema, que tem como principal conquista a criação de uma linguagem própria, totalmente distinta da de todas as outras artes.

Cabe aqui uma observação: a pintura não apenas fazia o retrato das pessoas, como também mostrava cenas da vida, como as ceias, os encontros na alcova, as batalhas, os idílios etc. Quanto a isso, mais que a fotografia, o cinema criou, com sua linguagem narrativa, um mundo ficcional, que nenhuma outra arte -e tampouco a pintura- é capaz de nos oferecer.

A meu ver, o cinema, superando o artesanato, é a grande arte tecnológica, que criou uma linguagem própria -condição essencial para que algo seja considerado arte-, geradora de um univewrso imaginário inconfundível, de possibilidades inesgotáveis, sofisticado e ao mesmo tempo popular. O cinema é, sem dúvida, a arte de nosso tempo.

Corpo estranho - MÔNICA BERGAMO


FOLHA DE SP - 23/09


Diagnosticada com lúpus há oito meses, Astrid Fontenelle luta para ficar bem e cuidar do filho Gabriel; toma 45 comprimidos por dia e diz que curtiu ficar careca

Um cesto de Havaianas no hall de entrada é o convite para deixar sapatos e germes do lado de fora do dúplex no Morumbi, em São Paulo. O álcool gel no móvel da sala é outra pista da fragilidade da saúde de Astrid Fontenelle, 51, a dona da casa.

Há oito meses, a apresentadora do canal GNT trava uma batalha muito particular contra o próprio corpo. É portadora de lúpus, doença autoimune que pode atacar órgãos vitais. No caso dela, pulmão e rim foram atingidos. "Quando voltei pra casa depois de 12 dias internada, minha imunidade era tão baixa que o médico tocou o terror", relata Astrid à repórter Eliane Trindade.

Até a água do banho passou a ser filtrada. Além de cuidados para evitar infecções, o inimigo é combatido com 45 comprimidos por dia, um coquetel de remédios para pressão, diabetes, dor e vitaminas, entre outros. "Não tem cura. Vou conviver com a doença por muito tempo."

Ela não pode nunca mais se expor ao sol: o vírus identifica queimaduras como infecção e ataca o corpo. O tratamento inicial provocou queda de cabelo. Decidiu raspar a cabeça. "Não quero novela das oito aqui. Nem ninguém olhando pra mim com cara de tristeza", avisou.

O filho Gabriel, 4, deu o tom. "Com ele na área, não deu tempo de sofrer. Olhou pra minha cara e caiu na gargalhada: 'A mamãe tá careca'. Ele só ria."

Avisou o cabeleireiro: "Quero uma prótese capilar colada na cabeça igual à que a nega [Naomi Campbell] usa". "Ficou incrível. Ninguém se tocou que era peruca." Encarar o espelho foi tranquilo. "Difícil foi ficar à beira de fazer hemodiálise."

Ao chegar ao hospital Albert Einstein, pesava 64kg. Hoje está com 50kg. "Parecia um peixe-boi. Tava tão inchada que a mão não fechava pra pegar o volante e dirigir", diz. "O meu erro foi, por nove meses, ter achado que a perna inchava por viajar muito e trabalhar horas em pé no aeroporto. Burra!"

Há dois meses, descobriu uma manchinha nas costas. "Parecia mordida de mosquito, mas se alastrou do umbigo até a coluna." Sintomas de herpes-zoster. As placas vermelhas já sumiram. Ficaram as dores nas terminações nervosas. "É como se fosse uma queimadura. Tomo remédio, alivia. O médico diz que vai passar. Só não sabe quando."

Outro efeito colateral é não subir mais no salto. "Desafiei as bonitas da moda a me dizer como ser elegante sem salto", diverte-se. Foi ao shopping e se encheu de rasteirinhas. "Desapeguei. Dei todos os sapatos de salto. Os Louboutin e Lanvin vou botar num site pra vender e virar remédio." Cada caixa de medicamento contra lúpus custa R$ 690. Ela consome duas por mês.

"Não tive tempo de ficar deprimida. Meu divã sou eu, meu filho, meus amigos. Rezei muito. Sempre fui católica e simpatizante do candomblé. Aprendi a respeitar todas as religiões." Carrega no corpo e na bolsa patuás, santinhos e medalhas milagrosas.

"Por que meu corpo quer me destruir? Justo quando tava tudo certo na vida: recém-casada, curtindo meu filho fofo. Tinha acabado de ser premiada", pergunta-se Astrid. "Chegadas e Partidas" foi eleito melhor programa de 2011 pela Associação Paulista de Críticos de Arte. Em maio, ela revelou seu drama no próprio programa.

"Sabia que o meu tamanho permitia. Não ia ser uma comoção nacional nem teria paparazzi na porta para me flagrar careca. Não sou Gianecchini nem Hebe."

Nas redes sociais, uma enxurrada de vibrações positivas. O primeiro post sobre a doença no Twitter foi às quatro da manhã, véspera de um exame. "Foi uma loucura. É tipo aniversário no Facebook. Você se sente a pessoa mais querida do mundo. A primeira a mandar mensagem foi Eliana Tranchesi [dona da Daslu] que morreria logo depois [vítima de um câncer]. Precisava de calor humano."

O filho Gabriel foi adotado pela apresentadora em 2007, aos 40 dias de vida. Sentado no sofá, ainda com uniforme do escola bilíngue, ele pega o presente que mais curtiu: um violão. Diz que aprende a tocar vendo o DVD do "vô Gil", referindo-se a Gilberto Gil, baiano como ele.

Foi em um fórum de Salvador que Astrid e Gabriel se encontraram. "Quando vi o garoto chorando no colo da assistente social, eu arranquei ele da mulher: 'Meu filho!'. Parecia cena da maternidade", relata, emocionada. Um mês depois, oficializava a adoção. É mãe solteira. Na época, namorava o produtor musical Fausto Franco há apenas um mês. Astrid diz que ele é "pai em exercício".

Correu para montar o quarto do bebê. O vendedor foi convencido da urgência. "Você não tá entendendo. Existem crianças que nascem do tal papai e mamãe. Outras, com a tecnologia. A minha nasceu por adoção."

"Outro dia um coleguinha chamou ele de pretinho em tom pejorativo", conta Astrid. Em casa, Gabriel perguntou qual era a sua cor. "Você é negro, filho." Ele rebateu: "Não, mãe, essa cor aqui", apontou para a pele. "É marrom, querido. Mamãe é bege. Você é negro, eu sou branca. É nossa raça." O tema racismo emergiu: "Preconceito existe. O importante é fortalecer a estima e ele entender que é negro, é lindo, inteligente."

"O Gabriel ainda não teve toda a informação para bater perna sozinho no mundo", diz Astrid. "Seria uma sacanagem eu ficar comprometida ou morrer. Deus não pode fazer isso com ele. Tenho que ficar boa pelo meu filho."

"Sinto dor todos os dias nas articulações. É como se fosse uma queimadura. Tomo remédio, alivia. O médico diz que vai passar. Só não sabe quando"

"Seria uma sacanagem eu morrer ou ficar comprometida. Deus não pode fazer isso com meu filho. Tenho que ficar boa por ele"

Depois do vendaval - DORA KRAMER

O Estado de S.Paulo - 23/09


Para ter sucesso na política, é mais importante demonstrar força do que propriamente ter razão.

Posto em outras palavras, é esse o raciocínio que parece conduzir o PT na travessia do período mais difícil de sua existência.

Aos ouvidos mais ponderados, a gritaria do partido e companhia soa despropositada e algo amalucada. Tanto quando acusa o Supremo Tribunal Federal de golpista quanto quando convoca partidos aliados para assinar nota em defesa da "honra" e da "dignidade" do ex-presidente Luiz Inácio da Silva, comparando o exame de um processo na Justiça a episódios da História que resultaram na instituição de uma ditadura no Brasil.

Mas o fato de terem perdido a calma e de invocarem o suicídio de Getúlio Vargas e a deposição de João Goulart para se fazer de vítimas não quer dizer que os petistas perderam o juízo.

Deliram, mas com método e um objetivo preciso: salvar algum capital político para tocar a vida depois do vendaval do julgamento do mensalão.

E para isso, mais importante que enfrentar com racionalidade o fato de que as condenações se avizinham com base na confissão de que o partido deu mesmo dinheiro para outras legendas e o fez mediante expedientes ilegais, é demonstrar capacidade de reação.

Lula não precisa de quem o defenda. É absoluto, popularíssimo, imbatível, o mais habilidoso, intuitivo e espetacular político já surgido na face da terra. Pelo menos assim reza a mítica.

Ora, não seriam as assinaturas de presidentes de seis partidos em nota de protesto que lhe serviriam de muro de arrimo. Ainda mais tendo sido um deles (Carlos Lupi, do PDT) demitido do Ministério do Trabalho por suspeita de prevaricação, outro (Eduardo Campos, do PSB) acusado de "traidor" pelos petistas e um terceiro (Renato Rabelo, do PC do B) pessoa boa, mas de expressão política, digamos, limitada.

Assinaram também os presidentes do PT, Rui Falcão, o do PMDB, Valdir Raupp, e o do PRB, Marcos Pereira. A influência do primeiro na ordem das coisas públicas é nenhuma, o segundo enfrenta contestação interna por ter posto o pé em ambiente onde o partido preferia não ser visto e o terceiro vai levando do PT o sonho de ganhar a eleição em São Paulo.

Lula é maior que a tropa. Mas é com ela que conta. A outra parte do batalhão está também no banco dos réus, fora de combate e, pelo absoluto desinteresse do PT em defender seus aliados do PP, PTB e PR (antigo PL), está claro que lhes dispensa a companhia.

Foram úteis para formar a maioria lá atrás, mas agora o destino dos valdemares, jacintos, pedros e genus pouco importa. Usaram, foram usados e que se virem porque daqui em diante são páginas viradas.

O PT cuida no momento de preparar o terreno para prosseguir. Daí a preocupação de preservar a imagem de Lula e de renovar as parcerias mostrando que não é pólvora molhada, não está isolado e pode, como fez logo depois do escândalo em 2005, dar a virada. Na política, já que na Justiça a batalha está perdida.



Na ocasião, foi bem sucedido ao adotar como argumento de defesa a tese de que caixa dois é crime menor, porque "todo mundo faz". Não seria, assim, o pecador, mas uma vítima do sistema pecaminoso.

Como não quer, ou não pode, se penitenciar, resta ao PT dobrar a aposta e tentar de novo se fazer de mártir.

Desta vez, das arbitrariedades de uma Justiça inconformada com o sucesso de um partido de massas.Justiça comprometida com o preconceito elitista e movida pelo escuso propósito de desmoralizar um projeto de raiz popular.

Pode dar certo? Depende de a sociedade compreender, ou não, que o Supremo está dizendo ao Brasil que as instituições são maiores e podem mais que qualquer um: homem, mulher, governo ou partido.

Nunca antes. Muito já se viu nesse Brasil, mas presidente da República responder a voto de ministro do Supremo, francamente, é a primeira vez.

MARIA CRISTINA FRIAS - MERCADO ABERTO


FOLHA DE SP - 23/09

Ampliação do Porto de Itapoá receberá R$ 750 mi

Apesar da discussão em torno dos limites de atuação dos terminais portuários privados, o Porto de Itapoá (SC) irá receber aporte de R$ 750 milhões para que sua capacidade seja quadruplicada.

O projeto de expansão da empresa, que tem como sócios o grupo Battistella, a Logz Logística Brasil e Aliança Navegação e Logística (do grupo Hamburg Süd), prevê que sua capacidade anual passe dos atuais 500 mil TEUs (unidade de medida equivalente a um contêiner de 20 pés) para dois milhões.

"Estamos aguardando o pacote do governo. Mas acreditamos que ele seja pró-ativo em relação aos privados, assim como foi com os aeroportos. Poderá haver uma liberação controlada", diz o CEO do porto, Patrício Júnior.

De acordo com a lei, os terminais privados devem operar carga própria e prestar serviços a outros apenas em casos de ociosidade. Os que movimentam principalmente mercadorias de terceiros precisam ser licitados.

A ampliação do terminal de Itapoá receberia inicialmente R$ 500 milhões. O valor foi alterado para que o berço de atracação passe de 630 metros para 1.200. A princípio seria para 1.050 metros.

Para aumentar a capacidade de movimentação de contêineres refrigerados (a principal mercadoria embarcada no porto é carne), serão instaladas 3.620 novas tomadas. Hoje são 1.380 pontos.

Mesmo com o impasse, a empresa espera começar as obras em 2013 e concluí-las em quatro anos.

ÁGUA DE BEBER

Tanto o consumo quanto o faturamento do mercado de água mineral subiram no primeiro semestre deste ano ante o mesmo período de 2011, segundo a Nielsen.

Parte do crescimento se explica pelo aumento no consumo de garrafas menores, de acordo com Felipe Carrera, da Nielsen.

O inverno quente e seco elevou em 20% as vendas das águas nacionais e importadas na Nestlé no mês passado em comparação com agosto de 2011, segundo Alexandre Carreteiro, diretor-geral da divisão de águas.

"É um acréscimo de milhões de litros em vendas."

A Minalba, por sua vez, teve em agosto, época de sazonalidade baixa, seu terceiro melhor mês em 2012.

Além da temperatura, a Crystal, da Coca-Cola, atribui seu aumento ao lançamento da marca em novos mercados, como o Nordeste.

SEM FRONTEIRAS EM ILLINOIS

Durante a visita ao Brasil do governador de Illinois (EUA), Pat Quinn, que chega hoje com 40 empresários, companhias americanas vão anunciar a doação de sete bolsas de estudo para o programa Ciência Sem Fronteiras do governo federal.

As bolsas do Estado totalizarão US$ 155 mil (cerca de R$ 313 mil). Só a Motorola Solutions Foundation, braço filantrópico da empresa de celular, doará duas, de US$ 25 mil (cerca de R$ 50 mil) cada.

Seguro por pincelada

As 3.000 obras expostas na 30ª Bienal de São Paulo tiveram R$ 250 mil pagos em seguro, segundo a organização do evento. Além do seguro das peças, o número inclui a responsabilidade civil, que abrange eventuais danos ao entorno e aos visitantes.

A Bienal não divulga o valor total dos bens da mostra.

Com cerca de 1.500 obras a menos, o seguro do evento anterior ficou em R$ 150 mil, segundo Rodolfo Viana, superintendente da Bienal.

A característica das obras é o que define o valor dos contratos. Fotografias, vídeos e instalações que podem ser destruídas após a temporada requerem apólices menores.

"Muitas obras de Bienal são menos museológicas", afirma.

Pinturas como as das exposições de Caravaggio e da arte impressionista do Museu D'Orsay, em São Paulo, se encaixam em outra categoria.

Seu seguro é medido prego a prego, desde que sai do museu de origem até o retorno, segundo Edson Toguchi, da Allianz Seguros, empresa que atua no segmento.

A Liberty é a seguradora das peças que fazem parte da exposição sobre Caravaggio. O valor do seguro é mantido em sigilo, mas as obras são avaliadas em cerca de R$ 500 milhões, segundo Luciano Calheiros, diretor da seguradora.

O Grupo Banco do Brasil Mapfre, responsável pela mostra dos impressionistas, não divulga números, diz o executivo Danilo Silveira. Para arcar com o montante, a seguradora teve de acionar uma rede internacional de resseguros.

Democracia - LUIS FERNANDO VERÍSSIMO


O Estado de S.Paulo - 23/09


A família estava dividida. Metade achava que o primo Osvaldo estava fazendo um papelão, concorrendo a vereador com aquele slogan, "Osvaldo baixa o pau", e aparecendo na televisão com cara de mau. Logo o Osvaldo da tia Margarida, um doce de pessoa.

- Vexame - era a opinião de alguns.

Já outros achavam que o Osvaldo tinha todo o direito de entrar na política e se apresentar daquele jeito. Cara de mau, braços cruzados, dizendo "Comigo corrupto vai se dar mal, Osvaldo baixa o pau". Atraía voto.

- É ridículo.

- Então democracia é ridícula?

- E isso é democracia?

- É.

Os que achavam que o Osvaldo estava envergonhando a família argumentavam que ele, inclusive, estava mentindo. Nunca fora de briga. Nunca baixara o pau em ninguém. Era um doce de pessoa.

- E vocês queriam que o slogan dele fosse esse, "Osvaldo, um doce de pessoa"?

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Um dia o Marcelinho chegou da escola eufórico. Tinha se transformado num herói da turma, depois da descoberta de que era parente do Osvaldo. Ficara encarregado de pedir autógrafos do Osvaldo para todo o mundo. De preferência santinhos do Osvaldo de braços cruzados e cara de mau autografados.

Marcelinho se esforçava para promover a imagem do primo. Ele era mesmo de baixar o pau?

- Uma fera - confirmava o Marcelinho.

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As discussões sobre o Osvaldo eram intermináveis.

- Esses candidatos folclóricos, sem nenhuma condição para serem políticos, desmoralizam a democracia, isto sim.

- Vocês é que são elitistas. Não querem democracia, querem ser governados por uma aristocracia. Têm horror do povão.

- E desde quando o Osvaldo é povão? Vive da pensão da tia Margarida. Nunca fez nada na vida.

- E quem garante que a vocação dele não é para a política? Pode ser uma revelação.

- Então vocês acreditam que ele vai baixar o pau como diz?

- Quem sabe? Quem sabe?

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Faltava o velho Tobias dar a sua opinião. O patriarca raramente se manifestava, à mesa. Mas desta vez falou. Lembrou que o Osvaldo, mesmo que não combatesse os corruptos, poderia ajudar a família. Como vereador, depois - quem sabe? - como deputado, poderia dar uma mãozinha na questão daquele terreno contestado cujo processo se arrastava por tantos anos. Influenciando autoridades e, em vez de baixando o pau, mexendo os pauzinhos certos. De qualquer maneira, seria bom ter um político representando os interesses da família.

- Afinal - disse o velho Tobias -, democracia é isso.

E se Jesus voltasse à Terra? - LEE SIEGEL


O ESTADÃO - 23/09


NOVA JERSEY - Seria Jesus casado? Na última terça-feira, uma pesquisadora da Harvard Divinity School sugeriu, numa conferência em Roma, que ele poderia ter sido. Ela apresentou um fragmento de folha de papiro do século 4º no qual de distinguiam as palavras: "Jesus disse a eles, ‘Minha esposa...’" Outra frase parece dizer, "ela poderá ser minha discípula". A maioria dos especialistas concorda em que os fragmentos, escritos em copta, são autênticos.

Estudiosos continuarão debatendo o significado dessas palavras por muito tempo, esforçando-se para entender a questão principal, que é, se Jesus era casado, por que nenhum Evangelho menciona o fato? Noite passada, na televisão, ouvi mais de um comentarista dizer que gostaria que Jesus estivesse vivo para poder nos responder. Isso me pareceu uma ideia interessante, mais interessante até, talvez, que a disputa sobre a sua condição matrimonial.

O que ocorreria se Jesus voltasse à Terra? Não posso falar do Brasil, ou de algum outro lugar, mas creio ter uma ideia do que ocorreria se Jesus surgisse repentinamente nos Estados Unidos. Haveria o assombro, é claro, e um grande afloramento de emoções, êxtases e lágrimas. Depois, a realidade se imporia.

Primeiro, Jesus teria de encontrar um cume de montanha de onde falar aos cristãos e a todas as outras pessoas que desejassem vê-lo e ouvi-lo. Mas que montanha seria? As mais belas estão nos parques nacionais dos Estados Unidos, e elas estariam fora de questão porque as leis regulamentam a quantidade de pessoas que se pode congregar num parque nacional. Vários Estados se ofereceriam então para o uso de montes pitorescos locais. Os Estados começariam a se digladiar. O governo federal se intrometeria. E haveria um debate sobre os limites do poder federal em relação ao estadual.

Nesse ínterim, vários eventos momentosos teriam ocorrido com o objetivo de desviar a atenção das pessoas da ocasião extraordinária do surgimento de Jesus. A estrela de reality shows Kim Kardashian anunciaria que está grávida de trigêmeos, resultado de uma anunciação milagrosa. Donald Trump renomearia seu império de "Christ Properties". A Apple lançaria o iPodEternity. Liberais temeriam o potencial de Jesus como ditador. E conservadores, seu potencial como revolucionário. A classe média rogaria para ele diminuir os impostos.

Como o novo ambiente lhe seriam totalmente estranho, Jesus teria de contratar alguns assessores. Essas pessoas imediatamente o aconselhariam a se manter a par da transformação vertiginosa dos fatos abrindo uma conta no Twitter. Infelizmente, em função das limitações da forma, Jesus teria de se expressar em estilo radicalmente sucinto:

"Busca, Encontra, Saiba - Alcance!

Faz para outros; Eles você. PSI! (Para sua informação)

Sem pecado? Atire pedra. Depois veja!!!!

Camelos passam mais fácil que ricos. EQA! (Espera que ajuda.)"

E assim por diante.

Depois de criar uma conta no Twitter, o filho de Deus simplesmente teria de marcar presença no Facebook. Mas que imagem ele deveria usar na sua home page? Uma bonita foto da cabeça? De frente ou de perfil? A representação de um artista (de Leonardo, talvez?) da Santa Ceia? Mas a ideia toda de uma última ceia poderia afastar algumas pessoas por ser demasiado lúgubre. Talvez um belo pôr do sol apenas. E quanto aos seus seguidores? E se ocorresse de Lady Gaga ter mais seguidores?

Bem, uma vez resolvido o dilema do Facebook, Jesus teria de se preparar para as inevitáveis visitas a talk shows. No novo canal a cabo de Oprah, ele teria de discutir experiências extracorporais. No programa de Martha Stewart, contaria aos espectadores sobre a sua receita para pães e peixes instantâneos. No programa de Stephen Colbert, deixaria Colbert provocá-lo por ter um "complexo de Jesus".

Depois disso, os novos assessores de Jesus dariam um jeito para ele fazer um "tour de milagres". Conseguir patrocinadores não seria problema. Mas seria preciso decidir que milagres produzir. Jesus teria de ter o cuidado de não ofender ninguém. Por exemplo, ressuscitar pessoas. Quem ele ressuscitaria? Ele não poderia mostrar favoritismo ressuscitando uma pessoa branca, mas não uma negra. Para não mencionar outras cores. E se ressuscitasse uma de cada, seria um homem ou uma mulher? Jovem ou velho? Rico ou pobre? Logo ele teria de ressuscitar todo o mundo. Aí ele teria de conseguir emprego para todos.

Após dezenas de ofertas para fazer de tudo, de concorrer à Presidência e servir de juiz em American Idol, a dirigir Sean Penn em A Vida de Jesus, Jesus se retiraria para o deserto e nunca mais seria visto, esperando e orando para a sua ausência tornar as pessoas melhores e mais sérias do que sua presença.

Oráculo chinês - EDITORIAL FOLHA DE SP


FOLHA DE SP - 23/09


Sucessão no comando da China transcorre sob manto de segredo contraditório com importância da economia asiática no capitalismo global
Ao longo das próximas semanas, as duas maiores economias mundiais concluirão seus processos sucessórios. A coincidência serve para contrastar a enorme diferença entre as práticas políticas da China e dos Estados Unidos.
Nos EUA, os dois candidatos -Barack Obama, democrata em busca da reeleição, e Mitt Romney, o desafiante republicano- e seus aliados se digladiam e se expõem diariamente na mídia.
Na China, o provável líder máximo, Xi Jinping, foi misteriosamente escolhido há pelo menos dois anos. Mesmo assim, pouco se sabe dele. O Partido Comunista nem mesmo fixou a data de seu Congresso para ratificá-lo -será em alguma ocasião entre meados de outubro e o fim do ano.
A opacidade da ditadura chinesa ficou demonstrada uma vez mais no início do mês, quando Xi cancelou compromissos com delegações estrangeiras e desapareceu da cena pública por duas semanas. Durante o sumiço, não houve qualquer explicação oficial, apesar dos rumores de que ele poderia até estar morto (não estava).
Filho de um líder histórico do partido, Xi, 59, é o atual vice-presidente. De sua biografia sabe-se pouco além dos cargos que ocupou e do fato de que é fã de futebol. Não se conhece declaração sua sobre reforma política, bandeira que o atual premiê, Wen Jiabao, carregou por dez anos -sem avanço significativo.
Esse desconhecimento sobre a pessoa de Xi decorre também do poder exercido de forma colegiada. Já não há mais lideranças proeminentes, como Mao Tse-tung e Deng Xiaoping. Os dirigentes comunistas não pertencem mais à geração que tomou Pequim pelas armas em 1949; hoje, são produtos da burocracia partidário-estatal.
Nesse modelo, a instância máxima da hierarquia chinesa é o Comitê Permanente. Sua composição é a informação mais relevante para compreender a política no país. De seus nove membros, apenas dois permanecerão após a reforma: o próprio Xi e o provável futuro premiê, Li Keqiang.
A tendência é que sejam escolhidos dirigentes de baixo perfil, como Xi e o atual líder máximo, Hu Jintao. Outro exemplo é o discreto Li, que ascendeu na burocracia do partido com fama de conciliador.
Nos últimos anos, o único dirigente chinês que buscou ativamente projetar-se foi Bo Xilai. O estilo personalista certamente teve peso em sua inusitada debacle -em março, Bo foi afastado do cargo que ocupava no partido, e sua mulher, Gu Kailai, acabou condenada pelo assassinato de um empresário britânico.
De concreto, sabe-se que a nova direção não alterará as duas principais diretrizes: monopólio do Partido Comunista e foco na manutenção do crescimento econômico.
No primeiro caso, não há sinais de que a China relaxará o garrote político. Basta lembrar que é o único país do mundo que mantém um Nobel da Paz, o dissidente Liu Xiaobo, atrás das grades.
Na esfera econômica, o objetivo será, no curto prazo, reanimar uma economia que se desacelera mais depressa do que o previsto. Embora o crescimento de 7,6% no segundo trimestre esteja dentro da meta para este ano, os números decepcionantes no comércio exterior, entre outros dados, mostram que a tendência de esfriamento ainda não foi revertida.
A médio prazo, a nova direção chinesa precisará enfrentar reformas profundas, ademais previstas no último Plano Quinquenal (2011-15). Os desafios incluem estimular o aumento do consumo interno e ampliar a rede de proteção social da população, surpreendentemente tênue para um país nominalmente comunista.
Nesse cenário, cabe ao governo, aos centros de pesquisa e ao empresariado brasileiro estudar exaustivamente os prováveis rumos de seu maior parceiro comercial. É muito pouco levantar barreiras comerciais, e é por demais arriscado manter uma pauta de exportação excessivamente concentrada em soja e minério de ferro.
O Brasil não é o único país que precisa acompanhar a sucessão chinesa de perto. Dos Estados Unidos, que já venderam US$ 1,17 trilhão em títulos de seu Tesouro para Pequim, às dezenas de países africanos e latino-americanos financiados pela China, quase toda a economia mundial tem fios atrelados ao país asiático.
Trata-se ainda de uma potência militar em ascensão e cada vez mais assertiva, como demonstram as recentes crises por disputas territoriais com Filipinas, Vietnã e, agora, Japão.
A falta de transparência inquieta todos os parceiros. Com tanto em jogo, a cúpula chinesa se mantém avessa ao escrutínio e ao debate, agindo como uma confraria secreta que não presta contas a ninguém.
No mundo do capitalismo globalizado em que a China se torna protagonista, não deixa de ser uma contradição cujo desfecho será crucial acompanhar.