domingo, maio 28, 2017

Caos nosso de cada dia - FERNANDO GABEIRA

O GLOBO - 28/05
Não há razão para dizer que o Brasil não tem jeito e que a barbárie é um destino inescapável

Numa carta endereçada a Robert Louis Stevenson, o escritor Henry James diz que gostaria que ela fosse um mingau de boas notícias. Infelizmente, não é possível preparar esse prato no Brasil, com notícias tão tristes que nem podemos homenagear e conhecer melhor as vítimas do atentado em Manchester, algo que aconteceu nos principais países do mundo.

Apesar das más notícias, é possível demonstrar que o Brasil está preparado para uma situação melhor se olhar para algumas decisões recentes. Por exemplo: as desordens que aconteceram em Brasília não aconteceram em Curitiba, quando Lula foi depor. E, se acontecessem, seriam rapidamente debeladas, tal o aparato policial e sua articulação com outros setores do governo.

É preciso evitar e combater a barbárie, aceita ainda por uma esquerda que flerta com a violência e não superou o viés autoritário das teorias do século passado. Uma esquerda que não sustenta dois minutos de discussão se for chamada a defender com ideias a destruição de prédios públicos e propriedades particulares, sobretudo os primeiros, que pertencem ao povo que ela supõe representar.

Curitiba foi diferente, dirão alguns. Além do mais, o que estava marcado em Brasília era apenas mais uma das inúmeras manifestações. Ficamos acostumados com manifestações dominicais pacíficas, feitas por gente que trabalha a semana inteira e derrubou o governo Dilma sem quebrar uma janela.

E nos acostumamos também com manifestações marcadas com antecedência de quase um mês, algo que já comentei aqui, reforçando a importância de analisar a conjuntura, sobretudo num país de mudanças tão rápidas.

Uma nova conjuntura foi aberta com a delação dos donos da Friboi. Ela atingiu Temer em cheio e criou uma situação insustentável para ele. O PT finge que não foi delatado também, que o partido não recebeu US$ 150 milhões para as contas das campanhas de Lula e Dilma. Daí sua fuga para a frente, firme na tentativa de fazer com que Lula escape da cadeia, vencendo as eleições presidenciais, se possível ainda neste ano.

Li que a inteligência do governo tinha captado os sinais de possível violência no movimento Ocupa Brasília, convocado no auge das contraditórias respostas de Temer às acusações que pesam contra ele. No entanto, esta antevisão não resultou num esquema mais complexo de prevenção, que poderia ser realizado pela relativamente bem paga polícia de Brasília?

Sempre se pode argumentar que o governo de Brasília é de oposição a Temer e iria ou confraternizar ou fazer vista grossa diante dos excessos dos manifestantes. Mas isso também poderia ser previsto por uma inteligência modesta e deveria ter sido levado em conta na organização do esquema preventivo, que poderia contar com a Força Nacional e a logística do Exército.

Além dos ministérios que simbolizam o governo, o prédio mais importante do Exército, o chamado Forte Apache, está em Brasília. As condições não eram idênticas às de Curitiba. Mas isso faz parte de uma inteligência modesta: adaptar experiências bem-sucedidas a realidades diferentes. A incapacidade de preparar um esquema preventivo praticamente deixa como alternativa o aumento da repressão. É precisamente isso que interessa à esquerda, atrair uma forte repressão, de preferência excessiva.

Isso faz com que a imprensa priorize os excessos da repressão e jogue para um segundo plano os atos de vandalismo que a motivaram. A esquerda não é inteligente, se você der a esse termo uma dimensão estratégica, mas é esperta. Se o governo responde com uma pobre informação e uma tática burra, os antidemocratas nadam de braçada.

Concordo que Temer deve deixar a Presidência. Mas discordo dos métodos e dos objetivos das pessoas que estão na rua para derrubá-lo. Elas querem apenas um escudo para seu líder escapar da polícia. Primeiro você arruína o país com uma irresponsável política populista. Em seguida, você começa a destruir prédios públicos com a esperança de voltar ao poder e prosseguir na rapina.

Isso não acontecerá pelo caminho do voto, em eleições limpas. Mas a fragilidade do governo e sua incapacidade de analisar o momento favorecem as tendências autoritárias e destrutivas da esquerda.

Não há razão para dizer que o Brasil não tem jeito e que a barbárie é um destino inescapável. Nem é preciso olhar para fora em busca de exemplos nos países avançados. Aqui dentro mesmo é possível encontrar as bases para uma política que defenda a civilização da barbárie. Milhões de pessoas nas manifestações dominicais provaram que é possível combater um governo corrupto e incapaz sem verter uma gota de sangue. Curitiba viveu serenamente um momento de tensão, a vida e os bens da cidade foram protegidos com competência.

São essas qualidades que farão a balança pesar a favor da democracia, isolando cada vez mais os setores que não se adaptam a ela. Mas, é claro, serão necessários alguma coisa que você possa chamar de governo e algum presidente que, pelo menos, esteja preocupado com o país e não com as investigações que rondam seu palácio.

A deterioração aumenta e não é só a da política - CELSO MING

ESTADÃO - 28/05

Ao colocar o Brasil em perspectiva negativa na última sexta-feira, 26, a Moody's indica como aumentam as incertezas sobre a capacidade do governo de gerir a economia


Nesta sexta-feira, uma das três mais importantes agências de análise de risco, a Moody’s, colocou em perspectiva negativa a avaliação dos títulos de dívida do Brasil.

Trata-se de um aviso prévio. Se não houver solução imediata para a crise política, aumentam as incertezas sobre a capacidade do governo de perseguir o equilíbrio das contas públicas e, com isso, cresce o risco de calote. Não significa que o Brasil vá dar calote. Significa, apenas, que a qualidade dos títulos está azedando. A consequência imediata é o aumento dos juros.

O instrumento financeiro que mede melhor esse risco é o Credit Default Swap (CDS), contrato que funciona como seguro contra problemas de pagamento de um título de dívida. O CDS do Brasil saltou de 2,0 pontos porcentuais ao ano acima dos juros registrados imediatamente antes da crise para a casa dos 2,4.


Por trás dessa alta e da decisão da Moody’s está o pressuposto de que a crise tende a adiar as reformas e, com isso, a solução para a deterioração das contas públicas fica mais incerta. Como o rombo aumenta, a dívida cresce.

O aumento dos juros dos títulos do Brasil que atinge também os títulos privados é simples consequência da lei da oferta e da procura. Se há menos interessados em ficar com títulos mais bichados, cai o valor desses ativos no mercado.

Há pouco tempo, uma das discussões mais acirradas que aconteciam no setor das finanças girava em torno do corte dos juros básicos (Selic) que o Banco Central (BC) aplicaria na reunião do Copom, marcada para esta quarta-feira. As apostas se concentravam entre a tesourada de 1,0 ponto porcentual e a de 1,25 ponto. A crise mudou as coisas, as incertezas aumentaram e agora há mais esse primeiro passo para novo rebaixamento do rating do Brasil, que provavelmente será seguido pelas outras agências, Fitch e Standard & Poor’s.

Nos últimos dias, a equipe econômica se esforçava para demonstrar que continuaria dando conta da agenda, qualquer que fosse o desfecho da crise política. É esforço compreensível, pois eles estão lá também para não deixar a peteca cair. Mas quem tem alguma quilometragem rodada em administração macroeconômica sabe que, em tempos bicudos, essa mercadoria não tem entrega garantida, ao menos nas condições prometidas.

Outra notícia ruim foi a demissão da presidente do BNDES, Maria Silvia Bastos Marques. Ela era parte do grupo de notáveis no comando de postos-chave da economia, como o próprio ministro da Fazenda, Henrique Meirelles; o presidente do BC, Ilan Goldfajn; e o presidente da Petrobrás, Pedro Parente.

Os empresários pressionavam Temer por mais flexibilidade na concessão de créditos pelo BNDES. Também os setores encarregados de relançar o Programa de Parcerias de Investimento pediam mais lubrificantes nos financiamentos. Maria Silvia já não tinha apoio firme do presidente. Agora ele enfrenta um treme-treme e seu apoio não significa muito.

Esses fatos estão dizendo que ficou bem mais difícil administrar a economia. E essa é mais uma fonte de pressão para que Temer renuncie.


Salmão, bacalhau ou namorado? - GUSTAVO FRANCO

ESTADÃO - 28/05

O triste fato é que as ideias pró-mercado não são encontradas de forma natural no sistema partidário brasileiro - foi preciso a hiperinflação para que essas ideias pudessem se materializar



Soube recentemente numa conferência que a quase totalidade do salmão consumido no Brasil é de cativeiro e que, nessas condições, talvez pela melancolia, sua carne possui uma coloração cinza esbranquiçada nada parecida com o vibrante cor de laranja sempre destacado nas propagandas de comida japonesa.

Mas não é nada que não se corrija com uma alimentação equilibrada.

A coloração alaranjada que todos apreciam, e que pode ser encontrada em qualquer restaurante, se deve, na verdade, a um corante introduzido na ração, a astaxantina, um carotenoide normalmente encontrado em crustáceos e que tem fortes propriedades antioxidantes, entre outros benefícios para a saúde.


Não sei você, caro leitor, mas eu não tinha ideia que o meu sashimi favorito era colorido artificialmente por produtos de uma dupla de multinacionais europeias. Tampouco que o cultivo de salmões pelo mundo é feito por algumas poucas empresas grandes, operando em vários países e sob rigorosos padrões tecnológicos e de qualidade. Nada menos artesanal: uma interessante lição para quem acha que fabricar parafusos com alto conteúdo nacional é melhor do que cultivar a terra ou o mar com alto conteúdo de inteligência.

Passando às doutrinas econômicas, parece-me que o governo Michel Temer é como o salmão de cativeiro que foi buscar sua coloração em conceitos e pessoas que sempre estiveram bem longe das ideias cinza esbranquiçadas adotadas historicamente por esse grupo político.

Numa primeira observação, é fácil afirmar que o ideário fiscal e de reforma encampado pelo governo é de origem tucana, e que este seria o colorante a enfeitar uma agenda que está conosco há vários anos. Curiosamente, esse salmão atucanado parece, às vezes, mais despojado que o original, ao menos a julgar pela propaganda na TV para a reforma da Previdência, que foi bem além do que os tucanos jamais ousaram: fala do código de trânsito (cinto de segurança), da privatização (sem a qual ninguém teria celular) e do Plano Real, tudo isso junto, com orgulho e convicção como não se viu entre as lideranças do PSDB no decorrer do tempo.

Pensando bem, talvez tenha sido o próprio PSDB a inventar esse fenômeno da colorização artificial de peixes sem muita personalidade. Como era mesmo o salmão tucano em seu hábitat natural? Teria mesmo esta vibrante tonalidade alaranjada neoliberal pró-mercado? Ou estaria para um avermelhado mais à esquerda, como de um atum alimentado com pasta de tomates?

O triste fato é que as ideias pró-mercado não são encontradas de forma natural no sistema partidário brasileiro. Foi preciso uma urgência nacional – a hiperinflação – agravada por sucessivos fracassos em lidar com o assunto usando a medicina alternativa, para que as ideias pró-mercado encontrassem uma janela para se materializar nas reformas que compuseram o Plano Real.

Sim, o PSDB também se serviu de corantes e aditivos para se apresentar ao País com a nova moeda e suas agendas de reforma, mas mesmo conseguindo muitos êxitos, foi perdendo o viço, como se vacilasse diante do que colocou em movimento e corasse diante da acusação de neoliberalismo. Não foi à toa que lhe apuseram a imagem do muro e da indecisão.

Mas foi do PSDB que veio em 1988 o famoso desabafo de Mario Covas, segundo o qual o Brasil precisa de um choque de capitalismo. É certo que ainda precisa e que no sistema partidário em particular está mais do que na hora de ver aparecer ideias pró-mercado em formato assertivo e diretamente hostil ao corporativismo e ao capitalismo de apaniguados e quadrilhas que estamos assistindo desmoronar nos últimos tempos.

Até o fim do dia, na sexta-feira, os mercados estavam relativamente calmos achando que o corante havia triunfado sobre o salmão, e que a sequência de eventos políticos, qualquer que fosse, ia resultar na manutenção da equipe e das ideias econômicas a governar a política econômica e a agenda de reformas de que o País tanto precisa.

Até segunda ordem, a premissa é que tanto faz se temos salmão, bacalhau ou namorado, desde que seja fresco e honesto, e traga os corantes e aditivos certos para o paladar e para a saúde econômica do País.

A aposta econômica - MÍRIAM LEITÃO

O Globo - 28/05

Temer tenta surfar na economia. O presidente Michel Temer está apostando nos efeitos da semana econômica. Duas notícias favoráveis devem ser divulgadas. Os juros vão cair mais uma vez na quarta-feira. E na quinta será divulgado o PIB do primeiro trimestre e ele será positivo, podendo chegar até a 1%. Com isso, o ambiente será propício para o discurso de deixar tudo como está para manter a recuperação.

Antes da divulgação da delação de Joesley Batista o debate no mercado financeiro era se os juros cairiam 1% ou 1,25%. Depois disso, a aposta na queda maior foi deixada de lado. Contudo, segundo os economistas é bem possível manter o ciclo de corte nas taxas porque a inflação está baixa e a recuperação ainda é incerta. O IPCA-15 mostrou a inflação acumulada em 12 meses em 3,77%. O IPCA, que sairá na semana do julgamento no TSE, deve confirmar a taxa menor do que 4%. O crescimento do ano ficou incerto, mas o primeiro trimestre será o de maior taxa no ano. Como a produção agrícola foi ainda mais forte do que o previsto, o PIB trimestral será alto. Os outros trimestres terão resultado pior do que o primeiro, porque não haverá o efeito da agricultura. Mas, no curto prazo, o número que vai sair pode chegar ou até superar o 1% no primeiro trimestre.

O noticiário econômico favorável ajudará o presidente Temer? Para ele, pode parecer uma tábua de salvação, até porque ele tem jogado na esperança de adiar sua saída do governo para enfraquecer os efeitos do escândalo da conversa no Jaburu. Há outras boas notícias para vir. A inflação de junho deve ficar em zero ou negativa, segundo o professor Luiz Roberto Cunha, porque houve redução do preço da gasolina e porque haverá queda de preço de energia com o fim da bandeira vermelha. Uma inflação baixinha levará a mais quedas da taxa de juros, mesmo com a incerteza na política.

A economia pode ser uma ajuda ao presidente Temer no seu pior momento político. É bem verdade que uma das notícias da semana será a taxa de desemprego de abril. Ninguém espera uma queda, portanto os números altos de desemprego vão de novo ocupar o noticiário, mostrando que a economia não mudou no principal, não aumentou a oferta de emprego.

Mesmo havendo alguns bons indicadores econômicos, isso não será suficiente para reverter a situação crítica em que está o presidente, porque a origem da fragilidade de Temer é política. Parte do seu tempo é dedicado hoje a se defender. Ele é um presidente sub judice.

O cálculo feito cientista político Ricardo Sennes, da consultoria Prospectiva, é que Temer precisa de dois terços do Congresso para aprovar emendas constitucionais, mas basta um terço para impedir o impeachment. É verdade, mas antes de um processo de impeachment ele enfrentará, em dez dias, o julgamento da ação no TSE. Por isso a demora do julgamento passou a ser estratégico para ele, porque, se for condenado, ainda que recorra, se enfraquecerá ainda mais.

Parte da base política do presidente está inteiramente mergulhada em articulações para o pós-Temer. Está sendo negociado um pacto de manutenção das reformas e de sustentação da governabilidade de quem for escolhido pelo voto indireto. Uma fonte do PMDB conta que até o PT foi consultado, mas a exigência que fez desmonta a pedra mais importante da articulação. O partido quer o abandono do projeto de reformas.

A economia está no foco. De um lado, Temer acredita que pode ter uma sobrevida se conseguir bons indicadores econômicos e os terá a curto prazo. De outro, as articulações para seu possível substituto parte da ideia de que é preciso preservar a pequena recuperação que houve e o projeto de reformas.

Temer fez uma equipe econômica forte e deu autonomia a ela. Isso teve frutos. A saída de Maria Silva é o primeiro revés. No mercado se diz que é preciso ficar de olho em substituição de diretorias críticas, porque ele pode querer avançar na economia no seu esforço desesperado de permanecer na Presidência. Se começar a lotear cargos econômicos, Temer pode apressar o seu fim, porque foi exatamente por ter uma equipe forte e com autonomia para trabalhar que o trouxe ao ponto de colher bons indicadores econômicos como os que começa a aparecer no país.

O inesperado acelera o fim de uma era - JOSÉ ROBERTO MENDONÇA DE BARROS

ESTADÃO - 28/05

A delação da JBS foi realmente uma grande bomba, que trouxe como consequências a repulsa e a falta de condições de governabilidade de Temer


Há poucos dias comemorou-se o primeiro aniversário do governo Temer. Na ocasião, dois elementos caracterizavam a conjuntura econômica. De um lado, o cenário internacional, embora difícil, parecia ser relativamente neutro em relação ao Brasil, isto é, se não empurrava o crescimento, também não o atrapalhava, e isso continua até hoje. Por outro lado, caminhávamos para um quase consenso de que havia uma recuperação da atividade econômica, na direção de uma expansão de 1% do PIB. Ao mesmo tempo, admitia-se também ser grande a possibilidade de terminar a agenda de reformas em 2017, com a trabalhista e a previdenciária.

Neste momento, o inesperado atacou. A delação da JBS foi realmente uma grande bomba, que trouxe duas consequências. Uma delas é a universal repulsa, à qual me associo, ao perdão integral dado aos Batistas para que desfrutem de um vidão nos EUA, com iate, avião e muito dinheiro. A propósito, reafirmo o que escrevi há um mês neste espaço: daqui a dois anos os campeões nacionais não significarão nada.

A outra consequência é que Temer não tem mais condição de governabilidade e deve sair de uma forma ou de outra (via TSE ou renúncia). Imagino que o evento ocorrerá num prazo relativamente curto, possivelmente, de três a cinco semanas a contar desta data.


Parece seguro dizer que a Constituição será seguida e que, portanto, a eleição do substituto será feita, em 30 dias, pelo Congresso. A chamada para “diretas já” é boa apenas para tumultos e passeatas, e não deverá ter efeito prático nenhum.

No meio dessa neblina, vamos pagar um preço relevante em termos de redução do crescimento em 2017 e, provavelmente, em 2018. Não será difícil uma estagnação no atual exercício.

Entretanto, acho importante colocar que os avanços dos últimos tempos deverão prevalecer. Se o prazo para a solução do impasse político for o que imagino, não tenho dúvida de que a inflação do ano vai se manter baixa, inferior a 4%, o que permitirá uma importante redução dos juros, ainda que algo menor do que se esperava. A sociedade brasileira, nitidamente, incorporou a ideia de que inflação alta é um veneno que não pode voltar ao cenário. Ao mesmo tempo, o setor externo continuará muito robusto, considerando o desempenho das exportações, o tamanho do saldo comercial, a redução do déficit em conta-corrente e a entrada de capital externo. A abundância de dólares continuará ocorrendo e, como os mercados estão sinalizando, qualquer indício de avanço no cenário político trará o dólar de volta à faixa dos R$ 3,15. Na mesma direção, remanesce a percepção, amplamente majoritária, da necessidade de reforma fiscal, ainda que o cronograma da Previdência vá se atrasar.

Finalmente, os avanços na exigência de melhor governança pública e privada entraram no sistema de valores para ficar. Nada mais emblemático a esse respeito do que o aviso dado pelos supermercados que, dependendo do andamento do processo, não comprarão mais carne da JBS.

Com base nas observações anteriores, vemos dois possíveis cenários adiante que denominamos de recuperação postergada e de paralisia (ou “sarneyzação”). No primeiro, o novo presidente escolhido pelo Congresso adotaria a mesma agenda que vem sendo posta em prática e manteria a atual equipe econômica. Resta dúvida se a reforma da Previdência seria a mesma que está hoje em pauta ou se seria um pouco mais diluída. De qualquer forma, o movimento em direção ao ajuste continuaria, mas temos de lembrar que a PEC do Teto de Gastos é que será mais efetiva para determinar no ano que vem o superávit primário do governo. O cenário alternativo, naturalmente, decorreria de maiores dificuldades na eleição do novo presidente, que teria como missão básica levar o País até as próximas eleições. Nesse caso, não é fora de propósito imaginar que voltaríamos à recessão.

Acredito que a percepção dos custos envolvidos na paralisia política deve levar o Congresso a privilegiar a primeira alternativa. Certamente, isso ocorrerá se prevalecer um dos nomes mais citados como possíveis candidatos, pois todos eles são, certamente, reformistas.

Nesse caso, o inesperado nos terá custado muito, mas ainda será um preço que se pode pagar.


Aposentadoria de servidor federal concentra renda - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 28/05
Debate sobre a Previdência tem permitido a revelação de vários mecanismos de injustiça social, como são os sistemas de benefícios do funcionalismo

Este período conturbado em que se somam crises econômica e política tem servido para expor várias das mazelas brasileiras, enquanto partidos, corporações de diversos tipos e organizações variadas se mobilizam na defesa de respectivos interesses. Já a maioria desorganizada, de renda baixa, apenas lembrada em discursos políticos em favor do “povo”, observa. Ela é que costuma pagar o preço dos acertos feitos entre poder político e categorias influentes no Congresso — servidores públicos, sindicatos fortes do setor privado —, para a criação e aumento de vantagens pecuniárias.

A própria característica desta crise econômica, sem inflação elevada, rara no Brasil, aumenta muito a percepção pela sociedade da proporção da renda que pode ganhar ou perder, em função do imprescindível ajuste fiscal a ser feito. De forma benigna, por reformas justas aprovadas no Congresso; ou por mal, via hiperinflação e recessão, caso nada seja feito. Novamente, a maioria desorganizada pagará a conta.

A capacidade de corporações agirem em interesse próprio sob o disfarce de paladinos da sociedade tem ficado muito visível, por exemplo, em manifestações de rua e depredações criminosas, contra a democracia. Não é o povo que participa desses ataques.

Nas negociações em torno da proposta de reforma da Previdência, tudo fica muito claro. Corporações sindicais e de servidores públicos se movimentam, pressionam, para manter privilégios.

Os do funcionalismo público federal são gritantes: manter o último salário como aposentadoria, sendo reajustada na mesma proporção dos aumentos dados ao servidor na ativa. Ao lado disso, a grande maioria dos trabalhadores, segurados junto ao INSS, tem como teto de benefício cinco salários mínimos (R$ 5.531). Reforma iniciada na gestão de Lula e concluída por Dilma Rousseff estabeleceu, ao menos, que servidor com a carreira iniciada a partir de 2003 está limitado ao mesmo teto do INSS, e, se quiser complementar a aposentadoria, deve contribuir para um fundo de pensão.

Muito justo. Mas quem é servidor desde antes continua com a mesma vantagem, e ainda luta para não ter de seguir uma regra de transição razoável proposta pela reforma atual para se subordinar à regra do limite de 65 anos de idade.

Porque o Tesouro foi subjugado por fortes grupos de interesse, a distribuição de renda brasileira é das mais injustas. Em artigo publicado no GLOBO, os economistas José Márcio Camargo, André Gamerman e Rodrigo Adão calculam em R$ 1,3 trilhão, em valores não atualizados, a transferência feita pelo Tesouro para cobrir o déficit do sistema de previdência do servidor federal, entre 2001 e 2015. Ou seja, R$ 1,3 milhão para cada servidor aposentado ou R$ 86 mil anuais. Esta dinheirama do contribuinte, destinada a pouco menos de um milhão de servidores inativos, equivale a três vezes a despesa com os 4,5 milhões de idosos e deficientes enquadrados no Benefício de Prestação Continuada (BPC) e cinco vezes o orçamento do Bolsa Família, de que dependem 13,5 milhões de famílias, cerca de 50 milhões de pessoas ao todo. Parte desses recursos poderia ir para saúde e educação, por exemplo.

Está explicado por que os servidores federais aposentados incluem-se entre os 2% mais ricos do país. A situação fica mais disparatada quando se inclui o aposentado do Judiciário, do Ministério Público e do Legislativo. O mesmo padrão se repete no funcionalismo estadual e municipal. A reforma da Previdência, portanto, também precisa servir para reduzir as desigualdades sociais. Conhecer esses números ajuda a saber quem de fato está nas ruas contra as mudanças, em nome de quem protesta.

Nossos malvados preferidos - MERVAL PEREIRA

O Globo - 28/05

Corruptores se valem da lassidão moral. A Operação Lava-Jato está nos revelando um país que suspeitávamos existir, mas nos recusávamos a enfrentar de maneira rigorosa. Explicitações desmoralizantes de um modo de ser nada republicano revelam uma ética pública que reflete a moral privada, não apenas de corruptos e corruptores, mas de todos nós, cidadãos, que afinal de contas somos os responsáveis por colocar no Congresso e no Executivo figuras que necessariamente nos representam como sociedade.

Tão chocante quanto ver e ouvir delações de executivos da Odebrecht, especialmente de seu patriarca Emílio, explicando as relações promíscuas com parlamentares e governantes com um ar de superioridade de quem está nessa vida subterrânea há muitos anos, foi ver e ouvir o dono da JBS descrever um leilão de deputados contra e a favor do impeachment da ex-presidente Dilma, como se fossem os bois que compra para seu abatedouro.

Em consequência, revela-se outro defeito de nossa formação: temos malvados preferidos. Os nossos, quando denunciados, são perseguidos por conspirações subterrâneas, em alguns casos guiados até mesmo do exterior. Os outros, nossos inimigos, mais que adversários, são culpados de tudo e muito mais. O Ministério Público e a Polícia Federal têm o estranho dom de descobrir todas as safadezas de nossos inimigos e de perseguir implacável e injustamente nossos preferidos.

E é nessa dicotomia moral que está a raiz de nossos problemas. Enquanto perdoarmos nossos companheiros, encontrando as mais bizarras explicações para situações indefensáveis, e quisermos a letra dura da lei, ou mesmo aceitarmos ignorar a lei para punir nossos adversários, o país não sairá desse lamaçal.

A situação é tão esdrúxula que os mesmos procuradores, a mesma Polícia Federal, são instituições respeitáveis quando descobrem as falcatruas em que um figurão tucano está metido, e passam a ser vendidos, com atuação política enviesada, quando anunciam os atos corruptos de um figurão do PT. E vice-versa.

Aproveitando essa lassidão moral, os corruptores agem nos dois lados, sem partidarização, oferecendo os mesmos préstimos a tucanos, petistas, peemedebistas e a outras siglas menores, da mesma maneira que as raízes do mensalão estavam no empresário mineiro que ajudara o PSDB a testar sua tecnologia de corrupção com o dinheiro público.

Deu tão certo que o PT importou o método, mais aperfeiçoado até, e ampliando seu escopo, recém-chegado ao poder e carente de tecnologia mais avançada. Tinham experiência municipal, logo acostumaram-se aos novos ares federais, institucionalizando a roubalheira como método de governo.

A impunidade que campeava no país em relação aos criminosos do colarinho branco, fossem empresários ou políticos, permitia que esses esquemas se disseminassem na política partidária, assim como é apartidária a maioria parlamentar que hoje sustenta um governo do PMDB, PSDB, DEM e ontem sustentava um governo petista, e se prepara para novamente apoiar outro governo.

Hay governo? Soy a favor parece ser o lema desses nossos representantes, que continuam a agir da mesma maneira, sem se dar conta de que o país, aos trancos e barrancos, vai mudando e exigindo uma nova postura diante dos escândalos. E qual é a solução que está sendo tramada por baixo dos panos em Brasília?

Uma anistia ampla, geral e irrestrita que permita que ex-presidentes não vão para a cadeia, que atuais e antigos parlamentares sejam perdoados pelos financiamentos de caixas 1, 2 e quantas mais apareçam nas investigações criminais.

Não há uma alma que inclua nessa negociação um mea culpa generalizado, não há quem imagine que é preciso colocar limitações às falcatruas, limitações apenas à atuação dos que os investigam. Mas há esperanças à vista. Assim como o esquema de corrupção nacional parece ser o maior já registrado na política internacional, justamente por isso nenhum país teve que realizar uma crítica tão drástica de suas práticas políticas, tendo os valores éticos como objetivo.

As instituições brasileiras resistem à crise, mesmo quando parecem consumidas pelas mazelas que estão sendo combatidas. Mas a sociedade precisa permanecer em estado de alerta para impedir que se perca essa oportunidade de avanços democráticos.

Porque ainda há quem considere que é preciso fechar os olhos a certos desvios éticos escancarados, para permitir que as reformas avancem. Ou que a suposta melhoria da desigualdade social justifica um ou outro desvio do líder populista. Sem compreender que todos os avanços conseguidos através de métodos corruptos são um atentado à democracia e têm bases falsas, que logo ruirão.

Atalhos institucionais - VERA MAGALHÃES

ESTADÃO - 28/05

O mais 'popular' desses puxadinhos legais atende pelo slogan de 'diretas-já'


Diante da crise generalizada e da falta de saídas fáceis, vários atores aos quais caberia a responsabilidade de conduzir o País para uma transição minimamente racional flertam perigosamente com saídas fáceis ou atalhos institucionais. É o ingrediente que falta para o Brasil descambar de vez para situações que assistimos num passado recente – ou mesmo hoje – nos nossos vizinhos de continente.

O mais “popular” desses puxadinhos legais atende pelo aparentemente libertário slogan de “diretas já!”, como se vivêssemos um período de hiato democrático e não tivéssemos um ciclo ininterrupto de eleições diretas a cada dois anos desde a década de 80. Como se a malfadada dupla Dilma Rousseff & Michel Temer não tivesse sido eleita e reeleita por voto popular.

Diretas em 2017 significa, vejam só, o tal golpe que seus defensores adoram apontar no impeachment. Seja porque não é o caminho previsto pela Constituição – esta, vale lembrar, redigida e aprovada por uma Constituinte eleita diretamente –, seja porque servirá, no atual cenário, apenas de salvo-conduto para candidatos enrolados com a Justiça e/ou salvadores da pátria que flertam perigosamente com o desalento com a política.

Por pior que seja ter um presidente eleito por um Congresso sem respaldo popular e igualmente atingido pelas denúncias de corrupção, é o que nos resta para hoje. Qualquer um, independentemente da “fé ideológica” que professe, que tenha um mínimo de compromisso com a legalidade tem de aceitar este caminho caso Michel Temer caia, o que parece cada dia mais provável.

O segundo jeitinho brasileiro para problemas graves vem na forma da utilização do julgamento da chapa Dilma-Temer para abreviar o calvário do País com o presidente que se recusa a aceitar a hipótese de renúncia. Esta ação diz respeito à campanha de 2014. Deveria ser redundante dizer que as ilegalidades – e elas foram muitas – cometidas para reeleger a malfadada dupla não valem para retirar o ex-vice por eventuais crimes cometidos em março de 2017.

Mas no Brasil da gambiarra esta saída é vista como a mais “indolor”. Pode não doer agora, mas abre uma avenida para que se subvertam as leis para resolver nós que são antes de tudo políticos. É claro que, se o caminho acordado pelos caciques for este, vai-se tentar dar um verniz de normalidade e dizer que apenas foi cumprida a jurisprudência do TSE que manda responsabilizar a chapa toda em caso de irregularidade. Mas todo mundo que acompanhou esse tortuoso julgamento que se arrasta há dois anos, sabe que, há duas semanas, a tendência era justamente a oposta: responsabilizar Dilma.

Por fim, no Brasil das jabuticabas institucionais, tem-se evidências de sobra de que o Ministério Público Federal foi, no mínimo, condescendente ao oferecer um acordo de delação premiada nunca antes visto aos irmãos Batista e demais colaboradores da JBS. Nada, nem a tal ação controlada, justifica a benevolência.

Ademais, o fato de um dos braçosdireitos de Rodrigo Janot, que até outro dia estava à frente da condução das delações da Lava Jato, atuar no escritório de advocacia que negocia a leniência do grupo é outra dessas aberrações que só ocorrem no Brasil. Que não venham os representantes da banca e os antigos colegas de Marcelo Miller dizer que ele não atuou na delação. Só essa nítida incompatibilidade já seria razão para anular o acordo em um País sério.

Ou se excluem das graves decisões que o Brasil tem pela frente todos esses exotismos institucionais ou não haverá saída virtuosa, com ou sem Lava Jato. O caminho legal pode ser mais longo e tortuoso, mas é o único possível para um País que almeje a civilização e a democracia.


A falta que um líder faz - ELIANE CANTANHÊDE

ESTADÃO - 28/05

Se Congresso armar indulto para ex-presidentes, sucessor de Temer vira picadinho


O principal embate na definição de um eventual substituto de Michel Temer é da “senioridade”, o PSDB, o PMDB e o Senado contra a “junioridade”, a massa e os partidos médios da Câmara. O ponto em comum é que todos, do PSDB ao PT, aderiram ao “voto de desconfiança construtivo”, do Direito alemão, que consagra o que vem sendo dito aqui desde o início da crise JBS: Temer só cai quando houver um sucessor virtualmente ungido.

Alckmin e Doria lançam Fernando Henrique, o top da senioridade. FHC e Serra preferem Nelson Jobim, que se finge de morto, mas está bem vivo. Tasso Jereissati faz o meio de campo, mas, se o ângulo ajudar, chuta em gol. As conversas entre eles decantam para a base governista e se ampliam em ondas pelos cafezinhos do Congresso.

É ali que o deputado “júnior” Rodrigo Maia (DEM-RJ) concentra trunfos. Como presidente da Câmara, já é o segundo na linha sucessória de Temer, terá o próprio cargo atual para negociar, é um peixe dentro d’água na Casa que detém a esmagadora maioria dos votos indiretos e nada de braçada com partidos médios, como o próprio DEM, o PTB, o PP, o PSD... De quebra, não é de PT, PSDB nem PMDB, o que alivia as resistências.


Num colégio eleitoral de 594 votos, a Câmara tem 513 e não assimila um senador. Por isso, o Senado, com seus 81, trabalha firmemente a tese de duas votações: Câmara primeiro e o Senado depois, para homologar. Cola? Não se sabe, mas Maia mais Eunício Oliveira dá chapa zero. Aliás, todos os listados têm méritos e deméritos e cada um que puser a cabeça de fora entrará na linha de fogo.

FHC tem 85 anos e usa marca-passo. Jobim circula no Judiciário, no Legislativo e no Executivo com igual desenvoltura – e assertividade –, além de dialogar de FHC a Lula, de militares a militantes, mas é consultor de advogados da Lava Jato e sócio do BTG. E Tasso, senador e ex-governador do Ceará, é cardiopata e praticamente um ilustre desconhecido da Câmara.

Quanto a Rodrigo Maia: longe de ser um intelectual como FHC, ter a estatura de Jobim e ser um político majoritário como Tasso, ele é considerado júnior e de horizonte curto: seu mundo é o Congresso, quando a crise brasileira extrapola em léguas esse limite. A questão é se esses argumentos afastam os colegas deputados e são suficientes para uma sublevação no Senado.

Pairando sobre essas considerações, há um fato e dois personagens chaves. Fato: o governo está por um fio, mas atravessou mais uma semana, reza para não explodirem mais bombas, gravadores e delatores e avalia que o derretimento da economia pesa a favor de sua manutenção, não da troca de comando. E os personagens são Temer e Gilmar Mendes.

Gravemente ferido, Temer é do PMDB e tem a condescendência dos tucanos, que o descrevem como um professor de Direito Constitucional que não ostenta riqueza e merece um “tratamento digno”, mesmo na possível queda. Quanto ao ministro: se a eleição indireta passa pelo PSDB, o destino de Temer passa por Gilmar, que preside o TSE e foi decisivo para a nomeação de dois novos ministros, no total de sete. Antes da JBS, dava-se de barato que Temer escaparia. Agora, o TSE subiu no muro. Inclusive Gilmar, que prefere observar melhor.

O PT se informa desses movimentos e pode falar, ouvir e opinar, mas sem votar num colégio indireto, que seria heresia para suas bases. Mais: onde encaixar Lula, réu seis vezes e suspeito de ter institucionalizado a corrupção? Aliás, se Suas Excelências querem aproveitar para livrar a cara dos alvos da Lava Jato e exigir do eleito indiretamente um indulto para todos os ex-presidentes, eis um aviso: isso explodiria de vez o País. A sociedade e as instituições fariam picadinho do sucessor de Temer.

Uma questão de liderança - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 28/05

Uma crise como a desencadeada no dia 17 não deveria impor à opinião pública um sentimento forte de desconfiança em relação à coisa pública ou ao mundo político.


Quando se veiculou, no dia 17 de maio, a versão de que havia um áudio no qual o presidente Michel Temer teria dado anuência à compra do silêncio de Eduardo Cunha e de Lúcio Funaro, foi pelos ares a relativa estabilidade que o País vivia nos últimos meses e que começava a mostrar seus resultados. A crise política voltou forte e arrastou os primeiros indícios de recuperação econômica. Ainda que a divulgação da gravação, no dia seguinte, tenha mostrado que não havia a propalada anuência presidencial, o estrago estava feito e o País, uma vez mais, se via enredado em discussões sobre a governabilidade.

A crise nascida no dia 17 de maio expôs velhas e novas feridas nacionais: a atuação açodada do Ministério Público, com a conivência do Poder Judiciário, os benefícios imorais e ilegais concedidos ao chefe de uma operação criminosa – que ainda ganha dinheiro com o vazamento de sua delação –, as relações espúrias do mundo político com o dinheiro privado, as desastrosas consequências morais e econômicas da política lulopetista dos campeões nacionais, com o completo desvirtuamento da finalidade do BNDES, entre outras mazelas.

Uma crise como a desencadeada no dia 17 não deveria impor à opinião pública um sentimento forte – e talvez definitivo – de desconfiança em relação à coisa pública ou ao mundo político. Afinal, é da natureza das crises expor, sem maiores pudores, as deficiências nacionais, o que, por sua vez, mostra ser absolutamente necessário olhar além da superfície o cenário político e administrativo. Tal atitude serena não é igual a jogar a sujeira para debaixo do tapete ou desviar os olhos da atuação imoral de políticos, funcionários e empresários. O que é preciso fazer, para o encaminhamento de uma solução pertinente para a crise, é ter uma clara noção da situação, uma visão nítida de para onde se pretende conduzir o País e um balanço realista dos meios de que se dispõe para tanto.

Sem isso, não se vai a lugar algum. O mundo real impõe limitações e a política é sempre a arte do possível, dentro do estrito respeito às regras do jogo democrático.

Um dos pontos que a atual crise mais evidencia é a completa ausência de lideranças políticas prontas para dar as respostas rápidas e eficientes que o momento exige. É fácil achar incendiários ou oportunistas. Difícil é encontrar quem, capaz de formular um diagnóstico realista sobre a situação nacional, também possa articular caminhos e soluções viáveis, constitucionais, para destravar o País. Não se confunda a deficiência que acabamos de apontar com qualquer dificuldade para encontrar possíveis nomes para uma eventual substituição de Michel Temer. No momento, esse é um falso problema. O posto presidencial não está vago. Referimo-nos a um problema mais estrutural e prévio à apresentação de nomes e candidaturas: a carência de lideranças capazes de fazer política, na melhor acepção do termo.

Há, sem dúvida, pessoas experientes, que conhecem o funcionamento do Congresso, do Poder Executivo e – o quanto é possível saber – das leis e do Judiciário. O que faz falta são lideranças capazes de projetar o País para o futuro, de pensar estrategicamente. Pessoas que vislumbrem novos horizontes e, como se escreveu nesse espaço há não muito tempo, possam “aglutinar sentimentos, representar vontades, promover consensos e levar adiante projetos que ultrapassem os interesses particulares”.

O momento que o País atravessa é realmente delicado, e o risco advém não tanto de eventual tibieza do governo. O principal perigo é que a atual crise aprofunde a desconfiança da população em relação à política e leve a um distanciamento dela ainda maior de jovens talentos. Essa descrença, tornada crônica, inviabilizaria a governabilidade, não só de agora, mas do futuro. É isso que cumpre evitar, antes de mais nada.

Não é das tarefas mais difíceis falar mal atualmente da política nacional. São muitas, evidentes e graves as suas falhas. É preciso, sem dúvida, analisá-las a fundo, descobrindo suas causas e propondo correções. O que não se pode nem se deve fazer é usar as dificuldades e as mazelas atuais para levar a população a fugir da política, seja alimentando sentimentos que vão da repulsa à indiferença, seja fabricando messiânicas e utópicas soluções.

Terá o Brasil líderes capazes de levar avante essa tarefa?

A inércia do Brasil na podridão - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 28/05

Não há liderança partidária relevante que se arrisque a abandonar um sistema político que se chama de podre. Por outro lado, não há movimento ou organização social que se apresente como partido alternativo.

Quem está dentro não quer sair ou não tem força ou imaginação para se reagrupar em um partido reconectado a um interesse social qualquer de renovação. Quem está fora não quer entrar, não sabe como ou não tem força para fazê-lo.

É uma descrição estilizada do colapso da representatividade dos partidos gangrenados, exagerada por definição.

Sendo menos abstrato e extremista, há exemplos de saídas desse beco? Não se trata de apontar modelos, mas o descrédito dos partidos maiores, entre outras crises, propiciou tentativas de mudança na Espanha e na França.

Uma coalizão variada de organizações sociais, coletivos e coisas parecidas a micropartidos constituiu o Podemos (um caso do "quem está fora quer entrar"), que logo se tornou a terceira força política da Espanha.

Um dissidente do moribundo Partido Socialista da França aglutinou integrantes insatisfeitos do establishment e os conectou a eleitorados e movimentos de classes médias desencantadas (um caso de "quem está dentro quer sair").

Oportunista no mau ou no bom sentido, ainda vai se ver, esse dissidente, Emmanuel Macron, elegeu-se presidente e planeja refundar um partido de centro com conexões sociais e ideias mais vivas.

Dizer que a comparação europeia é inútil porque a sociedade no Brasil é amorfa não seria uma resposta, mas apenas uma questão (além de ser um erro antigo).

O nosso assunto, enfim, é o que fazer e o que não tem sido feito da dissociação crescente, quase terminal, entre sistema político e eleitorado, escancarada em 2013 e cada vez mais descarada desde então.

Não se apresentam dissidências de lideranças partidárias significativas nem para reagrupamentos simplórios, tal como uma alternativa limpinha à comunhão de delinquentes ou desclassificados que domina a política.

Por sua vez, movimentos sociais ainda mais ativos, embora minoritários, têm esperanças de poder por meio de "partidos que estão aí" (tanto na esquerda petista como na nova direita, que embarca na podridão que criticava "nas ruas" até ontem).

Parte da inércia se explica pelo óbvio cálculo de sobrevivência, pelo temor de ficar no sereno sem máquina eleitoral ou cargo estatal, "business as usual".

Além do mais, o conluio amplo e histórico que alimentou esse sistema político e suas pestes e vírus não morreu. Talvez ainda pareça viável a aliança entre fidalgos políticos, estamento empresarial e corporações que floresce faz quase 70 anos por meio da corrupção do essencial das regras do jogo da competição política e econômica.

Mesmo cientistas políticos se alarmam, por prudência quase conservadora, com a "destruição dos partidos" pelo sentimento antipolítico ou pela Lava Jato etc. Ao se omitirem na sugestão de alternativas, arriscam-se a ficar ao lado de defensores de acordões que salvem políticos menos enrolados, por exemplo.

Há inércia, em suma. Como é difícil acreditar que a sociedade revoltada esteja delegando a mudança política a um sistema que chama de podre, parece que se está à espera de um salvador.

sábado, maio 27, 2017

Fogo cruzado - MÍRIAM LEITÃO

O Globo - 27/05

Maria Silvia viveu este último ano entre vários fogos. Grande parte dos funcionários resistia às mudanças que ela tentava implantar no BNDES. Empresários diziam que o banco emperrava o crédito e isso dificultava a recuperação econômica. Moreira Franco dentro do Palácio repetia esses empresários. É isso que o governo acha que resolverá com o novo presidente. Foi então que a Lava-Jato se aproximou do banco.

O novo presidente, pelo perfil que tem, tentará se aproximar dos empresários e estimular o crédito. Dependendo de como fizer, será uma volta ao passado, mas não resolverá o problema da crise de confiança que leva ao subinvestimento. O grande problema continua sendo o que ronda o BNDES.

O BNDES entrou no centro da Lava-Jato nas últimas semanas. Houve a operação Bullish, que investiga supostas vantagens dadas ao grupo JBS e que questiona cláusulas dos empréstimos e de compras de debêntures e de ações do grupo. A delação de Joesley Batista escancarou. Ele disse com todas as letras que pagou propina em todas as operações feitas com o banco desde 2005, inicialmente a um emissário do ministro Guido Mantega, depois diretamente ao ex-ministro. Era 4% do valor da operação, depois passou a ser uma propina variável discutida caso a caso. Ele deu inúmeros detalhes.

Joesley disse que os funcionários não eram responsáveis pelos desvios, mas mesmo assim o corpo técnico passou a exigir da direção a defesa da instituição, e eles achavam que isso passava pela sustentação de que não houve erro nos empréstimos ou operações de equities. E claramente não se pode garantir isso. Até porque o próprio Joesley disse que as operações só saíam graças a Guido Mantega.

Ela sofreu resistência interna tão logo chegou. Quase 70% dos funcionários têm menos de 10 anos de casa, isso significa que só haviam trabalhado sob um presidente, Luciano Coutinho. Na gestão passada a ideologia dos campeões nacionais e do desenvolvimentismo dominava as mentes. Luciano fez sucessivos PDVs, reduziu o grupo mais velho que vinha de outras administrações e fez concursos para renovar o corpo de funcionários.

Maria Silvia chegou com outro discurso e outras propostas. Quis acabar com os departamentos e criar um novo desenho organizacional. Quis implantar variáveis como o retorno para a sociedade, ou a sustentabilidade como parte das pré-condições para os empréstimos. Tomou várias decisões modernizantes. Para começo de conversa, reduziu o espaço físico ocupado pela diretoria e acabou com as salas separadas de cada diretor. Ela e toda a diretoria ficavam num mesmo salão como acontece nas instituições financeiras modernas. Teve total liberdade para fazer a diretoria e levou vários diretores que não eram do quadro do banco.

Defendeu a proposta do governo de que o banco precisava devolver aos poucos os empréstimos gigantescos concedidos pelo Tesouro ao BNDES durante as gestões Lula e Dilma. E conseguiu devolver R$ 100 bilhões, dos R$ 500 bilhões que foram emprestados pelo Tesouro. Isso não foi bem recebido internamente, porque era entendido como se ela quisesse diminuir o tamanho do banco. Na verdade esse meio trilhão de reais transferidos à instituição foi um dos muitos absurdos da política econômica do primeiro mandato de Dilma.

Ela enfrentava também problemas externos. Empresários alegavam que os empréstimos estavam emperrados. Ela explicava que a demanda por financiamento caiu naturalmente com a recessão. Em entrevista ao “Valor”, em fevereiro, ela perguntou: “Estou travando crédito para quem?” Grandes tomadores do passado foram as empreiteiras, que agora, por estarem envolvidas na Lava-Jato, não podem ter empréstimos por razões legais. Na conversa entre Joesley e o presidente Temer no Jaburu, ele se queixa dela e diz que ela não estava conversando com os empresários.

A gestão Maria Silvia deu a Temer um grande argumento que ele tem usado em sua defesa. Foi da diretoria que ela presidiu que saiu a decisão de não aceitar a transferência do domicílio fiscal e da sede do grupo J&F para Irlanda e Reino Unido. Isso atrapalhou os planos do grupo. A defesa de Temer tem dito que tanto ele não favoreceu os irmãos Batista que os planos de transferência de ativos para o exterior foram frustrados.

A gestão de Paulo Rabello de Castro pode ser curta, se tiver como horizonte o governo Temer e como norte voltar à concessão de empréstimos favorecidos.

Para que o crime não compense - HÉLIO SCHWARTSMAN

FOLHA DE SP - 27/05

SÃO PAULO - Sabe criança quando ganha um brinquedo novo e faz questão de usá-lo em todas as ocasiões, incluindo aquelas em que fazê-lo é inadequado? Pois é, minha sensação é a de que os procuradores estão agindo da mesma forma com as delações premiadas.

A introdução desse instituto foi fundamental para a desarticulação dos esquemas de corrupção enquistados no poder. Ao permitir que integrantes das quadrilhas negociem uma redução de pena em troca de informações e provas sobre atividades ilícitas, a legislação põe a matemática, mais especificamente a teoria dos jogos, a serviço do combate ao crime.

A própria ideia de negociação entre MP e acusados poderia ser mais bem explorada em nosso sistema. Se o réu admite culpa em troca de uma sentença mais branda, não há necessidade de levá-lo a julgamento, o que contribuiria para desafogar a Justiça. O Judiciário dos litigiosos norte-americanos só é viável porque de 90% a 95% dos casos são resolvidos nessas negociações (o "plea bargain") sem nem passar pelo juiz ou pelo júri.

É preciso, porém, que nos cerquemos de cuidados básicos, pois é fácil errar a mão nas negociações e passar tanto para criminosos como para a sociedade os incentivos errados. Salvo melhor juízo, é o que os procuradores fizeram ao acertar as delações e acordos de leniência envolvendo Odebrecht e, principalmente, a JBS.

Até para que os procuradores tenham referências para negociar, seria importante fixar alguns parâmetros, como o de que o benefício máximo concedido a delatores corresponda a, digamos, metade da pena mínima prevista para o crime principal. É preciso também limitar o acesso à delação a menos delinquentes e que ocupavam posições hierarquicamente inferiores. Por fim, é necessário cassar as vantagens de delatores que tenham mentido ou omitido fatos importantes. Sem isso, corremos o risco de o sistema estimular novos tipos de comportamento criminoso.

O corrupto e o corruptor - RUY CASTRO

FOLHA DE SP - 27/05

RIO DE JANEIRO - Agora que estávamos nos acostumando à figura do corrupto —afinal, há séculos convivemos com ele—, eis que surge um novo animal na floresta: o corruptor. E em alto estilo: enorme, viscoso, tentacular, falando de cifras com que nunca sonhamos e com uma naturalidade que escancara para nós, de repente, toda a nossa inocência.

Com que, então, os milhões e bilhões que só conhecíamos por ouvir falar existem de verdade e não como papéis simbólicos, trocados por bancos e governos. Apesar do volume, são moeda corrente entre pessoas reais e circulam em malas, mochilas, meias e depósitos no Exterior, ou na forma de barcos, joias, sítios, tríplexes, aeroportos. A cada denúncia, os montantes têm sido de tal ordem que nos arriscamos a ficar blasés: "Mas como, tanto barulho por R$ 5 milhões? Ainda se fossem dólares...".

Enfim, se o corrupto não é novidade, nada mais fascinante nos últimos tempos do que nos defrontarmos com o corruptor —o que nos tem sido oferecido à larga pelas gravações da Lava Jato. Desse espetáculo, que supera qualquer reality show, pode-se inferir algo sobre a personalidade de ambos.

O corruptor tem desprezo pelo corrupto. Olha-o de cima para baixo, trata-o pelo primeiro nome ou pelo diminutivo, ignora a liturgia, marca local, dia e hora da visita ou chega sem avisar —claro, se é ele quem paga as contas, presta-se gostosamente aos achaques e compra políticos como se fossem bananas. O corruptor vai às compras com uma longa lista: transferências de fundos públicos, medidas provisórias, primazia em concorrências, isenção de impostos, empréstimos em bancos oficiais. O corrupto avia esses pedidos e, em troca, leva o seu. Mas o ganho do corrupto é pinto se comparado ao do corruptor.

Desprezado pelo corruptor, só resta ao corrupto, em troca, nos desprezar.

A falácia das ‘diretas já’ - EDITORIAL ESTADÃO

ESTADÃO - 27/05

Aproveitar-se da convulsão política no País para promover alterações constitucionais com vista a favorecer um grupo político viola escandalosamente a democracia


Os defensores da antecipação da eleição direta para presidente querem fazer acreditar que somente assim teremos um governo com legitimidade e, portanto, capaz de tirar o País da crise. Essa concepção do voto direto como panaceia dos problemas nacionais se presta a vários propósitos, a maioria inconfessáveis, e nenhum deles efetivamente democrático. Quem apregoa a eleição direta para presidente agora, de afogadilho, ou defende interesses turvos ou é apenas oportunista.

Em primeiro lugar, basta observar quais partidos lideram o esforço para colocar o tema na pauta do Congresso. São em sua maioria siglas que desde sempre se dedicam a questionar a legitimidade e a sabotar qualquer governo democraticamente eleito que não seja integrado por um dos seus. Os notórios PT, PSOL, Rede e PCdoB, entre outros, informaram que vão se reunir na semana que vem para discutir a formação de uma “frente nacional” para defender a antecipação da eleição presidencial direta. A memória nacional está repleta de exemplos de como os petistas e seus filhotes mais radicais jamais aceitaram o resultado das eleições presidenciais que perderam, e provavelmente continuarão a não aceitar caso o vencedor do próximo pleito não seja Lula da Silva ou alguém da patota.

Com Michel Temer na Presidência, a estratégia antidemocrática consiste em infernizar a vida do presidente para que ele renuncie e, ato contínuo, sejam convocadas eleições diretas. Para tanto, apostam na aprovação de alguma das propostas que estão no Congresso com vista a alterar o artigo 81 da Constituição, que determina que, em caso de vacância da Presidência e da Vice-Presidência nos últimos dois anos do mandato, haverá eleição para ambos os cargos “trinta dias depois da última vaga, pelo Congresso Nacional, na forma da lei”. Na proposta que está no Senado, torna-se direta a eleição quando ocorrer a vacância nos três primeiros anos.

O casuísmo é tão evidente que custa acreditar que esse tipo de proposta esteja sendo levado a sério e eventualmente avance. Os parlamentares envolvidos nesse esforço usam o especioso argumento, expresso no projeto, de que é preciso “devolver à população brasileira o direito de escolher o presidente da República, por meio de eleições diretas”. Para eles, o atual Congresso, engolfado em escândalos de corrupção, não tem “legitimidade” para fazer essa escolha.

Ora, os atuais congressistas foram eleitos pelo voto direto, o mesmo voto direto que os defensores da antecipação da eleição presidencial direta consideram essencial para conferir legitimidade ao eleito. Michel Temer também foi escolhido em eleições diretas. Estava, como vice, na chapa de Dilma Rousseff à Presidência em 2010 e em 2014. Por quatro vezes – os dois turnos de cada eleição –, cada um de seus eleitores visualizou sua foto e seu nome na urna eletrônica e confirmou o voto. Hoje se encontra no exercício da Presidência em decorrência do estrito cumprimento dos preceitos constitucionais. E, se tiver de deixar o cargo, a Constituição diz claramente como substituí-lo.

Mas os inimigos da democracia só apreciam a Constituição quando esta lhes dá alguma vantagem. Se for um entrave para suas pretensões políticas, então que seja rasgada, sob a alegação aparentemente democrática de que a antecipação da eleição direta “atende aos anseios da sociedade brasileira, sob o eco do histórico grito das ruas a clamar ‘Diretas Já’, nos idos da década de 1980”, como diz o texto da PEC no Senado. A justificativa omite, marotamente, que aquele era um dos componentes do processo de restabelecimento da democracia, na saída do regime militar, ao passo que hoje a democracia está em pleno vigor.

Finalmente, não são apenas eleições diretas que definem um regime democrático, muito menos conferem legitimidade automática aos eleitos. A democracia, em primeiro lugar, se realiza pelo respeito à Constituição, expressão máxima do pacto entre os cidadãos. Aproveitar-se da convulsão política para promover alterações constitucionais com vista a favorecer um grupo político viola escandalosamente esse pacto e, portanto, a própria democracia.

A culpa do ‘sistema’ - EDITORIAL ESTADÃO

ESSTADÃO - 27/05

Ao procurador Dallagnol, pouco importa o tamanho do crime, já que todos são criminosos


Convidado a comentar a recentes denúncias envolvendo o presidente Michel Temer e o senador tucano Aécio Neves, o procurador da República e coordenador da força-tarefa da Lava Jato, Deltan Dallagnol, lamentou que, três anos depois do início da operação anticorrupção, “nós vemos que tudo parece igual”. Para Dallagnol, portanto, não há diferença significativa entre o período que vai da revelação do descomunal esquema de corrupção que assaltou a Petrobrás até a instauração da suspeita de que o presidente Temer e o senador Aécio, entre outros políticos, teriam se envolvido com um empresário corrupto.

Dallagnol, em sua reiterada imprudência, infelizmente comum a alguns de seus pares, dá tratamento isonômico a todos os políticos citados nas delações premiadas. Para ele, são todos corruptos, e na mesma medida. Os políticos que receberam doações eleitorais qualificadas pelos delatores como “propina” são colocados no mesmo nível dos meliantes que elaboraram um plano de assalto bilionário aos cofres da Petrobrás e de outras estatais e entidades públicas durante os governos lulopetistas.

Em entrevista à Rádio CBN, o procurador Dallagnol, depois de se dizer “estarrecido” com as informações envolvendo o presidente Temer e o senador Aécio, disse que o que veio a público nesse caso contém “indicativos apontando provas de crimes relacionados a mais de 1.800 políticos”. Foi uma referência ao depoimento de Ricardo Saud, diretor do frigorífico JBS, que contou aos procuradores que a empresa deu R$ 600 milhões a 1.829 candidatos de 28 partidos políticos. Segundo Saud, foram contemplados deputados estaduais e federais, senadores e governadores. “Se ele (o político) recebeu esse dinheiro, sabe, de um jeito ou de outro, (que) foi de propina”, declarou.

Ou seja, fiando-se no depoimento de alguém interessado em fazer prevalecer a versão de que qualquer doação eleitoral feita por empresas a políticos no fundo sempre é propina – isto é, que o mundo político é integralmente corrupto –, o procurador Dallagnol constrói sua tese de que o sistema político está “apodrecido”.

Não é por acaso que uma variante dessa mesma expressão – “estado de putrefação de nosso sistema de representação política” – foi usada pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, como justificativa para o acordo de delação premiadíssima feito com os irmãos Joesley e Wesley Batista, controladores da JBS. É como se os procuradores não se importassem com os meios para atingir os fins. Vale tudo para “sanear” o sistema político.

Nem é preciso dizer que empresários com tino para bons negócios, como os irmãos Batista, farejaram aí uma oportunidade para safar-se da Justiça: bastava dizer aos procuradores o que eles queriam ouvir, isto é, que todos os políticos, a começar pelo presidente da República em pessoa, foram corrompidos. A veracidade de cada uma das acusações ainda precisa ser provada, mas o time de Janot já concluiu que as delações bastam para seus propósitos messiânicos.

Nesse cenário, em que não se distinguem os quadrilheiros que roubaram a Petrobrás dos políticos que receberam doações eleitorais chamadas agora, genericamente, de “propina”, quem sai no lucro são os verdadeiros bandidos – aqueles que julgaram poder governar o País na base da rapina e da farta distribuição de dinheiro público.

Afinal, num mundo “apodrecido”, conforme dizem Janot, Dallagnol e outros, pouco importa o tamanho do crime que se comete, já que todos são criminosos. E, se todos são criminosos, então estão todos absolvidos, já que a culpa objetiva só pode ser do “sistema”. Afinal de contas, não é o “sistema” que é corrupto? Não por acaso, essa é a abstrusa tese do PT, de onde saíram os líderes da quadrilha do mensalão e do petrolão. Sendo assim, nenhum dos procuradores haverá de se queixar do despudor do ex-presidente Lula da Silva, que se sentiu à vontade para dizer, no Twitter, que “o PT pode ensinar inclusive como combater a corrupção”. Os tais procuradores tiveram o melhor dos professores.

sexta-feira, maio 26, 2017

GATO ARREMESSADO DURANTE “MANIFESTAÇÃO” PODE PERDER A PATA: AGORA A ESQUERDA FOI LONGE DEMAIS! - RODRIGO CONSTANTINO

GAZETA DO POVO - PR 26/05



Uma cena cruel durante a manifestação dessa quarta-feira (24/5) na Esplanada dos Ministérios chocou quem estava perto. Um gato foi arremessado durante o protesto que terminou em confusão. Com a violência, o bichinho fraturou a pata dianteira.

Perplexa com a situação, a jornalista Carla Benevides pegou o animal e o levou com ela. O gatinho foi encaminhado a uma clínica no Lago Norte e corre o risco de ter a pata direita amputada. Segundo a jornalista, ela estava acompanhando a manifestação em frente ao Ministério da Justiça quando um rapaz entregou o animal afirmando que ele foi arremessado por cerca de 10 metros.

“Eu adoro bicho, o peguei na hora, mas não sabia o que fazer porque estava trabalhando. Vi que estava muito assustado. Fiquei com pena porque ele miava muito, dava para ver que estava com dor”, afirmou a jornalista.

Segundo o veterinário, o gatinho rompeu os tendões, ligamentos e a pata estava solta. No momento, ele está internado e terá que tomar anti-inflamatório por dois dias. De acordo com a jornalista Sabrina Mancio, que levou o animal para a clínica, o remédio serve para o médico ver como ele reage antes de decidir pela amputação.

Uma corrente se formou para ajudar o gatinho.

Acho que agora a extrema-esquerda passou de todos os limites! Dessa vez ela vai perder o apoio das elites pós-modernas. Um gatinho?! Que tipo de gente faz maldade com um gatinho?!

Sim, é verdade que a extrema-esquerda defende Cuba, regime ditatorial no poder há mais de meio século, que já eliminou milhares de vidas inocentes no paredão; sim, é fato que essa turma apoia a Venezuela, cujo tirano vem matando manifestantes na rua para se manter no poder; sim, é verdade que a história do socialismo é aquela de cem milhões de cadáveres empilhados em nome da ideologia.

Mas eram “apenas” seres humanos. E dessa vez a vítima foi um gato. Um pobre gatinho! E o bichano vai perder uma patinha. Isso será intolerável para muita gente da esquerda, que costuma colocar o ovo da tartaruga acima do ovo humano na hierarquia de valores. Aborto? Pode até o mês que quiser, afinal, “meu corpo, minhas regras”. Mas não mexa com bichinhos!

Já disseram por aí que o terrorismo islâmico só vai chocar mesmo, revoltar todos a ponto de gerar finalmente uma reação mais enérgica, no dia em que os alvos forem focas ou baleias. Enquanto os muçulmanos matarem “apenas” pessoas, como a menina de 8 anos que foi explodida durante um show em Manchester, a turma pós-moderna vai continuar mais preocupada com a “islamofobia” do que qualquer outra coisa.

Não me entendam mal: adoro bichos! Mas há algo muito errado com um mundo que tem dado mais valor a eles do que aos próprios seres humanos. Isso é misantropia pura. Vão ser desumanos assim lá na extrema-esquerda!

Rodrigo Constantino

Sobre seletividade - EDITORIAL ESTADÃO

ESTADÃO - 26/05

Lulopetistas oferecem ao País vergonhosa exibição de hipocrisia quando incendeiam ministérios e plenários do Senado e da Câmara



O PT e seus lambe-botas passaram meses protestando contra a Operação Lava Jato sob o argumento de que se tratava de uma “investigação seletiva” dedicada exclusivamente a “perseguir” Lula e a tigrada. Decepcionaram-se quando a evolução das investigações demonstrou que nenhum partido e nenhuma liderança política está imune à ação da Justiça. Agora, demonstrando que eles próprios também sabem ser seletivos quando lhes convém, os lulopetistas oferecem ao País uma vergonhosa exibição de hipocrisia quando incendeiam – em alguns casos, literalmente – a Esplanada dos Ministérios e os plenários do Senado e da Câmara dos Deputados com iradas manifestações de indignação diante da profunda crise em que o País está mergulhado, escamoteando o fato de que eles próprios têm enorme responsabilidade por essa crise, pois durante longos 13 anos foram os donos do poder, do qual foram apeados, com apoio maciço dos brasileiros, há apenas 12 meses. Os vândalos que botaram fogo e destruíram o patrimônio público numa “manifestação pacífica” a favor do “Fora Temer” e contra as reformas, bem como os senadores e deputados baderneiros que pelos mesmos motivos promoveram cenas de pugilato dentro do Congresso Nacional, cometeram essas barbaridades movidos por uma seletiva indignação contra a crise que eles próprios provocaram e agora procuram agravar em benefício próprio, pois alimentam a pretensão de voltar ao poder ressuscitando Luiz Inácio Lula da Silva.

Quanto pior a crise, recomenda o bom senso, tanto maior a necessidade de que as lideranças políticas assumam a responsabilidade de serenar os ânimos e manter dentro dos limites da racionalidade o confronto político inerente à vida democrática. É mais fácil compreender as motivações que levam um cidadão comum a realizar atos de vandalismo do que aceitar a atitude de um parlamentar que desrespeita uma Casa de representação popular com um comportamento violento. É péssimo exemplo dado por quem tem obrigação de se comportar com civilidade.

A existência de oposição é uma condição inerente à democracia, pois a complexidade da natureza humana exige consenso na gestão da coisa pública, não unanimidade. A oposição não pode se comportar como única e legítima representante da vontade popular, pretensão implicitamente invocada para justificar, “em nome do povo”, o desrespeito às instituições e a agressão a quem ousa dissentir. O dogmatismo messiânico do PT e das facções esquerdistas que navegam em suas águas resultou na redução da questão social à divisão do País entre “nós” e “eles” – uma regressão histórica ao princípio da luta de classes –, como se a política consistisse em dirimir o conflito de interesses por meio da eliminação do “inimigo”. Numa democracia, as divergências se resolvem pela conciliação de interesses e não pela potencialização de seu entrechoque.

Essa visão primária que o PT e seus agregados têm, de que os problemas se resolvem pela submissão do opositor e não pela conciliação de interesses, tem sido sistematicamente materializada nos debates parlamentares em torno de questões mais agudas, como foi o caso do impeachment de Dilma Rousseff e, agora, da discussão das reformas propostas pelo governo Temer. Quando os trabalhos são abertos, no Senado ou na Câmara, em comissões ou em plenário, as primeiras fileiras já estão ocupadas por um grupo que pode ser definido como “tropa de choque”. São sempre os mesmos, que se distinguem e se identificam pela especial habilidade de tumultuar a discussão com repetidas tentativas de desqualificar a condução dos trabalhos e as posições de “inimigos”. Não são senadores ou deputados, mas “guerreiros” dispostos a impor-se “no berro”, recorrendo frequentemente à violência de “ocupar” o espaço da mesa diretora dos trabalhos, em flagrante atentado ao decoro parlamentar e desrespeito aos cidadãos que deveriam representar.

Resta esperar que essas lamentáveis demonstrações de falta de compostura e espírito cívico estimulem os eleitores a serem mais seletivos na próxima vez que forem às urnas.

Como procuradores e juízes militantes, os tenentes não gostavam de políticos - REINALDO AZEVEDO

FOLHA DE SP - 26/05

O Brasil se tornou refém do "Tenentismo da Destruição". O país caminha para o abismo político, legal e institucional. Aparecerá alguém com um lume ao menos, a nos dar uma esperança, ainda que bruxuleante? Esse portador de alguma luz contra as trevas, creiam, era Michel Temer. Torço para que chegue ao fim do mandato. Mas não será fácil.

E o futuro? Até agora, o que vejo são pré-candidatos a cronistas das nossas angústias, com suas ligeirezas à direita ou à esquerda. Pergunta rápida, com resposta idem, dois dias depois dos atos terroristas protagonizados pelas esquerdas na Esplanada dos Ministérios: se não se fizer a reforma da Previdência agora, quem terá coragem de levar essa pauta para o palanque?

Salvo engano, foi Luiz Werneck Vianna, da Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio, o primeiro cientista político a caracterizar essa era de procuradores e juízes militantes como um "novo tenentismo". Em vez do uniforme militar, a toga. O movimento de jovens oficiais de baixa e média patentes, na década de 20, teve importância capital na história do país. Dali saíram tanto o líder comunista Luiz Carlos Prestes como boa parte da elite fardada de 1964. A Revolução de 30 foi o primeiro golpe bem-sucedido da turma.

Também os tenentes, a exemplo dos procuradores e juízes militantes de hoje em dia, não gostavam de políticos, considerando-os meros agentes da corrupção. Também eles queriam refundar a República –tanto é assim que a ascensão de Getúlio Vargas marca o fim da dita "República Velha" e o início da "Nova". Também eles carregavam uma ânsia moralista autoritária. Para registro: três presidentes do ciclo militar tinham sido tenentes "revolucionários": Castello Branco, Emilio Garrastazu Médici e Ernesto Geisel.

Os tenentes de uniforme, no entanto, observou Werneck Vianna, tinham ao menos um ideário, uma pauta, como o voto secreto, o fim das fraudes nas eleições, reforma da educação pública etc. Havia até os que defendiam a liberdade de imprensa. Os tenentes de toga nada têm além do combate à corrupção. É evidente que é necessário. A questão é saber quantos crimes serão cometidos sob tal pretexto.

A tramoia contra Temer e o esforço para o STF decretar a prisão preventiva do senador Aécio Neves (PSDB-MG) são o epílogo da primeira etapa dessa destruição que consideram saneadora. Na segunda, prometem mais higienismo político. Afinal, como já sugeriu Deltan Dallagnol, a única reforma que realmente interessa é a do... combate à corrupção.

Fui vítima de uma violência, de um crime, que, por enquanto, segue sem criminosos. Conversas minhas, ao telefone, com Andrea Neves foram pinçadas em meio a milhares de gravações. Nada traziam, obviamente, de comprometedor. A PGR diz não ter nada com isso. A PF diz não ter nada com isso. A presidente do STF lembrou a agressão a um direito constitucional: o sigilo da fonte. Também nada com isso!

Então quem tem? Vai ver o culpado sou eu! O ministro Edson Fachin liberou os grampos sem nem saber o que lá iam. Jogou no lixo o Artigo 9º da Lei 9.296, que manda destruir o material que não interessar à investigação. Depois de uma reação de indignação como raramente se viu, pôs de novo parte dos grampos sob sigilo.

Os tenentes de toga acham que as leis brasileiras são garantistas demais e que, como é mesmo?, o "interesse público" deve estar acima de alguns fundamentos do Estado de Direito. Tudo, claro!, para combater a corrupção! É por isso que eles protestam com tanta veemência quando Eike Batista obtém habeas corpus no Supremo.

Afinal, esses paladinos da moral têm como exemplo de rigor um outro Batista, o Joesley!

JBS é símbolo do capitalismo de Estado entre amigos - EDITORIAL O GLOBO

O Globo - 26/05

A delação dos irmãos Batista ocupa, com razão, o noticiário sobre corrupção, mas também deve
ser lembrada a história da expansão da empresa

O grupo JBS se converteu em principal sinônimo de corrupção, desbancando a Odebrecht, com a delação premiada dos irmãos Joesley e Wesley Batista à Procuradoria-Geral da República —, principalmente com a gravação feita por Joesley de uma conversa comprometedora com o presidente Michel Temer, revelada pelo GLOBO.

Os relatos de Joesley a procuradores, gravados em vídeo, sobre a distribuição farta de dinheiro entre políticos, sem discriminar partidos, são mesmo emblemáticos de tempos de fisiologismo desbragado e descontrole ético refletidos no mensalão e nas investigações da Lava-Jato.

Mas o JBS também tem relação direta com os favores fornecidos a grupos empresariais nos governo Lula e Dilma, dentro da política de criação dos “campeões nacionais”, com base no BNDES.

Na realidade, trata-se da reedição de programa semelhante — e também fracassado como este do lulopetismo —, na ditadura militar, para a produção interna de máquinas, equipamentos e insumos petroquímicos e outros.

Como naquela época, no JBS o contribuinte arcará com bilionário prejuízo. O grupo se tornou o maior processador de proteína animal do planeta sustentado em bilhões de reais subsidiados pelo Tesouro e despejados na empresa. Foi assim que o BNDESpar — braço de participações acionárias do banco — tornou-se sócio do JBS, com 31,3% do capital (a Caixa tem 4,9%).

O mergulho do preço das ações da empresa em Bolsa, no vácuo da crise, já causa uma perda contábil. O banco, assim, terá de congelar suas posições acionárias, porque, se vendê-las, concretizará os prejuízos.

Muito dinheiro circulou nesta operação para transformar o JBS num “campeão nacional” com forte projeção internacional. Sem que haja suspeitas sobre a qualidade do corpo técnico do BNDES, investiga-se como transcorreram operações que, entre 2007 e 2011, injetaram R$ 5 bilhões nos cofres do grupo de frigoríficos. Há pelo menos um caso, relatado na Operação Bullish, em que um grande aporte de recursos ao grupo precisaria ser devolvido ao banco, pela não realização da compra de outra empresa, motivo da operação, mas que foi mantido indevidamente no JBS. Evidenciou-se um favorecimento aos irmãos.

Tudo isso é típico do capitalismo de Estado que, pela via da direita e da esquerda, o Brasil tem praticado há décadas. Um capitalismo para compadres, em que empresários próximos ao poder são premiados, sem maiores preocupações com eficiência e produtividade. Por isso, esses ciclos (com Geisel, Lula e Dilma) resultam em grandes prejuízos para o Erário.

O caso JBS se junta ao da Odebrecht, e de outras empreiteiras da Lava-Jato, e revela de maneira clara a contrapartida desses empresários na forma de financiamentos de campanha — caixa 1, com propina, e 2 —, além da prática ampliada da corrupção. É a outra face deste capitalismo de Estado e de amigos.

O calote do século - ELIANE CANTANHÊDE

ESTADÃO - 26/05

Temer tem muito a explicar, mas perdão a Joesley Batista é premiar a corrupção


Antes que a gente se esqueça, Joesley Batista, da JBS, que já foi um dos “campeões nacionais” do BNDES, é agora campeão internacional do calote, um calote não numa pessoa, numa empresa ou num banco, mas num país inteiro. Um país chamado Brasil, onde não sobra ninguém para contar uma história decente e abrir horizontes.

Enquanto amealhava R$ 9 bilhões do BNDES, mais uns R$ 3 bilhões da CEF, mais sabe-se lá quanto de outros bancos públicos nos anos beneficentes de Lula, Joesley saiu comprando governos, partidos e parlamentares. Quando a coisa ficou feia, explodiu o governo Temer, a recuperação da economia e a aprovação das reformas, fez um acordo de pai para filho homologado pelo STF e foi viver a vida no coração de Nova York.

O BNDES, banco de fomento do desenvolvimento nacional, foi usado para fomento de empregos, fábricas e crescimento nos Estados Unidos, onde Joesley e o irmão, Wesley, usaram o rico e suado dinheirinho dos brasileiros para comprar tudo o que viam pela frente. Detalhe sórdido: os frigoríficos que adquiriram lá competem com os exportadores brasileiros de carne. Uma concorrência para lá de desleal.

Eles se negam a pagar os R$ 11 bilhões do acordo de leniência com a PGR, até porque o dinheiro público camarada do Brasil foi usado para sediar 70% dos negócios nos EUA, 10% em dezenas de outros países e só 20% no Brasil. Se esses procuradores encherem muito a paciência, eles jogam esses 20% pra lá, fecham as portas e esquecem a republiqueta de bananas.

Além de sua linda mulher (como nos clássicos sobre gângsteres), Joesley levou para a grande potência seu avião Gulfstream G650, de 20 lugares e US$ 65 milhões. Também despachou num navio para Miami seu iate do estaleiro Azimut, de três andares, 25 lugares e US$ 10 milhões. Quando enjoar de Nova York, vai passar uns tempos nos mares da Flórida.

Enquanto arrumava as malas, Joesley aplicou US$ 1 bilhão no mercado de câmbio, fez megaoperações nas Bolsas e ficou aguardando calmamente o Brasil implodir no dia seguinte, para colher novos milhões de dólares. E deixou para trás sua vidinha de açougueiro no interior de Goiás, uma sociedade pasma e um monte de interrogações.

Por que, raios, Lula e o BNDES jorraram tantos bilhões numa única empresa? Joesley podia usar o dinheiro com juros camaradas e comprar aviões e iates para uso pessoal? Os recursos não teriam de gerar desenvolvimento e emprego para os brasileiros? E, se o seu amigão (como dos Odebrecht) era Lula, a JBS virou uma potência planetária na era Lula e se ele diz que despejou US$ 150 milhões para Lula e Dilma Rousseff no exterior, por que Joesley, em vez de gravar Lula, foi direto gravar Temer?

Mais: como um biliardário, que adora brinquedos caros e sofisticados, partiu para uma empreitada de tal audácia com um gravadorzinho de camelô? Como dar andamento e virar o País de ponta-cabeça sem uma perícia elementar na gravação? Enfim, por que abrir monocraticamente um processo contra o presidente da República? E, enquanto Marcelo Odebrecht conclui seu segundo ano na cadeia, já condenado a mais de 10 anos, os Batista estão livres da prisão, sem tornozeleira e sem restrição para sair do País.

Nada disso, claro, significa livrar Aécio ou Temer, que tem muchas cositas más a explicar, como R$ 1 milhão na casa do coronel amigo, R$ 500 mil da mala do assessor Rocha Loures, um terceiro andar do Planalto onde assessores só produziam escândalos.

A sociedade, porém, reage mal ao final feliz dos Batista. A não ser que não seja final ainda, pois a homologação do STF é uma validação formal, mas cabe ao juiz, na sentença, fixar os benefícios da delação. Em geral, o juiz segue os termos do acordo original, mas não obrigatoriamente, e pode haver, sim, fixação de penas. Oremos, pois!

Acordo rompido - JOSÉ CARLOS G. XAVIER DE AQUINO

ESTADÃO - 26/05

A delação deve ser balizada em credibilidade. A quebra de confiança é o quanto basta para não validar acordos celebrados


As organizações criminosas tiveram um vertiginoso crescimento neste terceiro milênio. Cognominado pela bargaining nos Estados Unidos, no país peninsular, chamado de pattegiamento, esse sistema de delação premial deu origem à chamada operação italiana Mãos Limpas, que nos idos dos anos 1990 desbaratou uma complexa rede de corrupção.

Posteriormente, exsurgiu entre nós a colaboração premiada baseada no arrependimento, na desistência do criminoso em infringir a lei em troca de diminuição ou remissão da pena, consoante prescreve o artigo 4.º da Lei 12.850/13. Observa-se que a Operação Lava Jato propiciou uma série de delações, sendo considerada, inicialmente, um sucesso.

Todavia, referida operação sofreu um sério abalo por ocasião da imposição do escarmento, notadamente com relação ao delator Sérgio Machado que hoje cumpre a sua pena em uma belíssima casa praiana em Fortaleza. De mais a mais, há o acordo de leniência firmado com os irmãos Batista, em especial com Joesley, do grupo JBS, empresa que se beneficiou dos incentivos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), aumentando o seu faturamento em 3.400% nos últimos dez anos, na medida em que induziram em erro o Ministério Público Federal (MPF), o Judiciário e, principalmente, o presidente da República, utilizando uma mise-en-scène digna de filme e, ao depois de receberem o salvo-conduto das autoridades brasileiras, com o escândalo. Eles auferiram tamanho lucro que deu para pagar as multas impostas e ainda sobrar uns “trocados” para gastar na Quinta Avenida em Nova York, onde passaram a residir.

Foi um escárnio!

Não tenho dúvidas com relação à validade desses acordos, mormente se ficar positivada a edição da fita de um gravador chinfrim usado para gravar de forma espúria conversa com o presidente. Sucede, porém, que o pormenor de Joesley comparecer ao local com o firme propósito de fabricar prova para servir-lhe como moeda de troca para o fechamento do acordo, deslegitima o elemento de convicção que serviu para esse fim, pois a tanto equivale o cognominado flagrante preparado, figura inaceitável no ordenamento jurídico pátrio, posição consolidada na Súmula 145 do STF. A formalização do acordo deve ser balizada em princípios que autorizam a justiça negociada, tal como o da confiança, de molde que os envolvidos nesse acordo, reciprocamente, devem passar sensações de credibilidade e confiabilidade um para com o outro. A quebra dessa confiança é o quanto basta para não validar acordos celebrados.

Nesse passo, forçoso convir que o modus operandi dos irmãos Batista – que, na undécima hora, deram a última cartada para obter o máximo de lucro nessa operação, vendendo suas ações e comprando cerca de US$ 1 bilhão momentos antes da divulgação da delação que fez a moeda americana disparar cometendo, com esse novo agir, delito contra o sistema financeiro nacional, aproveitando-se de informação privilegiada, que, diga-se, só eles tinham – faz cair por terra o acordo celebrado, seja pelos ardis empregados ou pelo simples fato de terem cometido novo ilícito horas depois de fecharem o acordo com as autoridades brasileiras; com isso, feriram de morte o consectário da desistência da prática de novos crimes.

Tal situação deixou o povo brasileiro estupefato, ao demonstrar que o crime compensa.

Ledo engano!

Todo o script levado a efeito pelos meliantes deixou evidente que, na espécie, ocorreu inexorável quebra da confiabilidade e, portanto, ao contrário do que se interpreta no caso em comento, os sacripantas pensaram que deram o golpe do século e não mais estariam sujeitos ao cárcere. Equivocaram-se mais uma vez, pois estão sujeitos aos termos do artigo 31 da Lei 7492/86.

Recita o artigo 91, II, “b”, do diploma repressivo, que constitui efeito extrapenal da condenação a perda, em favor da União, do produto do crime ou de qualquer bem ou valor que constitua proveito auferido pelo agente com a prática do fato criminoso, abstração feita ao direito do lesado ou terceiro de boa-fé. No mesmo sentido, o artigo 7.º, I, da Lei 9613/98.

*DESEMBARGADOR DECANO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO

quinta-feira, maio 25, 2017

A responsabilidade do juiz - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 25/05

A inviolabilidade do sigilo da fonte é mais do que uma garantia do jornalismo, é sustentáculo da democracia


Engajadas em uma cruzada contra o sistema político-partidário, tomado como um mal em si, algumas autoridades do Ministério Público Federal (MPF), da Polícia Federal (PF) e do Poder Judiciário parecem consumidas por um deturpado senso de missão de purificação nacional que serve – aos olhos delas – como um salvo-conduto para transitar na contramão da lei, como se a ordem jurídica fosse um mero obstáculo a ser transposto em nome de seus impolutos desígnios. Só isso – ou razões que cabe tão somente àquelas autoridades esclarecer – para explicar o aviltante ataque contra o jornalista Reinaldo Azevedo que mais não fazia que exercer sua profissão.

Em abril deste ano, a PF interceptou – com a autorização do ministro Edson Fachin, responsável pelos processos da Operação Lava Jato no Supremo Tribunal Federal (STF) – grande número de ligações telefônicas no âmbito do inquérito envolvendo a JBS, dos irmãos Joesley e Wesley Batista. Uma das conversas interceptadas se deu entre Andrea Neves – irmã do senador afastado Aécio Neves (PSDB-MG) e uma das investigadas no referido inquérito – e o jornalista Reinaldo Azevedo, da Folha de S.Paulo, da Veja e da rádio Jovem Pan.

Embora a conversa entre o jornalista e uma de suas fontes não fizesse menção a qualquer atividade que pudesse sugerir a prática de um crime, constou de um lote de mais de 2 mil gravações entregues pelo STF à imprensa após o ministro Fachin decretar o fim do sigilo do inquérito da JBS. O texto não foi expurgado, como manda a lei que seja feito com todos os diálogos que não digam respeito à coisa investigada. Sua divulgação faz parte de uma “indústria de vazamentos” que se instalou no País e que só interessa às autoridades que a viabilizam ou a seus protegidos. Se as autoridades decidissem resguardar de fato o sigilo do qual são guardiãs, essa indústria já teria falido.

O criminoso vazamento da conversa havida entre Andrea Neves e o jornalista Reinaldo Azevedo configura um flagrante descumprimento da Lei n.º 9.296/1996, que regulamenta as interceptações telefônicas. Seu artigo 9 é taxativo. Não bastasse isso, há o inciso XIV do artigo 5.º da Carta Magna, que resguarda, no caso dos jornalistas, o sigilo da fonte.

Pela lei, a PF deve encaminhar ao Poder Judiciário todo o conteúdo das interceptações autorizadas pela Justiça. É dever do juiz da instrução – no caso, o ministro Edson Fachin, do STF – triar aquelas que são pertinentes à investigação, descartando as que não são. Em nota, a PF informou que “o referido diálogo não foi lançado em qualquer dos autos circunstanciados produzidos no âmbito da mencionada ação cautelar, uma vez que referidas conversas não diziam respeito ao objeto da investigação”. Da mesma forma, a Procuradoria-Geral da República (PGR) veio a público dizer que “não anexou, não divulgou, não transcreveu, não utilizou como fundamento de nenhum pedido, nem juntou o referido diálogo aos autos da Ação Cautelar 4.316, na qual Andrea Neves figura como investigada”. Ora, a ser verdade o que dizem tanto a PF quanto a PGR, resta saber como a conversa foi parar no lote divulgado para a imprensa pelo ministro Fachin. É dele que a sociedade deve exigir um pronto esclarecimento. O ministro, afinal, deveria estar preparado para fazer a precisa distinção entre uma prova e uma sórdida bisbilhotice. E, por favor, não se venha novamente com a desculpa esfarrapada de que os juízes estão vergados sob o enorme peso dos processos a julgar e não podem fazer tudo. Tudo, nesse caso, é apenas o que a lei manda. E se não podem fazer isso, não podem ser juízes.

A inviolabilidade do sigilo da fonte é mais do que uma garantia do exercício do jornalismo, é um sustentáculo da própria democracia, assegurado pela Constituição. Toda a sociedade perde com o ataque ao jornalista Reinaldo Azevedo. O País não pode transigir com uma ameaça tão grave ao livre exercício do jornalismo de opinião, menos ainda quando a ameaça parte das instituições que têm por obrigação defender um direito como esse. De vazamento em vazamento, corroem-se os alicerces da República.

TEMENDO BOICOTE, VAREJO BUSCA PRODUTOS ALTERNATIVOS À JBS

O GLOBO - 25/05
TEMENDO BOICOTE, VAREJO BUSCA PRODUTOS ALTERNATIVOS À JBS
Supermercados pedem que concorrentes aumentem a produção

POR BRUNO ROSA
25/05/2017 4:30 / atualizado 25/05/2017 10:01

RIO - As principais redes de varejo do país já iniciaram uma espécie de alerta na indústria de alimentos em razão da crise da JBS e buscam, entre os concorrentes da empresa, produtos alternativos para repor as gôndolas. A avaliação é que a crise do grupo — deflagrada depois que a delação de Joesley Batista envolveu o presidente Michel Temer — pode ter impacto na percepção dos consumidores. De acordo com executivos dos principais supermercados, os concorrentes da companhia já foram avisados para aumentar a produção. O medo é que o boicote às marcas do frigorífico — como Friboi, Seara e Vigor, entre outras — aumente e se reflita nas vendas dos varejistas.

CONFIRA O INFOGRÁFICO: Muito além da JBS: as marcas da J&F no dia a dia dos brasileiros

Nas conversas, as redes já contactaram, na área de carne in natura, os frigoríficos Minerva e Marfrig, ambos com atuação nacional. Para a Região Norte, o alerta foi dado ao Frigon. Na Região Centro-Oeste, a conversa envolveu o Frigol. No segmento de carnes processadas, BRF, dona de Sadia e Perdigão; Aurora e cooperativas do Paraná e Santa Catarina já foram avisadas para aumentar a produção.

— Uma cliente virou para mim e disse que não iria comprar carne da Friboi. Se o cliente diz que não quer, o supermercado tem de atender. Por isso, já estamos alertando a indústria para aumentar o volume de produção, porque eles precisam se preparar. A BRF não vai conseguir aumentar a produção de carne de hambúrguer do dia para a noite. Estamos chamando os principais concorrentes e alertando, porque a JBS deve ter queda nas vendas em vários segmentos — disse o diretor de Vendas de uma das maiores redes de supermercados do Brasil com presença no exterior.

Esse alerta vai além do setor de carnes e envolve ainda o segmento de laticínios, no qual a JBS é dona das marcas Vigor, Itambé, Danubio e Leco. Quem também foi acionada pelo varejo foi a francesa Lactalis, dona das marcas Parmalat, Elegê e Batavo.

— A Lactalis é uma das que têm atuação nacional. Estão sendo ainda acionadas outras empresas regionais. O que estamos fazendo é comunicar aos gerentes das lojas para ficarem atentos ao comportamento dos clientes, pois as marcas do grupo JBS estão sob risco de boicote. Nas redes sociais e nos grupos de WhatsApp há várias listas com todas as marcas do grupo — destacou esse executivo.

Segundo fontes, todas as grandes redes do país como Carrefour, Casino (dono do Pão de Açúcar e Extra) e Walmart estão tomando ações para se precaver em relação ao possível agravamento da crise da JBS. O Pão de Açúcar já solicitou esclarecimentos à companhia. A empresa disse que pediu informações “acerca das recentes notícias divulgadas, no que diz respeito à relação das empresas fornecedoras e aos fatos mencionados, bem como as salvaguardas adotadas pela companhia e a implementação de mecanismos de compliance e integridade”.

EMPRESAS ATUALIZAM CONTRATOS

Procurado, o Walmart disse que está acompanhando o caso da JBS atentamente. O Carrefour informou que “não tolera nenhuma prática ilícita e tem como princípio fundamental o combate à corrupção em todas as suas formas” e lembrou que aguarda o desfecho do caso.

— Está todo mundo falando com os concorrentes da JBS, fazendo levantamentos de quem pode atender mais rápido caso o boicote aumente. Ninguém quer perder consumidor ou ter sua imagem arranhada com um escândalo desses — disse o diretor de outra rede de varejo. — É possível iniciar desconto com as marcas da JBS como forma de estimular as vendas.

Além dos supermercados, a reação já começou entre as redes de fast-food. O Bob’s, que é controlado pela holding BFFC, já está avaliando cancelar o contrato com a JBS, segundo fontes ligadas à empresa. Em nota oficial, a companhia evita confirmar ou negar diretamente a informação. Diz apenas que "estuda as medidas cabíveis a serem tomadas no caso" e informa que "levará o assunto para ser discutido junto às entidades representativas do setor".

O comunicado afirma ainda que "a BFFC esclarece que, por meio de suas marcas, trabalha com os principais fornecedores de proteína animal do país e exige, contratualmente, que todos mantenham o mais estrito respeito ao Código de Conduta adotado pela empresa".

Já o McDonald’s, informou um executivo do setor, tem contratos, além da JBS, com as rivais BRF e C.Vale. A rede disse que acompanha o caso.

Para o consultor Ulysses Reis, as redes de varejo não querem associar seu nome a casos de corrupção. Segundo ele, há ainda uma preocupação com a legislação, já que muitas dessas empresas, por terem algum tipo de envolvimento com o mercado acionário dos EUA, têm de se submeter à rígida legislação anticorrupção dos EUA:

— A preocupação é com a imagem entre os consumidores. Hoje, 40% das compras começam motivadas nas redes sociais. Então, se há um movimento de boicote ou notícia negativa, 95% desse grupo, dizem as pesquisas, tendem a não comprar.

A atual crise da JBS já tem feito empresas atualizarem seus contratos com seus fornecedores. Isso porque grande parte das companhias ainda não incluiu cláusulas referentes à Lei Anticorrupção, que começou a vigorar em 2014, dizem advogados ouvidos pelo GLOBO.

— A lei traz uma lista de atos lesivos que passaram a exigir cuidado adicional com a contratação de fornecedores. As empresas estão correndo para atualizar esses contratos. É, de fato, uma preocupação das empresas — disse Fabíola Cammarota, sócia do Souza, Cescon, Barrieu & Flesch Advogados.

Segundo Patrícia Agra, sócia do L.O. Baptista Advogados, o programa de compliance entre as empresas brasileiras ainda está em desenvolvimento no Brasil. O escândalo da JBS, disse, vai forçar as empresas a investirem mais nesses programas:

— Hoje, as empresas quando contratam os fornecedores não perguntam qual é o programa de compliance interno, por exemplo. O assunto ainda não está difundido.

Salim Jorge Saud Neto, coordenador do MBA de Compliance da Fundação Getulio Vargas (FGV) Direito Rio, as empresas podem suspender os contratos com fornecedores envolvidos em ilícitos se entenderem que isso trouxe risco à sua operação, como prejuízo financeiro ou até mesmo de imagem:

— Em muitos casos não é preciso uma decisão judicial para suspender o contrato. O dano público já é suficiente.

Analistas de mercado temem o impacto de um boicote sobre o balanço da empresa:

— Estamos vendo nas redes sociais e até nos supermercados um movimento de boicote aos produtos da empresa. Esse é um risco altíssimo e intangível. Para uma companhia que está com nível tão alto de alavancagem, que conseguia quitar suas dívida de curto prazo por causa do fluxo de caixa, essa é a principal preocupação — disse Alexandre Wolwacz, do Grupo L&S.

Para o diretor de uma rede varejista, o boicote dos consumidores vai afetar toda a cadeia produtiva, incluindo produtores de gado e leite:

— Os produtores vendem sua produção futura aos frigoríficos. E isso pode ser feito até um ano antes. Ou seja, a crise na JBS vai ter reflexos por um bom tempo.

A reação já começou. Fornecedores de gado do Mato Grosso, estado com maior rebanho comercial do Brasil, buscam alternativas à JBS. Eles temem que a empresa passe a ter dificuldades financeiras para honrar as compras de gado. Metade do gado criado no Mato Grosso é vendido para frigoríficos da JBS, segundo a Acrimat, associação que reúne os pecuaristas mato-grossenses. A empresa tem 11 das 24 unidades de abate no estado.

Há cerca de três semanas a JBS passou a exigir que suas compras fossem pagas a prazo, o que gerou preocupação entre fazendeiros. Segundo a empresa, em 90% das praças onde atua, o pagamento à vista já não era aceito e isso foi estendido ao Mato Grosso. Para driblar essa decisão, a Acrimat pediu ao governo estadual que isentasse os pecuaristas da alíquota de 7% de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), recolhida quando o gado é abatido em outro estado. Além disso, solicitou que o governo estadual faça adesão ao Sisbi, sistema de inspeção de produtos de origem animal do Ministério da Agricultura, com o objetivo de padronizar os critérios de fiscalização da atividade em esferas municipal, estadual e federal.

— Hoje, se o estabelecimento é fiscalizado por instituição municipal, ele só pode vender para o município onde está. Se a instituição é estadual, só pode vender para o estado. Com a padronização, os pecuaristas poderão vender para todo o território brasileiro e até para o exterior, criando alternativa para o produtor — diz o diretor-executivo da Acrimat, Luciano Vacari.

Procurada, a JBS informou “que as operações em suas 300 fábricas em cinco continentes continuam no seu ritmo normal”.