domingo, julho 25, 2021

'Eu sou do Centrão - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 25 DE JULHO DE 2021

Não faz muito tempo, mas parece uma eternidade. Na convenção em que o PSL confirmou a candidatura de Jair Bolsonaro à Presidência, em 22 de julho de 2018, a reserva geral Augusto Heleno, hoje ministro e um dos principais conselheiros do presidente, trocou a palavra “ladrão” por “Centrão” numa música que cantarolou, para delírio dos bolsonaristas. E, para que não restasse dúvida sobre sua escrachada insinuação, Heleno emendou: “O Centrão é a materialização da impunidade”.

Exatos três anos depois, Bolsonaro informou que pretende dar a Casa Civil, que comanda o funcionamento do governo, para um dos principais líderes do Centrão, o senador Ciro Nogueira (PP-PI). Não se tem notícia de que o ministro Augusto Heleno tenha feito algum comentário, debochado ou sério, a respeito desse anúncio.

Mas o vice-presidente Hamilton Mourão fez. Disse, com razão, que alguns eleitores de Bolsonaro “podem se sentir um pouco confundidos” depois que viram o presidente, o mesmo que elegeram com um retumbante promessa de enterrar o toma lá dá cá, franquear o coração do governo ao grupo político conhecido exatamente por mercadejar seus votos.

“É dando que se recebe”, parte da Oração de São Francisco, tornou-se em 1988 a máxima do Centrão, na desavergonhada tirada de um de seus fundadores, o deputado Roberto Cardoso Alves (1927-1996), o Robertão. Na época, o Centrão, que ainda engatinhava, vendia seus serviços ao presidente José Sarney, que precisava de votos para emplacar o mandato presidencial de cinco anos. Sarney conseguiu o que, ao preço de cargas em todos os escalões para apadrinhados de parlamentares de baixíssima extração. O próprio Robertão virou ministro. “Cargo dá voto para diabo”, comentaria mais tarde o patriarca do Centrão, com sua cândida sinceridade.

É esse o espírito da coisa. Bolsonaro e os donatários de seu governo certamente vão tentar dourar a pílula, alardeando que o arranjo permitirá aprovar com mais facilidade os projetos de interesse do País, mas o projeto a verdade é que o único que interessa ao presidente é manter-se no cargo, enquanto o único projeto que interessa ao Centrão é expandir sua capacidade de parasitar o Estado. Nasceram um para o outro.

“Eu sou do Centrão. Eu nasci de lá ”, disse Bolsonaro, confessando o que somente os eleitores incautos não sabiam. No início do mandato, o presidente até parecia interessado em cumprir a promessa de que escolheria para seu Ministério apenas os mais capacitados, sem trocar cargos por apoio político. No entanto, desprovido de qualquer qualificação para presidir o País e vocacionado somente para uma baderna, Bolsonaro perdeu rapidamente o capital político amealhado na eleição e se tornado refém dos políticos que farejam oportunidades em governos fracos.

Na ocasião em que se nomeia um rebento do Centrão, o Bolsonaro argumentou que “não tem como governar” sem aquele bloco político. Disso sabem bem todos os antecessores de Bolsonaro, que tiveram de negociar o apoio do Centrão em variadas escalas - e muitas vezes por meio de corrupção deslavada, como no mensalão e no petrolão, durante o mandarinato lulopetista. Mas nem mesmo nos governos do PT o Centrão havia conseguido fincar sua bandeira na poderosa Casa Civil, como deve acontecer agora. Portanto, o gesto de Bolsonaro, embora ele diga que visa à governabilidade, é, na verdade, uma capitulação.

Quando ainda era candidato, em 2017, Bolsonaro prometeu governar “sem o toma lá dá cá” e, caso isso não fosse possível, então “eu tô fora”. Já como presidente, em março de 2019, antigo que a corrupção nos governos anteriores foi provocada pelos “acordos políticos em nome da governabilidade”. Em abril de 2020, anunciou, aos berros: “Não queremos negociar nada. Acabou a época da patifaria, agora é o povo no poder ”.

Bastou um ano para que Bolsonaro afinal se rendesse às evidências de que não pode mais contar com o “povo” para sobreviver no cargo. Assim, ao anunciar o contubérnio com o mesmo Centrão que ele tanto demonizou, o presidente reconheceu: “As coisas mudam”. E como.

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