Presidente não poderia anular tão completamente o Ministério da Saúde
O plano do governo federal de quebrar o termômetro em vez de atuar contra a Covid-19 é infantil e ineficaz. Mesmo que o Ministério da Saúde deixasse em definitivo de publicar os dados sobre a evolução da epidemia no país ou inventasse fórmulas para falseá-los, a sociedade não seria privada da informação real.
O Ministério da Saúde nunca foi o produtor original dos números. Ele só consolidava dados fornecidos pelas secretarias de Saúde, que, ao que tudo indica, continuarão a gerá-los. O trabalho de juntar tudo diariamente pode ser executado sem maiores problemas por uma infinidade de atores, públicos e privados.
Tudo o que Bolsonaro consegue com suas estripulias estatísticas é cometer mais um crime de responsabilidade para adicionar à longa lista dos já perpetrados e criar números fraudulentos que sua claque vai usar para seguir lutando contra a realidade.
Bolsonaro não é, porém, o único responsável pelo escândalo das tabelas. Nós, como sociedade, mas em especial a chamada “intelligentsia”, somos copartícipes dessa impostura. É que temos tolerado por tempo demais ataques contra a ciência e as boas práticas administrativas.
Não deveria ser possível, por exemplo, que um presidente tivesse poder para anular tão completamente o Ministério da Saúde. A burocracia estável da pasta deveria estar protegida de influências políticas na execução de certas tarefas eminentemente técnicas, que incluem a divulgação de boletins epidemiológicos.
E há muito mais. É escandaloso, para citar outro exemplo, que o Conselho Nacional de Saúde tenha recomendado o uso complementar de homeopatia, fitoterapia, florais e reiki para tratamento da Covid-19 e que isso tenha passado sem gerar uma onda de protestos. Ora, quando o SUS aceita água com açúcar e passes de magia como terapias, a cloroquina de Bolsonaro e o desinfetante sistêmico de Trump soam quase como hipóteses científicas.
Hélio Schwartsman
Jornalista, foi editor de Opinião. É autor de "Pensando Bem…".
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