ESTADÃO - 03/06
País está sendo forçado a ter uma expansão fiscal inédita para lidar com a pandemia
Com as propostas de tornar permanente gastos extras para combater o impacto da pandemia do coronavírus – como a extensão do pagamento do benefício emergencial de R$ 600 – e com a perspectiva de uma queda mais profunda do PIB neste ano, um assunto se tornou recorrente entre analistas e investidores nas últimas duas semanas: o financiamento da dívida pública brasileira.
O temor é de que, com o crescente risco de explosão da trajetória da dívida pública e a menor perspectiva de aprovação de reformas estruturais necessárias, como a administrativa e a tributária, o Tesouro Nacional tenha dificuldades para conseguir rolar a sua dívida em meio a uma crise de confiança de investidores e num ambiente de taxas de juros em níveis historicamente baixos para remunerar os riscos adiante. Sem falar na escalada da crise política, que pode tornar mais difícil a recuperação da economia e também a adoção de um ajuste fiscal urgente a partir de 2021.
O Brasil, como outros países do mundo, está sendo forçado a ter uma expansão fiscal inédita para lidar com a pandemia. Muitos analistas estimam que o déficit primário do governo deva ultrapassar R$ 700 bilhões em 2020, o que, combinado com o pagamento de juros da dívida pública, resultaria num déficit nominal (ou necessidade total de financiamento do setor público) para além de 14%. Há projeções de que a dívida bruta passará de 75,8% do PIB ao fim de 2019 para mais de 100% do PIB neste ano.
Já o déficit nominal ficou em R$ 249 bilhões em 2019. Para 2020, a Instituição Fiscal Independente (IFI) estima um déficit primário de R$ 711,4 bilhões, com as necessidades de financiamento totais do governo superando R$ 1 trilhão. Mas o diretor executivo da IFI, Felipe Salto, alerta que a sua projeção de PIB deve ser revisada novamente para baixo, o que, combinada com a expectativa de novas despesas – com premissa sobre pagamentos adicionais do benefício emergencial –, deve resultar em déficit primário e, portanto, em necessidades de financiamento totais bem maiores.
Assim, vai aumentar muito o volume de dívida que o Tesouro terá de emitir para financiar esses gastos. Mas haverá demanda suficiente dos investidores para absorver tamanho aumento de emissão de títulos públicos? Nos últimos meses, tem ocorrido uma diversificação na alocação de recursos por parte dos investidores, com uma migração da renda fixa para a Bolsa e para ativos no exterior. A pergunta recorrente no mercado é: será que o Tesouro vai conseguir rolar a sua dívida com os juros em níveis tão baixos? Já estamos à beira do abismo?
De fato, tem havido um encurtamento no prazo médio da dívida pública pelo Tesouro, um termômetro de estresse. A parcela da dívida pública a vencer em 12 meses passou de 18,68% em dezembro de 2019 para 21,54% em abril deste ano. Espera-se também uma piora no perfil da dívida, com aumento da parcela atrelada à taxa Selic, o que dificulta sua gestão.
A situação poderá piorar se os investidores duvidarem da disposição do governo, passada a necessidade de aprovar despesas extras para combater a pandemia, em voltar aos trilhos da política fiscal em 2021, fazendo ajustes e mantendo intacto o teto de gastos, uma âncora da confiança no mercado.
Ou se o governo resolver aumentar muito mais a fatura com gastos extras neste ano e tornando permanente parte deles. Ou ainda se as autoridades federais, estaduais e municipais fracassarem em controlar a disseminação do coronavírus, exigindo a extensão de quarentenas ou a adoção de lockdown, o que afetará ainda mais a economia, reduzindo a arrecadação de tributos.
Por enquanto, o que tem sustentado a demanda por títulos públicos, permitindo a rolagem da dívida, é que a inflação brasileira está muito baixa, com a projeção de analistas apontando para 1,55% em 2020 e 3,10% em 2021. O problema é que, se a expectativa de inflação começar a subir rapidamente por um medo de uma bomba fiscal mais adiante, a remuneração (juros) terá de aumentar muito. E, mesmo assim, a demanda por títulos públicos poderá não estar garantida.
Um sinal inequívoco do governo e do Congresso de que haverá ajuste fiscal a partir de 2021 é a única saída para dissipar os temores com a rolagem da dívida pública.
COLUNISTA DO BROADCAST
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