quarta-feira, junho 24, 2020

Chegam contas da destruição da Amazônia - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 24/06

Pedido de explicações a embaixadas é o primeiro passo rumo a boicotes a exportações brasileiras de alimentos


O conselho que o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, deu na reunião ministerial de 22 de abril a seus colegas de governo, de aproveitarem que as atenções estavam voltadas à epidemia do coronavírus para derrubar regulações e fazer “a boiada passar”, piorou a já danificada imagem do Brasil perante empresas globais de comercialização de commodities alimentícias e grande fundos de investimento que atuam neste setor. Aquela participação de Salles na reunião não passou despercebida a grandes operadores no comércio internacional e a fundos de investimento que participam de empresas deste ramo. Mas mesmo sem a divulgação do vídeo a situação não estaria melhor.

Muito antes de 22 de abril, o avanço do desmatamento e das queimadas na Amazônia, na fase inicial do governo do novo presidente, já confirmou ser alto o risco Bolsonaro para este segmento de gestão de grandes negócios com alimentos e matérias-primas em geral, cada vez mais pressionado por seus acionistas a ter um comportamento responsável do ponto de vista ambiental e de direitos humanos.

Carta aberta enviada segunda-feira a embaixadas brasileiras em oito países — seis na Europa, Estados Unidos e Japão — manifestando preocupação com a velocidade do desmatamento no Brasil e com a desmontagem de políticas ambientais e de direitos humanos, leia-se, índios — pediu reuniões virtuais com os embaixadores para abordar o assunto. O grupo que subscreve a carta administra ativos de US$ 3,75 trilhões ou o equivalente a R$ 20 trilhões. A preocupação é com o risco de as empresas que controlam e que atuam na produção e/ou comercialização de alimentos brasileiros passem a ter dificuldades de acesso aos grandes mercados.

O ministro Ricardo Salles, como todo bolsonarista, é contra o “globalismo” — mesmo que não diga. Esquece que, com dificuldades para exportar carnes e grãos, caso ocorram os boicotes no exterior devido ao descontrole ambiental e o descuido com as reservas indígenas, o Brasil terá ainda mais dificuldades para sair da recessão que chega no vácuo da Covid-19. E sem uma agricultura moderna, dependente da globalização, o governo Bolsonaro ou qualquer outro terá enormes dificuldades para manter as contas externas em dia e a inflação sob controle.

Este tipo de reação não ocorre apenas a partir de grupos empresariais. Na sexta-feira da semana passada, a Comissão Europeia, braço executivo da União Europeia, pediu sugestões de uma estratégia mais incisiva para impedir a chegada de produtos oriundos de regiões de desmatamento da Amazônia ao comércio de todos os países do bloco.

Em risco imediato está a maior parte das exportações de commodities agrícolas. Em um ano e meio de governo, Bolsonaro abala vantagens que o Brasil conquistou em meio século de investimentos e esforços. Também haverá dificuldades na venda de títulos de dívida brasileiros. Bolsonaro prefere explicar tudo como fruto de “desinformação”. É o contrário: o boicote pode vir porque não faltam informações.

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