Faixa em defesa da democracia. Essa era a pauta do protesto dos que se manifestavam contra Bolsonaro. Polícia precisa apurar com seriedade os episódios que resultaram em violênciaImagem: Marlene Bergamo/Folhapress
A irresponsabilidade golpista de Jair Bolsonaro, com a conivência do ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, não permaneceria por muito tempo no status em que vinha: na prática, as ruas — o espaço público — haviam se transformado num monopólio da minoria de extremistas que apoia Jair Bolsonaro e que pede, abertamente, golpe de Estado, em manifestações escancaradamente ilegais, sem qualquer intervenção das Polícias e com reação discreta do Ministério Público Federal. Trata-se, não custa lembrar, de atos criminosos.
Em São Paulo, a primeira resposta vistosa veio na forma de uma manifestação de membros de torcidas organizadas: do Corinthians, Santos, Palmeiras e São Paulo. Que eu me lembre, é a primeira vez que torcedores arquirrivais dividem o espaço público em nome de uma causa comum, sem possibilidade de confronto entre si. E por um motivo decente. Muitos dos que protestavam designavam a si mesmos como "Antifas", síncope da palavra "antifascistas". Mundo afora, há uma articulação de movimentos que se intitula "Ação Antifascista". Nos EUA, comandam os atos contra o racismo e a violência policial.
Fizeram um protesto em defesa da democracia na Avenida Paulista. Era fatal que viesse a resposta às provocações da extrema direita golpista. E é preciso, numa das dimensões da realidade, lamentar que tenha ocorrido: estavam lá, a emular com os bolsonaristas, numa prática de risco para si, para seus familiares e para as pessoas com as quais convivem. A aglomeração, com a contaminação pelo coronavírus e o número de mortes por covid-19 ainda em ascensão, é obviamente imprópria.
Mesmo assim, os manifestantes decidiram enfrentar o perigo, o que deveria servir de alerta a qualquer governo sensato e ao aparato que hoje lhe dá sustentação: as Forças Armadas. Mas, tudo indica, há pessoas dispostas a ver brasileiros fazer correr o sangue de brasileiros. Os golpistas estão em busca de um pretexto. Há muita gente escrevendo a sua biografia nestes tempos, em especial os militares da ativa e da reserva que hoje compõem a gestão Bolsonaro.
Todos sabem o desdobramento. Houve confronto entre os "antifas" e a PM, o que, convenham, é precisamente o que querem os extremistas de direita, o próprio presidente e, infelizmente, a ala militar do governo. Depois de inúmeras manifestações escancaradamente fascistoides — uma delas, em Brasília, reproduziu a estética da Ku Klux Klan —, o primeiro ato com confronto físico com a Polícia, em São Paulo e no Rio, se dá entre as respectivas PMs e quem se opõe à escalada fascistoide do governo. Os criminosos em favor do poder de turno seguem impunes e intocáveis.
Provocações oriundas de um pequeno grupo de bolsonaristas que estava concentrado em frente à Fiesp acabaram resultando na reação violenta de policiais militares. Mas não contra os provocadores. Os manifestantes pró-democracia é que apanharam. Do confronto desnecessário ao vandalismo, passaram-se poucos minutos.
Isso requer, desde logo, que os que se opõem a Bolsonaro tomem um cuidado extremo. Na hipótese de continuarem a pôr em risco a própria saúde, precisam ir aos protestos armados: não de revólveres, não de pedras, não de qualquer outro instrumento ou artefato que causem ferimentos. Precisam se armar de câmeras até os dentes: as dos celulares e essas portáteis que se vendem em loja de bugigangas eletrônicas, que podem ser afixadas na jaqueta, penduradas no pescoço, atadas aos óculos. O Brasil e o mundo precisam reconhecer a verdadeira face da violência.
A manifestação dos membros das torcidas organizadas era pacífica. Conheço várias pessoas que lá estiveram. Um dos símbolos usados pelos bolsonaristas para provocar os opositores era a bandeira do partido neonazista ucraniano Pravyi Sektor. Ameaçavam romper a linha divisória, mas eram contidos. Até que uma mulher — usando máscara com a bandeira dos EUA e portando um taco de beisebol em que se lia a palavra "Rivotril" — o fez, ofendendo os adversários. Foi afastada do local pelos PMs e protegida por eles.
A provocadora e os policiais foram seguidos a distância, num trecho curto da avenida, por um pequeno grupo dos antibolsonaristas. A polícia reagiu — ou agiu — usando bombas de gás lacrimogêneo. E a porcaria estava feita. Aí se viram vandalismo e quebra-quebra. É claro que tais práticas são inaceitáveis e precisam ser reprimidas. Mas cumpre que o governador João Doria lembre à sua Polícia que se está apenas no começo de um ciclo.
O papel da PM também é proteger os manifestantes. Ainda que tenha havido um ato ou outro mais agressivos dos "antifas", será mesmo que isso justifica que se joguem bombas de gás a torto e a direito, em meio a uma multidão já exaltada? Sem contar que a equação "torcidas organizadas-polícia" já é, por si, tensa.
Eu gostaria muito que os vídeos desmentissem os testemunhos e que viessem a provar que a reação da PM não foi desproporcional e potencialmente danosa. Mas, sinceramente, acho difícil que isso venha a acontecer. Que fique claro: o quebra-quebra, inaceitável em qualquer caso, seguiu-se às bombas. Estas não vieram para conter o quebra-quebra. Até o primeiro estouro, o que se ouvia eram palavras de ordem em defesa da democracia e contra o presidente. Isso está coberto pelo direito à liberdade de expressão. Pedir golpe de Estado e fazer a apologia do neonazismo não.
E os golpistas? Apanharam? Não. Eles pedem o fechamento do Congresso e do STF de taco de beisebol na mão e portando uma bandeira nazista, mas tudo dentro da lei e da ordem, não é mesmo?
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