O conselho não tem a obrigação de maximizar os lucros da empresa ou agradá-la
Na semana passada, circulou a notícia da criação do Oversight Board (Conselho de Supervisão), órgão independente criado pelo Facebook.
O conselho é composto atualmente por 20 membros de diversos perfis e regiões geográficas. Sua lista de integrantes inclui uma ganhadora do Prêmio Nobel da Paz, a ex-primeira-ministra da Dinamarca, um ex-juiz Federal dos EUA e o antigo editor do jornal The Guardian. Inclui também este colunista.
O Oversight Board não se confunde com o Facebook e nem é governado por ele. Ao contrário, foi criado para limitar o poder da empresa, que tem hoje 3 bilhões de usuários.
Sua função é decidir em última instância sobre a publicação de conteúdos no Facebook e no Instagram. Para isso, o conselho foi criado na forma de uma organização autônoma, que começa seus trabalhos com um orçamento inicial irrevogável de US$ 130 milhões.
Mas por que criar um Oversight Board? Nos últimos anos, as empresas de tecnologia têm decidido cada vez mais casos envolvendo conteúdos problemáticos, que violam direitos ou suas regras de uso. Uma das razões para isso são mudanças normativas que se aplicam não só ao Facebook, mas a várias plataformas.
Por exemplo, em 2014 uma decisão da Corte Europeia de Justiça criou o chamado “direito ao esquecimento”. Essa decisão determinou que buscadores como o Google deveriam remover dos resultados de busca conteúdos que fossem inadequados, irrelevantes, excessivos.
A questão é justamente definir o que é “inadequado”, “irrelevante” ou “excessivo”. Essa tarefa passou a ser não só do Poder Judiciário mas do próprio Google, que em 2018 já havia recebido 2,4 milhões pedidos de remoção imediata de conteúdos com base nesses novos critérios. O próprio Google consultou advogados, professores e especialistas.
No entanto, quando decisões assim são tomadas apenas de forma interna, sem publicização das justificativas (como faz o Judiciário quando decide), o debate sobre a aplicação dos critérios não avança. Além disso, é um exercício de poder enorme, além daquele já concentrado pelas plataformas.
O Facebook toma, assim, a iniciativa de realizar um experimento institucional. Criou um conselho externo capaz de limitar o seu poder de atuação com respeito a esse tema. O conselho tem a tarefa de tomar decisões públicas, de forma justificada, levando em consideração tratados internacionais de direitos humanos e de proteção à liberdade de expressão.
Como órgão independente, o Oversight Board não tem a obrigação de maximizar os lucros do Facebook ou agradar à empresa. Seus membros têm mandatos fixos e não podem ser afastados. Além disso, todas as decisões serão colegiadas, tomadas por painéis rotativos e referendadas pelo plenário.
Por fim, o conselho será capaz de analisar apenas um conjunto limitado de casos exemplares por ano. Haverá casos difíceis, envolvendo discursos de ódio, disseminação de imagens violentas relacionadas a tragédias, ou ainda a questão sobre o dever de tratar de forma distinta conteúdos postados por pessoas públicas.
É claro que o papel de cada país de tratar desses desafios permanece intocado. O que muda agora é que o Facebook abdica de sua palavra final sobre casos como esses para um conselho externo e independente.
READER
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Ronaldo Lemos
Advogado, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro.
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