O presidente Jair Bolsonaro sempre teve uma alma golpista. Desde quando estava no Exército, de onde foi chutado. Especulou explodir algumas bombas em quarteis e mandar para os ares o sistema de abastecimento de água do Rio para protestar contra baixos salários. É o que se chamava à época e se chama ainda hoje "subversão". Foi ser político. Nessa condição, foi um incansável pregador da... subversão da ordem.
Não é diferente como presidente. Consta que estaria descontente com o general Edson Leal Pujol, comandante do Exército. Até agora, este não emitiu sinas de dar bola para conversa mole do golpismo. As Forças Armadas, diga-se, também o Exército, sempre que isto não afetou seu serviço essencial, adeririam às medidas de distanciamento social.
Parece que Bolsonaro gostaria de substituir Pujol — é o velho gosto de mandar, a vã cobiça. Não buliria com Ilques Barbosa Junior, Comandante da Marinha, e Antônio Bermudez, Comandante da Aeronáutica. Se o fizer, ou conta com o apoio de Fernando Azevedo e Silva, ministro da Defesa, ou, então, decide humilhá-lo. É verdade que o governo virou uma cornucópia, uma fonte de renda extra, para fardados da reserva. Pergunto: forças regulares do Estado brasileiro merecem esse tratamento?
Sim, senhores! Bolsonaro tem alma disruptiva. Ele quer o confronto. E, se vocês perguntarem por quê, não encontrarão a resposta. É mentira que o Congresso não o deixe governar. O Parlamento lhe deu o que nenhum antecessor teve: a reforma da Previdência. Vai lhe dar uma PEC do Orçamento de Guerra que lhe confere plenos e totais poderes para enfrentar a crise. O governo quer asfixiar os Estados por intermédio da reposição — menor do que deveria ser — do ICMS. Até isso deve conseguir com a ajuda de Davi Alcolumbre.
A dita sequência de derrotas sofridas no Supremo só aconteceu porque este é um governo que flerta com o absurdo, assim como seus aliados próximos. Lembro.
- Queria determinar por decreto a abertura da economia nos Estados. Pode? Não.
- Queria usar a crise para estuprar a lei de acesso à informação. Pode? Não.
- Queria dar um truque para prorrogar vigência de Medidas Provisórias. Pode? Não.
- Queria fazer uma campanha em favor da volta ao trabalho, contra política adotada pelo próprio Ministério da Saúde. Pode? Não.
- Queria suspender a CPI das Fake News. Pode? Não.
- Queria expulsão sumária de diplomatas venezuelanos. Pode? Não.
- Queria nomear um diretor-geral da PF depois de evidenciar que este tinha como tarefa atender a interesses não republicados. Pode? Não.
Como? O STF não deixa Bolsonaro governar, ou é Bolsonaro que pretende governar como se não houvesse leis?
De modo reiterado, como vemos, chama para o centro do debate as Forças Armadas e tenta fazer delas suas aliadas no esforço de emparedar os outros dois Poderes — como se, de fato, estes buscassem asfixiá-lo. Dá-se precisamente o contrário.
O problema de Bolsonaro é que ele trata as instituições, e isso inclui as Forças Armadas, como se fosse o fundo do seu quintal, a sua área de despejo.
COTOVELO
Na quinta-feira passada, assistimos a um lance meio patético, constrangedor. O presidente foi a Porto Alegre para participar da posse do novo general do Comando Militar do Sul. E, todo alegre, tentou dar a mão aos militares, como não se deve fazer. Pujol foi o primeiro a lhe oferecer o cotovelo, sendo seguido depois pelo general Geraldo Antônio Miotto.
A rigor, convenham, é questionável se a solenidade deveria ter acontecido nestes dias. Acontecendo, que se tomem os cuidados mínimos, segundo recomendação da ciência. Não com o presidente da República. Pujol teve de lembrar àquele que a Constituição define como chefe supremo das Forças Armadas qual é a regra do jogo.
Será que o presidente vai mesmo querer promover trocas no comando das Forças Armadas para que estas sejam mais leais à sua deslealdade à Constituição e às regras do jogo? É o que vamos ver.
CRISE INSTITUCIONAL
Depois que liminar do ministro Alexandre de Moraes impediu a posse de Alexandre Ramagem no comando da Polícia Federal, Bolsonaro chegou a dizer na sexta que "quase houve uma crise institucional". Ninguém entendeu o que quis dizer. Sim, acreditem: ele cogitou a possibilidade de não atender a uma determinação do Supremo. Afinal, como disse, "quem manda sou eu".
Seus incendiários recomendam que ele insista no nome do delegado. Em sua fala deste domingo, há uma clara ameaça ao Supremo. Destaque-se este trecho da fala:
"As Forças Armadas estão ao lado da lei e da ordem, da democracia e da liberdade, também estão do nosso lado. E Deu acima de tudo. Vamos tocar o barco. Peço a Deus que não temos (sic) problema nesta semana porque chegamos no limite. Não tem mais conversa. Daqui para a frente, não só exigiremos: faremos cumprir a Constituição".
Dito de outro modo: "Se eu for contrariado de novo, vou fazer cumprir a Constituição porque estou com as Forças Armadas". No caso, entenda-se por "cumprir a Constituição" exercitar o "quem manda sou eu". É mesmo? Será que vai dar um golpe? Fechar o Supremo? Cercar o Congresso? Censurar a imprensa?
Prestem atenção a uma coisa importante. Não creio que haja insensatez o suficiente entre os militares da ativa para apoiar um autogolpe. Penso que os militares do Alto Comando sabem o que isso significaria para um país cuja reputação, mundo afora, já não merece nem mais a lata do lixo.
Mas também não podemos viver com Poderes intimidados, acovardados, como se o golpe, na prática, tivesse sido dado. Por isso, sempre que o senhor Jair Bolsonaro resolver afrontar a Constituição, é preciso que seja tolhido e mantido nos limites da Carta.
A única crise séria em que o Judiciário pode meter o Brasil é não cumprir a lei.
Quanto aos militares, dizer o quê? Alguém como Bolsonaro só prospera em meio a divisões, conflitos e rasteiras. Gostamos de pensar que as Forças Armadas não cairão nessa armadilha. Ocorre que estamos experimentando o incômodo de vê-las crescentemente comprometidas com um governo que não tem apreço nenhum pela institucionalidade, pela ordem, pela regra do jogo. Ou os militares que convivem com ele e que o conhecem o têm como exemplo de disciplina?
No ato deste domingo, o presidente deu a senha: está à procura de um novo confronto com o Supremo. O primeiro magistrado que piscar na aplicação do marco constitucional estará dando a sua contribuição ao golpe sem golpe, a uma espécie de golpe branco.
E isso não pode acontecer.
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