Uma reforma estrutural é condição prévia para uma prorrogação curta do auxílio
A crise sanitária dá sinais de que vai se alongar, talvez para além do fim do ano. A menos que surja uma vacina, haverá necessidade de prolongar o distanciamento social e os pacotes de ajuda lançados pelo governo.
Não será possível simplesmente prorrogar todo o arsenal de socorro a famílias, empresas, estados e municípios. Escolhas precisarão ser feitas. Do contrário, o custo fiscal será muito alto.
Caso o leitor esteja fascinado por textos que dizem que não há problema, pois esses gastos poderiam ser pagos com “monetização da dívida”, sugiro ler outros artigos que mostram que essa saída tem custos iguais ou maiores que a gestão fiscal usual. A pandemia não revelou um pote de ouro ao fim do arco-íris. Ela nos fez mais pobres e endividados.
Há restrição fiscal e risco de a dívida pública sair de controle, gerando fuga de capital e choque cambial, que em algum momento nos colocaria em um modelo argentino de alta inflação, baixo crescimento, mais pobreza e concentração de renda.
O cerne da discussão, agora, deve ser o auxílio emergencial de R$ 600. A necessidade de mais tempo de isolamento exigirá que se conceda auxílio por mais tempo a famílias sem outra fonte de renda. Por outro lado, o custo é imenso.
O auxílio é o item de maior peso do pacote fiscal: R$ 142 bilhões em três meses. Representa 28% dos R$ 500 bilhões de gastos extraordinários e reduções de tributos já adotados. Em um distante segundo lugar vem o apoio financeiro aos estados e municípios, com R$ 60 bilhões.
Atualmente, a despesa mensal da Previdência do setor privado (RGPS) é de R$ 56 bilhões. O auxílio emergencial custa R$ 47 bilhões por mês. Estamos colocando quase uma segunda Previdência dentro do Orçamento.
Um país cuja renda média familiar do trabalho é de R$ 3.000 não tem condições de distribuir, por tempo prolongado, um benefício médio de R$ 693 (lembrando que mães solteiras estão recebendo R$ 1.200) para 85% da população economicamente ativa que não é empregada do setor público.
Na pressa com que foi concebido, o auxílio tem defeitos graves.
Não há checagem suficiente para garantir que quem está recebendo o dinheiro é elegível ou é realmente a pessoa identificada na solicitação.
É alta a vulnerabilidade a fraudes. Notícias pipocam todos os dias: militares e filhos de famílias ricas recebendo, quadrilhas com centenas de cartões de benefício.
A impossibilidade de distinguir quem é trabalhador informal de quem estava fora da força de trabalho antes da pandemia, e não tinha renda, duplicou o número de beneficiários. Muitas famílias estão recebendo mais do que a simples reposição da renda perdida.
Uma onda de judicialização já começou a se formar, com ações buscando ampliar o acesso e os valores pagos. Cada mês adicional de existência do auxílio aumenta o seu custo.
O maior risco é a perenização desse auxílio insustentável e distorcido, que cada vez mais irá para pessoas fora do grupo dos mais vulneráveis.
São os mais pobres que precisamos focar, gastando apenas aquilo que podemos gastar.
Por isso, o Executivo deveria enviar ao Congresso, de imediato, uma reformulação dos programas assistenciais existentes antes da pandemia.
Há razoável consenso entre os especialistas de que são anacrônicos ou ineficientes programas como abono salarial, salário-família, seguro-defeso, desconto de dependentes no Imposto de Renda e Farmácia Popular, entre outros.
A extinção desses programas, e a canalização dos recursos para uma Bolsa Família ampliada, garantiria aos mais pobres assistência após à pandemia.
A aprovação dessa reforma estrutural seria condição prévia para uma prorrogação curta do auxílio emergencial, com valores bastante reduzidos, extinção da cota dupla e forte esforço de minimização de desvios e fraudes.
Marcos Mendes
Pesquisador associado do Insper, é autor de 'Por que É Difícil Fazer Reformas Econômicas no Brasil?'
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