Não estamos vivendo uma depressão econômica que requeira ativismo fiscal
O grande economista inglês John Keynes —o maior economista da primeira metade do século 20 e criador da macroeconomia— nos ensinou que, em uma economia em meio a uma depressão, o setor público pode gastar, além da receita de que dispõe, que não há problemas fiscais. O déficit público estimula a economia, que cresce e sai da depressão.
O crescimento econômico gera receita de imposto, e a relação da dívida com o produto melhora pelos seguintes motivos: o aumento dos impostos contribui para reduzir o numerador, e a elevação do crescimento econômico amplia o denominador.
Adicionalmente, a redução do desemprego e a melhora das condições financeiras das empresas prolongam o crescimento: desalentados voltam a procurar emprego, e a redução das falências contribui para conservar o capital organizacional de empresas.
Em condições de depressão econômica e de desemprego aberto, esses três efeitos são fortes o suficiente para compensar o impacto primário do aumento do déficit sobre a solvência do setor público.
O resultado líquido é a redução da dívida pública como proporção do produto. No frigir dos ovos, o setor público ajudou a economia a sair do buraco e sua solvência melhorou.
Todos ganham.
Keynes se deparou com um dos raros casos em que há uma solução relativamente simples e correta para um problema muito complexo.
Apesar de o desemprego estar elevado no Brasil e de nós termos entrado na crise sanitária a partir de uma situação de desemprego aberto, o que estamos a enfrentar em nada lembra uma depressão econômica que requeira ativismo fiscal.
A situação é de natureza muito distinta. O setor público eleva (e elevará) muito o déficit público em 2020 para permitir que as pessoas fiquem em casa se protegendo da pandemia.
Houve a decisão de socializar, na forma de aumento do endividamento público, os custos privados do combate à pandemia.
Se a política pública for bem desenhada, ela não elevará o emprego. Liquidamente ela reduzirá o emprego. Sem as políticas públicas de sustentação da renda, as pessoas iriam para as ruas procurar alguma renda.
No atual episódio, o crescimento da dívida não será compensado pela elevação do crescimento econômico e do emprego. Talvez haja, a longo prazo, se as políticas forem bem desenhadas e conseguirem impedir a falência de empresas eficientes, algum ganho de crescimento pela manutenção do capital organizacional das empresas.
A atual política fiscal não é prioritariamente política macroeconômica de sustentação da renda e do emprego.
Trata-se de uma política social de minimização dos impactos desastrosos da supressão da atividade produtiva sobre a vida das pessoas —principalmente, ou assim deveria ser, das mais vulneráveis.
Nas sociedades orientais, em que há o entendimento de que seguro social é atribuição individual, e não do Estado, boa parcela do custo da supressão da atividade produtiva foi jogada diretamente para as famílias.
Na China, por exemplo, as famílias, ricas e pobres, diminuíram suas poupanças —não me pergunte como chinês pobre poupa porque não tenho a menor ideia— para custear parcela dos gastos da quarentena.
É necessário, portanto, termos muita parcimônia no desenho dos programas e no comprometimento do Orçamento. Não estamos fazendo política contracíclica keynesiana de sustentação
da demanda agregada.
Samuel Pessôa
Pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (FGV) e sócio da consultoria Reliance. É doutor em economia pela USP.
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