Valor Econômico - 27/05
O desempenho nesta década, com declínio da renda per capita, embute o risco de o Brasil país não estar preso na armadilha da renda média, e sim retrocedendo
O declínio da renda nesta década não tem precedentes na história contemporânea do país. Uma tragédia sob muitas métricas. O PIB no fim da década será menor do que no seu início, o país terá ficado mais pobre, as oportunidades serão mais escassas, em particular para os mais pobres, e o endividamento do setor público aumentará muito, superando o de quase todos os países emergentes.
O PIB recuará cerca de 1% nesta década, diminuindo em termos per capita em mais de 9% ante 2010. A renda mensal média por habitante aos preços de 2017 diminuirá de R$ 2.706 (US$ 940) em 2010 para R$ 2.475 (US$ 730) em 2020, assumindo taxa de câmbio no fim deste ano de R$ 5,50/US$.
Esse péssimo desempenho pode ser atribuído a diversos motivos, entre os quais: choques expressivos, em especial o associado à covid-19; má gestão das políticas públicas em várias frentes e em vários governos; e baixa produtividade dos trabalhadores, consequência principalmente da reduzida qualidade da educação no país.
A década de 1980, conhecida por “Década perdida”, teve crescimento do PIB de quase 17% ou 1,6% ao ano. O forte aumento populacional na época é o que explica o título, pois o PIB per capita diminuiu 5,5% no período. Como o resultado entre 2011 e 2020 é pior do que o dos anos 1980, uma classificação apropriada para a atual década seria “Década em marcha à ré”.
O atual cenário sugere que não é desprezível o risco de o Brasil estar preso ao que a literatura sobre desenvolvimento econômico intitula “Armadilha da renda média”. Esse processo é caracterizado por um país que, após crescer de maneira acelerada, alcança uma renda per capita superior à dos países pobres, mas não mantém uma expansão que permita alcançar um padrão próximo ao dos países desenvolvidos. Se esse quadro já é complexo, não se pode afastar a possibilidade de a situação do Brasil ser ainda pior. O seu desempenho nesta década, com declínio da renda per capita, embute o risco de o país não estar preso nessa armadilha e sim retrocedendo.
Após uma recessão que tem grande chance de superar a mediana das expectativas do Focus de 5,9% neste ano, com uma forte contração no 1º semestre seguida de uma retomada no 2º semestre, o crescimento do PIB de 2021 tende a superar a mediana das previsões do Focus de 3,5%, motivado por uma base de comparação favorável.
Todavia, a manutenção de um crescimento sustentável na próxima década superior ou próximo a 2,2% - média anual entre 1981 e 2020 - exigirá expressivas mudanças sociais, econômicas e políticas. O Executivo precisará propor e o Congresso aprovar reformas estruturantes, entre as quais a tributária, a administrativa, a política, uma nova previdenciária e, principalmente, a educacional.
Essa será uma missão complexa e dificilmente será concluída em apenas um ou dois mandatos legislativos. Dessa forma, é crucial que os próximos governos tenham o mesmo diagnóstico sobre a importância dessas reformas, pois sua aprovação e sua implementação se estenderão além da próxima década. Mesmo assim, esses ajustes contribuiriam para que os agentes antecipassem os efeitos benéficos dessas políticas, mesmo que ocorram apenas nos anos 2030.
Os governos desde o do presidente Collor, embora pertencendo a espectros políticos diferentes, adotaram medidas similares em algumas áreas importantes, conduzindo o país à estabilidade da inflação e, em menor grau, à consolidação fiscal. Ainda que quase todas incompletas, as reformas foram instrumentais para que o Brasil saísse de uma hiperinflação de mais de 366 milhões por cento na década de 1980 para uma inflação IPCA acumulada de cerca de 70% nos últimos 10 anos. A inflação IPCA média anual diminuiu de 6,6% entre 2001 e 2010 para 5,3% nesta década, sendo ainda menor entre junho de 2016 e maio de 2020, quando alcança 3,2% ao ano.
Apesar de a situação fiscal ter melhorado bastante frente aos desequilíbrios existentes até o fim da década de 1990, há muito a ser feito para reduzir os riscos nas contas públicas. O estímulo fiscal adotado como resposta às consequências da pandemia elevará o déficit primário para patamar possivelmente superior a 10% do PIB neste ano. Uma eventual decisão do governo federal de reverter esse déficit de forma paulatina pode levar a dívida pública a superar 100% do PIB em algum momento da próxima década.
Esse ambiente torna o cenário para a economia doméstica ainda mais nebuloso, com impactos deletérios em várias frentes. É provável que 2021 comece com: um número de postos de trabalho menor do que em qualquer outro momento da atual década; uma distribuição de renda, mesmo com a expansão de diversos programas sociais, pior do que a de 2010; uma incerteza sobre a solvência da dívida pública maior do que no fim de 2019; e um governo com uma taxa de aprovação mais baixa do que no seu primeiro ano de mandato e, consequentemente, com frágil apoio no Congresso para aprovar suas propostas.
Apesar da expectativa de maior expansão da atividade em 2021 frente a dos últimos anos na maioria das economias, o cenário global agregará riscos significativos para o Brasil. Por exemplo, incertezas sobre um eventual comportamento mais protecionista dos governos de vários países, notadamente dos EUA, podem promover uma disseminada guerra comercial, prejudicando, portanto, a retomada da atividade doméstica.
O desempenho econômico no próximo ano tende a ser favorável para o Brasil, com um crescimento do PIB superior ao de qualquer outro ano da década corrente, com exceção possivelmente dos 4% de 2011; e inflação em 2021 provavelmente menor do que em qualquer ano da década de 2010, com exceção do possível 1% de 2020. A esperança é que o ambiente político seja menos conflituoso, permitindo o início da aprovação no Congresso de uma agenda modernizante.
O empenho dos Três Poderes precisa ser canalizado para construir as pré-condições para a recuperação das perdas econômicas e sociais desta década. Do contrário, o Brasil pode enfrentar mais uma década perdida ou, ainda pior, mais um período em marcha à ré.
Nilson Teixeira, sócio-fundador da Macro Capital Gestão de Recursos, Ph.D. em economia pela Universidade da Pensilvânia,
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