Folha de S. Paulo - 25/04
Com a denúncia de Moro, cresce o clamor pelo impeachment do presidente
Foi surpreendente ver milhões de brasileiros acreditarem que Jair Bolsonaro seria a encarnação da ordem, do interesse nacional e da luta contra a corrupção.
Sua Presidência, como era de se esperar, tem se esmerado em produzir anarquia, obscurantismo e um ataque sistemático às instituições do Estado democrático de Direito, além, é claro, de uma defesa intransigente dos interesses de seu clã.
Em seu discurso de despedida, Sergio Moro —que endossou a ascensão de Bolsonaro ao poder ao aceitar ser seu ministro da Justiça— acusou o presidente da República de estar alterando o comando da Polícia Federal por motivos políticos, relacionados ao seu interesse e de seus filhos na condução de investigações e processos pendentes no Supremo Tribunal Federal.
A denúncia de Moro apenas confirma a percepção de que o governo vem aparelhando as instituições de Estado e enfraquecendo os mecanismos de participação e controle, com o objetivo de se livrar dos limites constitucionais impostos a todos aqueles que exercem o poder numa democracia.
Mais do que isso, indica a intenção do presidente de ampliar o controle autoritário sobre a sociedade por intermédio do sistema de inteligência.
Não terá sido a primeira vez que Bolsonaro incorreu nas hipóteses de crimes de responsabilidade descritas pelo artigo 85 da Constituição Federal.
Persistentes têm sido seus ataques aos direitos fundamentais, inclusive o direito à saúde e à vida na condução da pandemia do novo coronavírus, e aos demais poderes, que poderiam também ser configurados como crimes de responsabilidade.
Como aprendemos ao longo das últimas décadas, o impeachment transformou-se no Brasil numa ferramenta predominantemente política. Infelizmente, graças à amplitude de nossa lei de responsabilidade, configurar um crime de responsabilidade não é uma tarefa difícil.
A questão fundamental tem sido julgar a sua viabilidade e, sobretudo, as suas consequências políticas.
Com a denúncia de Moro, nesta sexta-feira (24), o clamor pelo afastamento do presidente, seja pela renúncia ou pelo impeachment, angariou novos adeptos, agora também à direita. Inclusive entre aqueles que veem nessa crise uma oportunidade para colocar um general na cadeira de presidente, sem a necessidade de um golpe.
Até este momento, mesmo alguns setores profundamente críticos a Bolsonaro vinham se demonstrando reticentes em provocar um processo de impeachment, seja pelo risco de o tiro sair pela culatra, como no caso de Trump, seja pelas suas consequências para a estabilidade democrática, inclusive os riscos de um autogolpe.
O fato, porém, é que a discussão sobre o impeachment ganhou uma nova dinâmica a partir das denúncias de Moro.
Quando se cruza uma linha fundamental, que coloca em risco a integridade da República de forma tão clara, a obrigação de agir vai se tornando mais imperiosa e comprimindo as ponderações legítimas de conveniência e oportunidade política.
A acusação realizada por Sergio Moro confirma a propensão de populistas autoritários de não pouparem esforços para subverter o Estado de Direito, para capturar suas instituições de aplicação da lei e para violar tudo aquilo que é mais sagrado num regime democrático.
Como se não bastassem os inúmeros desafios impostos pelo combate ao coronavírus, que vem ceifando a vida de milhares de brasileiros, seremos obrigados, neste momento, a nos debruçar sobre essa nova crise governamental, com desfecho imprevisível.
É passada a hora de uma frente ampla para estabilizar nossa democracia.
Oscar Vilhena Vieira, professor da FGV Direito SP, mestre em direito pela Universidade Columbia (EUA) e doutor em ciência política pela USP.
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